DEBATE GANHA FORÇA COM POSSIBILIDADE DE O GOVERNO DEFINIR UM ROMBO MAIOR PARA 2017
Autor: Adriana Fernandes / BRASÍLIA
A possibilidade concreta de uma alteração na meta fiscal deste ano, que prevê um rombo de até R$ 139 bilhões, esquentou o debate sobre a eficácia dessa referência na condução do controle de gastos públicos.
Uma corrente de economistas defende que não faz sentido manter a meta de resultado primário (que leva em consideração as receitas e despesas do governo sem considerar os gastos com Juros da dívida) porque atualmente também está em vigor a regra que colocou um teto para o crescimento das despesas públicas.
Para este ano, a meta fiscal estabelece que as despesas do governo podem superar as receitas, sem contar o pagamento dos Juros, em R$ 139 bilhões. É essa meta que provavelmente o governo vai ter de modificar porque houve frustração de receitas. Ao mesmo tempo, o teto de gastos estabelece que as despesas deste ano podem ser até 7,2% superiores às do ano passado, o equivalente a R$ 1,33 trilhão.
No governo, a avaliação é de que não seria producente abrir um debate sobre o modelo de gestão fiscal enquanto se luta para garantir confiança na direção de uma trajetória de sustentabilidade da dívida pública nos próximos anos.
Segundo um integrante da equipe econômica, o governo vai cumprir o manual e “não fazer nada que possa levantar poeira”. A fonte destacou que essa é uma discussão acadêmica e não administrativa. Na área técnica do governo, porém, a percepção é de que esse debate vai ganhar força no início de 2019, quando se espera ser necessário repactuar as regras do teto de gastos, se as reformas não avançarem até lá, principalmente a da Previdência.
Em artigo publicado no jornal Valor Econõmico, o ex-presidente do Banco Central Francisco Lopes afirma que não faz sentido a discussão sobre “rombo fiscal” porque a meta fiscal agora é o total dos gastos públicos. “O que tem impacto negativo sobre as expectativas não é o eventual rombo na estimativa do resultado primário: é a demonstração de insegurança com o novo regime fiscal”, destaca Lopes.
O fim da meta fiscal com base no resultado primário (receitas menos despesas, sem a contabilização dos gastos com o pagamento dos Juros da dívida pública) é defendido pelo ex-mimstro da Fazenda Nelson Barbosa que, no cargo, conviveu com o problema de ter de a mudar a meta (ler mais abaixo).
Mudança da Meta. O artigo de Lopes repercutiu entre economistas de dentro e fora do governo justamente no momento de intenso debate sobre o impacto para a credibilidade da equipe econômica, sob o comando do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, de fazer uma revisão dameta,depoisdeterconsegui-do a aprovação da emenda constitucional do teto do gasto.
Meirelles e o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, estão avaliando a possibilidade de mudança na meta e estão juntos na avaliação de que, se for necessária, a revisão tem de ser feita até o fim do mês de agosto, quando o governo terá de enviar ao Congresso a proposta de Orçamento de 2018.
Os dois concordam que o novo valor não poderá superar o resultado do ano passado, quando as contas do governo federal registraram Déficit de R$ 159,5 bilhões.
A ala política, principalmente o senador Romero Jucá (PMDB-RR), defende meta um pouco maior para evitar risco. Mas, ao contrário de anos anteriores, quando a ala política pressionou a mudança, o debate sobre a revisão da meta dessa vez partiu da própria área econômica.
ENTREVISTA
Nelson Barbosa, economista
‘Passou do momento de mudar a regra fiscal’
Ex-ministro da Fazenda do governo Dilma Rousseff, o economista Nelson Barbosa avalia que a meta fiscal que considera as despesas e receitas sem contar o pagamento dos Juros da dívida não funciona mais. Para ele, é preciso mudar a âncora fiscal para uma meta simples que leve em conta apenas as despesas públicas. O debate em tomo da importância da meta cresceu entre os economistas depois que o governo admitiu que poderá rever a meta fiscal deste ano, que prevê rombo de até R$ 139 bilhões.
Mais uma vez o governo corre atrás da meta e deve alterá-la. Náo é uma corrida Inglória?
Passou do momento de o Brasil mudar sua regra fiscal. Não é simplesmente um problema de mudar o valor da meta Devemos evoluir de uma meta de resultado para uma meta de gasto. O governo, como qualquer agente econômico, tem muito mais controle sobre o que gasta do que sobre o que recebe. O principal motivo de descumprimento da meta deste ano, o que é muito provável, é a frustração de receita Não é excesso de gasto. O governo, na verdade, está abaixo do gasto que ele mesmo propôs.
O que fazer?
Foi um erro colocar uma meta fiscal muito ambiciosa O momento atual em relação à política fiscal é parecido com o que vivemos em relação à política cambial em 1998/1999, quando o receio das pessoas era saber, caso o Câmbio fixo fosse abandonado, o que iria controlar a inflação. Aí foi criada outra âncora: o sistema de metas de inflação. O Câmbio depreciou, a inflação subiu, mas o sistema funcionou e trouxe ela para baixo. Agora, já está claro que a meta de resultado primário não funciona. O sistema de meta fiscal toma a política pró-cíclica e faz com que o governo, quando tem frustração de receita, tenha de correr atrás de receitas extraordinárias ou fazer um corte forte em despesa essencial.
Qual a saída, então, já que o sr. como ministro viveu o mesmo problema?
Tem de substituir a meta de resultado primário por outra âncora, uma meta de gasto. O que vai garantir a solvência do governo serão as reformas estruturais para controlar o gasto no longo prazo. Essa é a transição que terá de ser feita.
Por que o quadro é pareddo com a mudança do Câmbio?
As pessoas ficaram com medo de abandonar o Câmbio fixo porque isso poderia trazer a inflação de volta. Só que chegou uma hora em que era o Câmbio fixo ou o País. Foi-se o Câmbio fixo. Agora, temos uma meta fiscal irrealista e uma regra que nào faz sentido. Ou vamos manter um “austericídio” ou vamos preservar o País.
Esse limite é mais simples do que o teto de gasto que o sr. propôs quando esteve no ministério?
Sim. E mudar na LRF. A meta de gasto seria o próprio teto. O limite é aquele. O resultado primário se toma variável e o gasto se toma fixo. / A.F.
Fonte: O Estado de S. Paulo