Dívida do Brasil destoa de emergentes

    Na comparação com outros grandes países emergentes, a dívida pública brasileira chama atenção pela magnitude, mas preocupa especialmente pela forte trajetória de alta registrada desde 2013, projetada para continuar nos próximos anos. Ontem, a agência de classificação de risco Moody´s retirou o grau de investimento do Brasil ao reduzir a nota de crédito em dois degraus, afirmando que a dívida vai subir entre 2016 e 2018, e “provavelmente” ultrapassar 80% do PIB antes de se estabilizar.

    Projeções como essas apontam para uma alta insustentável do endividamento bruto do país. Ainda não se vê, porém, um risco de insolvência iminente. O grande volume de reservas internacionais é um trunfo importante do país, que ajuda a contrabalançar a forte deterioração das contas públicas.

    Em 2015, a dívida bruta fechou em 66,2% do PIB. Para os próximos anos, há consenso de que ela continuará em alta – a dúvida é quanto à velocidade. Enquanto o Itaú vê o indicador em 83,6% do PIB em 2018, a Standard & Poor´s (S&P) estima um número na casa de 76% do PIB. São números bem piores do que de outros grandes emergentes, diz Marcos Casarin, chefe de pesquisa macroeconômica para a América Latina da Oxford Economics.

    Nesse grupo de países, apenas a Índia tem uma dívida próxima a do Brasil. Pelos cálculos da S&P, o endividamento bruto da Índia terminou 2015 em 67,8% do PIB, devendo se estabilizar nesse nível nos próximos anos. Já o Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta um recuo nos próximos anos, estimando uma queda para menos de 62% do PIB em 2018.

    Além de uma dívida bruta sob controle, o país promoveu um forte ajuste externo nos últimos anos. Com isso, houve uma melhora expressiva da percepção de risco da Índia, que em 2013 havia sido incluído no grupo dos “cinco frágeis” pelo Morgan Stanley, ao lado de Brasil, Indonésia, Turquia e África do Sul, como os mais vulneráveis aos efeitos de uma mudança na política monetária americana.

    De lá para cá, as contas públicas brasileiras pioraram dramaticamente – o déficit nominal, que inclui os gastos com juros, pulou da casa de 3% do PIB para 10,3% do PIB em dezembro do ano passado, e a dívida bruta subiu de 51% do PIB para os atuais 66,2% do PIB. Indonésia, Turquia, África do Sul, México e China, por exemplo, têm todos um endividamento bruto inferior a 50% do PIB, e em nenhum caso há expectativa de deterioração semelhante à do Brasil.

    Para o diretor de pesquisa para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, o país continua solvente, mas a trajetória da dívida aponta para uma situação insustentável se nada for feito para mudar o quadro fiscal, marcado por forte crescimento dos gastos e queda de receitas, num ambiente de recessão.

    Segundo ele, a situação “não é irreversível e o país conta com grande volume de reservas, mas é necessário tomar medidas para mudar a situação no curto e no médio prazo, enfrentando o problema do crescimento vegetativo dos gastos. Na visão de Ramos, o investidor estrangeiro começa a ficar mais “ciente” do problema fiscal brasileiro, ao tomar conhecimento que a dinâmica da dívida se deteriora rapidamente.

    Depois de uma recente visita ao Brasil, o economista avalia que há “uma crescente percepção” entre os investidores e analistas brasileiros de que o país está numa trajetória que pode levar à insolvência fiscal no médio prazo, num quadro em que o governo não mostra disposição ou força política para lidar com esse cenário.

    Para Casarin, apesar do cenário fiscal delicado do país, muitos estrangeiros continuam a ver papéis e ativos brasileiros como atrativos. Ele lembra que o real se desvalorizou muito nos últimos anos, o que torna menor a probabilidade de uma nova depreciação expressiva da moeda. Para completar, o investimento direto no país tem coberto o déficit em conta corrente, um motivo que ajuda a explicar a maior estabilidade recente no câmbio. E Casarin destaca que muitos títulos brasileiros oferecem um retorno muito elevado, atiçando o apetite dos investidores em busca de rentabilidade mais elevada. Além disso, o volume elevado de reservas também passa uma maior sensação de segurança.

    Não há uma perspectiva de crise de financiamento externo, observa ele, que não vê um risco de calote no horizonte. Com a dívida pública denominada reais, o setor público poderia no limite imprimir dinheiro e inflacionar a economia, afirma ele, para quem esse aspecto é implicitamente levado em conta pelos investidores que aplicam em ativos brasileiros.

    Ainda assim, antes do rebaixamento da nota de crédito pela Moody´s, o “credit default swap” (CDS, uma espécie de seguro contra calotes) de cinco anos do Brasil embutia uma possibilidade 30% de calote ao longo de cinco anos, segundo nota do BNP Paribas. Numa lista de 11 países, o risco de um default brasileiro era o segundo maior, atrás apenas do da Nigéria. (Colaborou José de Castro)

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    Fonte: Valor Econômico

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