Os presidentes dos Bancos Centrais desbancaram os titãs de Wall Street como senhores do universo quase uma década atrás. Eles salvaram a economia mundial da crise financeira, inundando o mundo com dinheiro a baixo custo. Usaram seus poderes de maneira eficiente para fazer com que os bancos voltassem a emprestar. Suas medidas aumentaram os preços dos ativos, mantendo elevado o grau de confiança dos agentes econômicos e dos consumidores. Os mercados financeiros e as populações os ouvem atentamente. Mas eles nunca estiveram tão vulneráveis.
Num momento em que se reúnem em Washington para o encontro anual do FMI, há uma crise de confiança no desempenho dos Bancos Centrais. Seus modelos estão decepcionando e há dúvidas sobre se eles compreendem de fato os efeitos da política monetária e dos Juros sobre a economia. Em resumo, os novos senhores do universo podem não entender o que regula o funcionamento da economia contemporânea, e suas medidas bem intencionadas podem se revelar prejudiciais.
Embora haja há muito tempo críticos do poder dos dirigentes dos BCs na esquerda e na direita, essas dúvidas profundas nunca estiveram tão presentes em seu estreito universo. Como diz o bilionário investidor Warren Buffett, eles se arriscam a ser os próximos a serem flagrados desabando na próxima tempestade. A capacidade de os BCs responderem a essas questões não afeta apenas as taxas de crescimento. É fundamental para a saúde das democracias das economias avançadas, muitas das quais foram acossadas por manifestações populistas.
“Se não conseguirmos fazer a inflação voltar a subir, não conseguiremos ter estabilidade política sem aumento de salários”, diz Adam Posen, diretor do Peterson Institute e ex-presidente do Banco da Inglaterra, o BC britânico.
A raiz da atual insegurança que cerca a política monetária é que, nas economias avançadas – do Japão até os EUA -, a inflação não está se comportando da maneira que os modelos econômicos previam.
Enquanto a economia mundial está usufruindo de seu mais amplo e sólido crescimento desde 2010, as pressões inflacionárias estão, em grande medida, ausentes. Apesar de a taxa de desemprego das economias avançadas ter caído de quase 9% em 2009 para menos de 6% atualmente, os dados divulgados nesta semana pelo FMI mostram que o crescimento dos salários se limitou a pairar em torno de aumentos anuais de 2%.
Janet Yellen, presidente do Fed (Banco Central dos EUA), é a mais direta. “Nosso quadro para entender a dinâmica da inflação pode estar essencialmente mal especificado”, disse ela no mês passado. Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu (BCE), mantém-se confiante por enquanto, mas observa: “A atual expansão da economia… ainda não se traduziu suficientemente em uma dinâmica de inflação mais forte”.
Já Claudio Borio, economista-chefe do Banco de Compensações Internacionais (BIS), diz: “Se a pessoa for totalmente sincera, será difícil evitar a pergunta: quanto realmente sabemos sobre o processo inflacionário?”
Os detalhes dos modelos macroeconômicos são diabolicamente complicados, mas em seu cerne há uma relação – chamada curva de Phillips – entre o ciclo econômico e a inflação. O ciclo pode ser medido pelo desemprego, pela taxa de crescimento e por outras variáveis, e o modelo prevê que, se a economia estiver aquecida – se o desemprego cair para patamares inferiores ao nível sustentável de longo prazo ou se o crescimento se mantiver persistentemente mais acelerado que seu limite de velocidade -, a inflação aumentará.
Os modelos são amplificados por um conceito de expectativa inflacionária, que manterá a inflação mais próxima da meta da autoridade monetária – normalmente de 2% – se a opinião pública confiar que os presidentes dos BCs farão o que for necessário para trazer a inflação de volta a esse nível após qualquer desvio temporário. O grande objetivo dos dirigentes de BCs é afirmar, de maneira confiável, que “ancoraram as expectativas inflacionárias” no nível da meta.
Nos modelos, os fatores mais importantes que explicam as variações dos preços são, portanto, o grau pelo qual a economia tem espaço para crescer sem inflação e as expectativas inflacionárias.
O papel dos BCs no modelo é fixar os Juros de curto prazo. Se um BC situar suas taxas oficiais num patamar baixo, as pessoas e as empresas serão estimuladas a tomar mais empréstimos para gastar e investir, e desestimuladas a poupar, o que impulsionará a economia no curto prazo. Taxas de Juros mais elevadas desaquecem a demanda. O primeiro problema fundamental do modelo é que, como diz Borio, “a conexão entre medidas de folga doméstica e inflação se mostra um tanto fraca e ambígua há pelo menos algumas décadas”.
Embora a taxa de desemprego do Japão tenha voltado a cair para os níveis do surto de crescimento das décadas de 1970 e 1980, deixando pouca folga, a inflação é praticamente zero. No Reino Unido, o desemprego se reduziu quase à metade desde 2010, mas o crescimento dos salários permaneceu, sistematicamente, a 2% ao ano.
Mas muitos economistas e dirigentes de BCs são devotos da teoria existente há cerca de 30 anos, e tentam ajustá-la de modo a explicar os acontecimentos recentes, em vez de abandoná-la em favor de ideias menos ortodoxas. Essas pequenas manobras ocorrem no mundo inteiro, embora as explicações divirjam entre si.
Yellen destacou questões de mensuração na inflação e “variações idiossincráticas nos preços de alguns produtos, como a grande queda dos preços dos serviços de telecomunicações observada alguns meses atrás”. No mesmo sentido, o BCE gosta de uma nova definição: o “supernúcleo”, que exclui do índice um maior número de itens e que mostra um desempenho melhor em relação à sua meta.
Uma segunda explicação é que o nível de desemprego que é compatível com a inflação estável caiu. Em 2013, o Banco da Inglaterra considerava que a economia britânica não conseguiria suportar uma queda do desemprego para menos de 7% sem que os salários e a inflação subissem. Agora a instituição considera que essa taxa é de 4,5%. Pelo seu raciocínio, a inflação esteve baixa porque havia mais folga na economia do que eles tinham imaginado.
Uma terceira explicação é que os dirigentes dos BCs têm sido tão bem-sucedidos em ancorar as expectativas inflacionárias que as empresas não tentam elevar os preços a uma velocidade maior e os trabalhadores não pedem aumentos salariais mesmo quando há abundância de empregos.
Por enquanto, a opinião pública ainda confia nas mulheres e nos homens que trabalham nos salões revestidos de mármore dos BCs. Mas essa confiança é frágil. Os dirigentes dos BCs podem ter sido os senhores do universo dos últimos dez anos, mas sabem muito bem o que aconteceu com os antigos detentores desse título.
Fonte: VALOR ECONÔMICO