Murillo Camarotto
Poucos dias após defender a retomada do tripé macroeconômico – superávit primário, câmbio flutuante e metas para a inflação -, a ex-senadora Marina Silva (PSB) explicou ontem por que é contra a institucionalização da autonomia para a atividade do Banco Central (BC). Provável candidata a vice na chapa presidencial que será encabeçada por Eduardo Campos (PSB), ela sinalizou que pode continuar repelindo algumas alianças que o governador de Pernambuco vinha costurando.
A negligência e a ansiedade política do governo da presidente Dilma Rousseff, segundo Marina, fragilizaram o tripé que foi responsável pela estabilidade da economia e pela inclusão social das últimas décadas. Conforme antecipou o Valor, a ex-senadora explicitou a empresários e investidores sua defesa da retomada do tripé. Ela disse, entretanto, ser contra a formalização da autonomia do BC. A seu ver, colocar a autonomia em discussão seria um risco à estabilidade da economia do país.
“Nós não defendemos a formalização. Especialistas do direito dizem que existem conquistas que ficam no campo do direito consuetudinário. Acho que na realidade do Brasil, a autonomia do BC já faz parte das leis que pertencem a esse ramo; que ainda que não seja formalizada, se estabelece a partir do consenso social e cultural de uma determinada política econômica”, justificou Marina. “Imagine, com esse Congresso que nós temos, colocar em discussão uma questão como essa. Se um grupo decide que não terá autonomia, nós ficaríamos diante de uma fragilização em termos de política macroeconômica que não é desejável”, completou.
A ex-senadora também criticou o pouco compromisso do governo com a inflação, a política de desonerações e o papel dado ao BNDES na criação das chamadas gigantes nacionais. Sobrou até para o empresário Eike Batista, cujos empréstimos tomados junto ao banco federal foram, segundo ela, “para a lata do lixo”.
No gabinete de Eduardo Campos, as declarações de Marina ao empresariado foram vistas com satisfação. Um interlocutor do governador disse que as posições da ex-senadora acerca do tripé macroeconômico, por exemplo, já foram defendidas por Campos em outras ocasiões. Segundo a mesma fonte, os dois aliados não perderão a oportunidade de afinar os discursos, como aconteceu no jantar realizado ontem na casa do governador.
O entrosamento no discurso aos empresários ainda não é o mesmo em se tratando da política de alianças da dupla. Questionada sobre a coerência do discurso “contra a velha política” e as alianças de Campos com figuras como o ex-presidente da Câmara Severino Cavalcanti (PP-PE) e o deputado federal Inocêncio Oliveira (PR-PE), Marina disse acreditar que o governador de Pernambuco ainda poderá mudar de posição.
“Não me sinto constrangida, pois estamos fazendo um trabalho pioneiro, e pioneiros pagam certo preço. O governador estava tentando se viabilizar e vinha sendo minado de todos os lados. Diante disso, buscamos o governador e, a partir daí, ele está reposicionando os esforços que vinha fazendo”, disse Marina. “Acho que o movimento que o Eduardo Campos fez quando se dispôs a essa aliança é no sentido de ressignificar essa consciência. Com esse fato novo, Eduardo se sente fortalecido para buscar outro caminho”, completou a ex-senadora.
Integrantes do Rede Sustentabilidade que acompanharam Marina na visita ao Recife disseram, sob reserva, que a expectativa é que Campos vá, aos poucos, se livrando de alianças indesejadas aos “sonháticos”. Acreditam que o potencial eleitoral trazido por Marina deixa o governador menos dependente de lideranças identificadas com a direita e o pouco apreço às causas ambientais.
No gabinete de Campos, entretanto, o discurso é de que “nem tudo vai ser do jeito que um quer”. “Serão impostos limites dos dois lados”, disse uma pessoa próxima ao governador.
Antes de seguir para a Universidade Estadual de Pernambuco, onde fez palestra, Marina falou bastante sobre Dilma. De acordo com a ex-senadora, a principal marca da atual administração federal é o risco de retrocesso. Em tom irônico, Marina voltou a dizer que o maior legado do governo Dilma é ter explicitado ao país o esgotamento do atual modelo de presidencialismo de coalizão.
Em entrevista a rádios de Minas, Dilma disse ontem que os postulantes ao Palácio do Planalto deveriam estudar o Brasil e apresentar propostas. Mesmo após garantir que não é candidata, Marina respondeu: “Acho que ela [Dilma] deu um conselho de professora. Eu fui alfabetizada aos 16 anos e se existe uma coisa que eu gosto é valorizar os que se dispõem a estudar. Eduardo [Campos] é uma pessoa que pega as coisas com muita consistência. Aprender é uma coisa boa, difícil são os que acham que não têm mais o que aprender e só conseguem ensinar.”
Fonte: Valor Econômico