Duelo entre aliados determina rumos do ajuste

    O deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ) é um dos principais aliados do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, na Casa. Foi feito líder do PMDB a despeito de evidências de fortalecimento em excesso da bancada fluminense no partido. 

    Picciani recebeu de Cunha uma das missões mais importantes na queda de braço do Congresso com o governo, a relatoria do projeto de lei que reduz as desonerações sobre a folha de pagamentos das empresas. 

    É um cargo que coloca o aliado de Cunha em contato direto com as empresas beneficiadas pela medida considerada por diversos economistas como uma das principais culpadas pelo aumento de gastos do governo. 

    Sempre que o governo desonera um setor da economia da folha de pagamentos, abre-se um rombo na Previdência que tem que ser coberto pelo Tesouro. Em 2013 esse rombo foi de R$ 9 bilhões. No ano passado o gasto dobrou. 

    Quando o PT manobrou para alterar o fator previdenciário como condição para aprovar a MP 664, agiu pressionado por suas bases sindicais e pelo medo do que lhe dirão as urnas já em 2016. 

    A queda de braço entre PT e PMDB no Congresso em torno das medidas que comprometem o ajuste fiscal do governo tem como pano de fundo as pressões que chegam ao Congresso e os dutos que as canalizam. 

    A mudança no fator aumentou a pressão sobre a Previdência, mas sua aprovação, somada à mitigação no ajuste do seguro desemprego, no auxílio-doença e nas pensões por morte deixaram claro que o embate é em torno de quem deve pagar a conta num momento em que o Tesouro anuncia que cansou de bancá-la. 

    Os pemedebistas tentam mitigar a conta que o governo quer voltar a dividir com as empresas enquanto o PT lembra das duas letras que formam a sigla do partido, tantas vezes esquecidas quanto foi conveniente aos seus 12 anos no poder. 

    A amnésia seletiva do partido inclui, por exemplo, o voto contrário à medida que impunha maior transparência às condições em que os empréstimos do BNDES – miolo do rombo fiscal – são concedidos. 

    Foi sob as atuais regras de sigilo que o JBS tornou-se beneficiário primeiro da generosidade do Banco. O grupo não para de crescer nas asas de um partido que voa cada vez mais baixo. A partir dos acordos firmados na visita do primeiro-ministro chinês, o grupo que tem no ex-presidente do Banco CENTRAL Henrique Meirelles um de seus principais executivos, caíram as restrições às suas exportações para o principal mercado do mundo. 

    Ao avalizar que as operações do BNDES permaneçam sigilosas o PT, ao mesmo tempo em que joga para a plateia nas MPs do ajuste, cuida da bilheteria do espetáculo. 

    O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que trafega na linha de tiro dos dois partidos, viu na semana em que se anunciaram os cortes do orçamento tanto o PT quanto o PMDB reforçarem suas posições nas baterias que dirigem contra o ajuste. Hoje reconheceu os canhões que tem voltados contra si: “A Previdência Social e o projeto de desoneração são temas indispensáveis.” 

    O PMDB anunciou que pretende não apenas mitigar a redução das desonerações como escaloná-la até 2017, à beira dos novos pactos que a política e os agentes econômicos firmarão com vistas à sucessão presidencial. 

    O PT, que havia provocado dissabores ao Planalto na votação das medidas provisórias, voltou a buscar aproximação com a presidente Dilma Rousseff. No mesmo dia em que o diretório paulista, leia-se lulista, do partido divulgava manifesto anunciando que a agenda do governo não pode paralisar o PT, a presidente e seu antecessor se reuniram na presença do chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e na ausência do novo articulador político do governo, Michel Temer. 

    O ministro da Casa Civil não pode ser considerado um guardião da unidade partidária, mas, ontem, foi escolhido como seu porta-voz. Ao anunciar a reversão das desonerações como prioridade do governo, tomou lado na disputa que seu partido trava com o PMDB. 

    Não se pode apostar todas as fichas na sobrevida desta unidade, mas a missão de Mercadante, além de útil ao partido, serve a seus objetivos pessoais de voltar a competir com o vice-presidente na articulação política do governo. 

    Resta saber agora se o PMDB de Eduardo Cunha e Renan Calheiros imitará o PT na demonstração de disciplina interna e fará de Michel Temer o porta-voz de suas posições na guerra do ajuste que tem, esta semana, decisiva batalha. 

    Ainda não é possível atestar que Dilma tenha se tornado refém da guerra de poder dos dois partidos, mas sabe-se que o ministro da Fazenda trafega por este tiroteio entre os dois partidos desde que tomou posse porque esteve (quase sempre) blindado pela presidente. É a permanência dessa blindagem que o manterá a salvo das balas, nunca perdidas.

     

    Fonte: Valor Econômico

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