Discurso do BC convence e dita apostas de juros mais altos

    Em uma manobra pouco usual, a diretoria do Banco CENTRAL corrigiu as expectativas para o rumo da Selic e colocou a previsão de uma alta de 0,5 ponto percentual da taxa, para 13,25%, de volta ao topo das apostas. Dos 34 economistas ouvidos pelo Valor, 28 esperam que o Comitê depolítica monetária (Copom), no encontro da próxima semana, mantenha o ritmo atual de aperto, sendo que 19 deles preveem que o ciclo prossiga pelo menos até junho. Outros 6 analistas acreditam que a Selic subirá, mas numa dose menor, de 0,25 ponto. 

    Esse placar era diferente há duas semanas. O recuo do dólar para baixo da linha de R$ 3,15 – taxa citada pelo último Relatório de Inflação no cenário de referência do Banco CENTRAL – e indicadores econômicos muito fracos detonaram um movimento de revisão das projeções. Tal dinâmica afetou tanto o mercado de juros futuros quanto as projeções dos economistas. 

    Ao perceber que o mercado estava caminhando na direção errada – e preocupado em fortalecer a comunicação e, consequentemente, sua credibilidade -, o BC veio a campo e mandou sua mensagem. O presidente ALEXANDRE TOMBINI e o diretor Luis Pereira Awazu alinharam o discurso e disseram, em eventos diferentes, que a política monetária “foi, é e continuará sendo” vigilante, sugerindo que a dose de 0,5 ponto percentual de aperto prosseguirá. Alertaram que os efeitos da alta de juros já realizada não foram suficientes. E reforçaram o compromisso em levar a inflação ao centro da meta até o fim de 2016. 

    As taxas embutidas nos contratos futuro de juros, que já atribuíam uma probabilidade de 50% de o juro subir apenas 0,25 ponto e grande chance de o ciclo acabar, mudou de cara. As taxas de curto prazo subiram com força a ponto de incorporar uma alta levemente superior a 0,5 ponto na semana que vem. Como efeito colateral, os juros mais longos reduziram o prêmio, em uma demonstração de confiança de que o aperto monetário mais forte agora abrirá espaço para alívio no futuro. 

    Economistas acompanharam esse movimento. É o caso do Itaú, que alterou, esta semana, sua previsão para a Selic de uma alta de 0,25 ponto para 0,5 ponto, movido pelo discurso da autoridade monetária. O mesmo ocorreu com o economista-chefe da Garde Investimentos, Daniel Weeks, que fez duas alterações em seu cenário desde a última reunião do Copom: reduziu a previsão para 0,25 ponto após a divulgação do Relatório de Inflação e retomou o 0,5 ponto após ouvir a fala de TOMBINI e de Awazu. “Eles estão deliberadamente passando uma mensagem mais dura, de querer ver as expectativas caindo para 2016”, afirma. 

    A reação dos ativos financeiros – incluindo o dólar, que ampliou a queda diante da perspectiva de uma Selic mais alta – mostra que o BC alcançou, em parte, seu objetivo e corrigiu parte das apostas, em uma demonstração de que o ceticismo com uma atuação mais firme da autoridade monetária diminuiu. 

    Mas quando o tema é inflação, os profissionais ainda não estão convencidos de que o objetivo de uma taxa de 4,5% no ano que vem será alcançado. “Esperamos uma inflação mais baixa, em torno de 5%, mas não exatamente no centro da meta”, diz Thais Zara, economista-chefe da Rosenberg & Associados. 

    “Acho que atingir 4,5% em dezembro de 2016 é improvável, a menos que haja um choque extremamente favorável no grupo alimentação ou uma valorização forte do real”, reforça a economista-chefe da ARX Investimentos, Solange Srour. “Acho mais provável chegarmos em 2016 com uma inflação perto de 5,5% ou 6,0% e mirarmos 4,5% em 2017.” 

    “A convergência para 4,5% em 2016 requereria uma dose bem mais alta de juros e ou uma forte apreciação do real, nenhuma das duas desejável pelo custo imposto à atividade e emprego, prejudicando o ajuste fiscal”, completa o economista-chefe do Safra, Carlos Kawall. 

    O que virá após o encontro de abril, na visão dos analistas, será definido pelo efeito que três fatores exercerão sobre a inflação corrente: câmbio, crescimento econômico e política fiscal. O primeiro, lembram analistas, dependerá muito mais das decisões de outro Banco CENTRAL, o americano, do que das questões domésticas. E isso amplia ainda mais o grau de incerteza do cenário e pode explicar o esforço do BC de enfraquecer a aposta no fim do ciclo em abril. 

    “A política monetária nos EUA é importante na medida em que afeta o comportamento da taxa de câmbio”, afirma o economista-chefe do HSBC para o Brasil, Constantin Jancsó. “Nós projetamos um ciclo de aperto extremamente gradual nos EUA. Claro que se os juros subirem mais rapidamente nos EUA, isso pode pressionar a taxa de câmbio, exigindo uma resposta de politica monetária [no Brasil]. Mas esse não é nosso cenário básico.” 

    Já o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, acredita que a atividade deve comandar a política de juros cada vez mais. “A recessão vai pegar firme no mercado de trabalho e na renda”, afirma. 

    Por fim, o rumo da política fiscal, que parecia garantir uma clara ajuda adicional ao esforço do Copom, volta a ser encarada como uma outra dúvida. “Acho que o peso do desempenho fiscal já está ficando claro: vai contar cada vez menos como meta e mais como direção”, diz Gonçalves.

     

    Fonte: Valor Econômico

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