Do Brasil à Tailândia, valorização do dólar pressiona dívida de empresas

    A alta do dólar está pressionando empresas de mercados emergentes, desde o Brasil até a Tailândia, que emitiram US$ 1 trilhão em títulos antes de a moeda americana subir e agora estão às voltas com o custo crescente desta dívida.

    Em 2014, o dólar subiu mais de 7% em relação a um grupo de moedas de mercados emergentes monitorado pelo Banco CENTRAL dos Estados Unidos. Embora a alta do dólar afete muitas empresas ao redor do mundo, o impacto é maior para empresas de mercados emergentes que emitiram títulos em dólar em vez de em suas moedas locais.

    A alta do dólar aumenta o custo dos pagamentos regulares dos juros de dívida e do resgate de papéis que estejam vencendo.

    O efeito, que já está prejudicando os lucros de muitas empresas, deve forçar algumas a utilizar reservas de emergência e ainda pode provocar alguns casos de inadimplência, dizem analistas.

    Para alguns economistas, a pressão crescente traz à memória as crises cambiais na Ásia e América Latina nas décadas de 80 e 90, quando o fortalecimento do dólar ajudou a deflagrar uma queda no crescimento econômico e nos preços dos imóveis, commodities e outros ativos.

    “A comunidade de investidores está quase toda se voltando para a direção dos EUA”, diz Nikolaos Panigirtzoglou, estrategista de mercados globais do Banco J.P. Morgan Chase & Co.

    Muitos desses mesmos países estão vulneráveis novamente, mas poucos analistas e investidores preveem uma crise geral.

    Mais de 65% dos títulos de dívida correntes emitidos por empresas em países emergentes são considerados de alta qualidade pelas grandes agências de classificação, com baixo risco de inadimplência.

    Enquanto isso, algumas empresas tentam se proteger de um possível prejuízo emitindo pelo menos alguns títulos de dívida em sua moeda local. “Não acho que seja um problema sistêmico”, diz Samy Muaddi, gerente de portfólio da gigante dos fundos mútuos T. Rowe Price Group Inc.

    Em 2014,as empresasdepaíses emergentes emitiram um recorde de US$ 276 bilhões em títulos em dólar até 30 de dezembro, segundo a provedora de dados Dealogic. Esse tipo de emissão disparou após a crise financeira, já que os emissores aproveitaram os juros baixíssimos fixados pelo Federal Reserve, o BC americano, e outros bancos centrais.

    Governos também recorreram a títulos denominados em dólar, ficando agora sobrecarregados com custos maiores do serviço da dívida à medida que a moeda americana sobe. Analistas dizem que muitos países estão numa posição melhor porque suas reservas são hoje maiores que em crises anteriores.

    No geral, as empresas e emissores de dívida soberana possuem US$ 6,04 trilhões em títulos, volume quase quatro vezes maior que na crise financeira de 2008, de acordo com a Dealogic.

    Os resultados do quarto trimestre, a serem divulgados neste mês por empresas em todo o mundo, começarão a mostrar o impacto da alta do dólar sobre as firmas dos mercados emergentes.

    O lucro de muitas empresas na América Latina deverá ser afetado, diz Eduardo Uribe, que trabalha na firma de classificação de risco de crédito Standard & Poor’s Ratings Services e é responsável por avaliações de emissões de dívida corporativa na região. Muitos mercados emergentes também estão sendo afetados pela queda nos preços das commodities e no crescimento econômico. Os mercados de títulos dos países emergentes sofreram recentemente uma das maiores liquidações desde a crise financeira, segundo o índice Barclays PLC de dívida de mercados emergentes em dólar.

    O real, a rúpia indonésia, o peso chileno e a lira turca estão próximos do seu nível mais baixo em muitos anos. O Banco CENTRAL mexicano comprou pesos no início de dezembro para evitar que a desvalorizada moeda desequilibre a economia do país.

    A pressão deve subir ainda mais se o Fed elevar os juros este ano pela primeira vez desde 2006. Luca Paolini, estrategista chefe da gestora Pictet Asset Management, diz que a empresa reduziu sua exposição a títulos corporativos de mercados emergentes.

    Ele acredita que haverá muito mais volatilidade este ano e que “não podemos descartar algum evento de crédito que pode gerar muito pânico”.

    Os temores estão crescendo particularmente em relação à Rússia, onde o rublo tem oscilado acentuadamente e a economia foi abalada pelas sanções ocidentais e os preços menores do petróleo. Lubomir Mitov, economista- chefe para a Europa do Instituto de Finanças Internacionais, uma associação de bancos, prevê “uma onda generalizada de inadimplência corporativa” na Rússia em 2015. 

    Com os investidores abandonando moedas, ações e títulos de dívida mercados emergentes em favor do dólar, as moedas locais podem enfraquecer ainda mais. 

    O dólar mais forte também eleva o custo de novos empréstimos. 

    Os preços dos títulos com vencimento em 2018 emitidos pela russa OAO TMK, uma das maiores fabricantes mundiais de dutos, caíram mais de 30% desde o fim de outubro. Os preços dos títulos andam na direção oposta aos custos do empréstimo. 

    O Fundo Monetário Internacional e o Banco de Compensações Internacionais, duas das principais instituições financeiras do mundo, alertaram que uma turbulência cambial poderia levar à inadimplência de empresas e queda no preço de ativos ao redor do mundo.

    O recuo nos preços do açúcar está dificultando o pagamento das dívidas da produtora brasileira de açúcar Virgolino de Oliveira SA. A firma de classificação de riscos Fitch Ratings alertou, em dezembro, que a empresa poderá ficar inadimplente nos próximos meses em dívidas que incluem títulos em dólar. A empresa não respondeu a pedidos de comentário. 

    A Petroliam Nasional Bhd, petrolífera estatal da Malásia, informou em seu resultado do terceiro trimestre que a alta do dólar ante o ringgit, a moeda nacional, foi em parte culpada por uma queda na receita trimestral.

    Como cerca de 70% da dívida da empresa é em dólar, o rendimento dos seus títulos disparou à medida que o ringgit se desvalorizou cerca de 9% nos últimos seis meses. 

    Shweta Sing, economista sênior da empresa de pesquisa Lombard Street Research, espera que o dólar continue subindo diante do fortalecimento da economia americana e da contínua dificuldade dos mercados emergentes para alavancar o crescimento econômico. 

    Se os problemas se agravarem, eles poderão prejudicar os investidores que puseram dinheiro em países emergentes e que ainda mantêm esses investimentos. O boom da emissão de títulos foi alimentado por investidores que vasculharam o mundo em busca de retornos mais altos depois da crise financeira, incluindo títulos de dívida em dólar. Mas o total de investimentos estrangeiros em mercados emergentes cresceu tanto que seria difícil para esses investidores vender seus ativos sem derrubar ainda mais os mercados, dizem muitos analistas.

     

    (Colaborou Nicole Hong) 

    Fonte: Valor Econômico

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