Dólar supera R$ 4,00, mas pressão é limitada

    O dólar voltou a superar, ontem, a marca de R$ 4 visitada pela última vez em outubro. Mas mesmo uma alta dessa magnitude leva a moeda a acumular ganhos de pouco mais de 3% no mês, período de noticiário extensivamente negativo para o Brasil, que culminou com a saída de Joaquim Levy do Ministério da Fazenda. No ano, porém, a moeda americana acumula valorização de 51,27%

    Segundo profissionais, um conjunto de fatores explica o movimento recente mais brando. O principal deles, dizem operadores, é a ausência de saídas fortes de recursos tão tradicionais no fim do ano. Essas saídas costumam ocorrer principalmente na forma de remessas de lucros e dividendos. Mas com a economia em crise e as empresas com balanços mais apertados, os lucros minguaram.

    O Banco Central prevê uma queda de 36% no volume de remessas de lucros e dividendos neste ano em relação a 2014, com ingressos de US$ 20 bilhões, ante US$ 31,87 bilhões do ano passado. Entre janeiro e novembro, a queda já é de 35%, a US$ 16,831 bilhões.

    De acordo com o especialista em câmbio da ICAP Corretora, Italo Abucater, tudo indica que as remessas em dezembro vão sofrer queda importante.

    “A questão é que se menos dinheiro sai em dezembro, menos dinheiro vai retornar no começo do ano”, diz o especialista.

    Outro ponto citado por especialistas para o desempenho mais benigno do dólar é o posicionamento dos investidores, que já estavam mais negativos com Brasil mesmo antes dos rebaixamentos da Standard & Poor´s e da Fitch. As duas agências cortaram a nota de crédito soberano do Brasil a grau especulativo, o que poderia ser um gatilho para vendas maciças de dívida brasileira por parte de fundos estrangeiros.

    Essa avaliação é compartilhada por dois gigantes do mercado global de câmbio: Barclays e Bank of America Merrill Lynch. Os dois bancos, que respondem por 14,3% do volume transacionado de câmbio no mundo, preveem volumes relativamente modestos de saídas de capital do Brasil após os rebaixamentos e também enxergam espaço adicional limitado para novo estresse se Moody´s seguir suas concorrentes e também colocar o Brasil em grau especulativo.

    O BofA estima que entre US$ 500 milhões e US$ 1 bilhão em ativos soberanos brasileiros que podem sofrer “vendas forçadas” por fundos passivos. O Barclays calcula US$ 1,6 bilhão.

    “Acreditamos que investidores ´high yield´ estão com ampla posição ´underweight´ [abaixo da média do mercado] em Brasil”, diz o Barclays.

    Ao mesmo tempo que há expectativa de saída forte de recursos no curto prazo, o mercado aguarda entradas relevantes de capital oriundas da venda de 29 usinas hidrelétricas em leilão realizado pelo governo no fim de novembro. Foram arrecadados R$ 17 bilhões (US$ 4,2 bilhões à cotação de ontem) e, a percepção é que esse dinheiro ainda não ingressou integralmente no país. Além disso, o fôlego reduzido do dólar nos últimos dias também tem sido atribuído a ingressos efetivos de recursos, segundo profissionais, da venda da operadora de hospitais Rede D´Or pelo BTG Pactual por R$ 2,38 bilhões (US$ 611 milhões).

    Tomando como base os números das contas externas de novembro, divulgados ontem, especialistas já vislumbram a possibilidade de um câmbio menos pressionado em 2016, já que uma parte importante do ajuste nas transações correntes já está em curso.

    “Com o ajuste em curso é possível dizer que talvez o câmbio precise de uma depreciação menor para que o saldo das transações correntes se aproxime do equilíbrio”, diz o economista-chefe da Icap Brasil, Juliano Ferreira.

    No entanto, Ferreira avalia que, considerando a taxa de câmbio efetiva capaz de zerar o déficit em transações correntes, o real teria de se desvalorizar mais 20% em termos nominais entre dezembro deste ano e 2016 para que o déficit zero fosse alcançado em 2017.

    O economista ressalva, no entanto, que o debate sobre o nível de equilíbrio para o déficit em transações correntes é inconclusivo. Ele prevê que o déficit em conta corrente fique entre 3% e 3,5% do PIB em 2015 e caia a 2,2% em 2016. Em 12 meses até novembro, o déficit está em 3,7% do PIB, segundo dados do BC.

    Para a Tendências Consultoria, o déficit em conta corrente deve cair a US$ 44,1 bilhões em 2016, ante saldo negativo entre US$ 63 e US$ 64 bilhões neste ano. As remessas de lucros e dividendos devem recuar a US$ 21,5 bilhões em 2016, ante estimativa de US$ 22,5 bilhões neste ano. Em outro ponto positivo para o câmbio, os investimentos em carteira podem aumentar a US$ 18 bilhões no próximo ano, ante prognóstico de US$ 11,9 bilhões em 2015.

    Para a economista responsável pela cobertura de contas externas, economia internacional e mercados da Tendências, Gabriela Szini, ainda é cedo para se identificar tendências claras na composição do déficit em transações correntes. Mas, isolando-se o efeito das contas externas sobre o câmbio, é possível esperar uma necessidade menor de depreciação cambial em 2016 para dar continuidade ao ajuste da conta corrente.

    Gabriela chama atenção para o fato de, pela primeira vez em meses, a conta de rendas primárias – que inclui as remessas de lucros e dividendos e despesas com pagamentos de investimentos em carteira – ter tido mais importância na melhora do déficit em transações correntes do que a queda nos gastos com serviços.

    “Ainda é cedo para dizer se isso é tendência ou não, mas caso ela se confirme poderemos ter um ajuste nas contas externas ainda mais forte que o previsto”, diz. “E isso por ora não parece embutido no câmbio.”

    Os investimentos estrangeiros em carteira tiveram ingresso líquido de US$ 6,243 bilhões em novembro. Segundo Gabriela, o fluxo expressivo pode estar ligado aos juros elevados. “Não é dinheiro estrutural, mas que busca ganhar com oscilações de curto prazo”.

     

    Fonte: Valor Econômico

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