Começar a falar sobre dinheiro para uma turma de pré-escola foi um desafio para a professora Lina Nascimento, que dá aula para 25 crianças do jardim de infância na pequena cidade de Vila do Bispo, no sul de Portugal. Para manter os alunos de 3 a 6 anos motivados a aprender sobre o assunto, ela teve de criar uma linguagem lúdica e compatível com as capacidades cognitivas da turma.
No início de cada ano letivo, Lina, as crianças e seus pais definem um sonho a ser conquistado. A partir daí, o grupo todo deve pensar em formas de arrecadar dinheiro e poupá-lo para que esse sonho se torne realidade. Para materializar a missão, Lina distribui a cada criança três cofrinhos, que representam os alicerces da educação financeira: doação, Poupança e investimento.
‘Achei que seria difícil de eles entenderem o cofre do investimento, mas me surpreendi. Na hora de explicar, peço para pensarem nos ingredientes de um bolo: vocês pagarão pelos ingredientes um preço menor do que aquele que venderão o bolo. É assim que eles entram em contato com a ‘magia’ da multiplicação do dinheiro’, diz Lina.
A professora portuguesa faz parte de um novo movimento de especialistas que tentam introduzir o universo das finanças para crianças logo em seus primeiros anos de vida. Segundo estudiosos, o esforço vale a pena, já que é na primeira infância que elas
estão mais propensas a absorver essas informações.
No primeiro ano de vida do projeto de Lina, o dinheiro que a turma arrecadou com a venda de bolos em mercados da cidade virou uma viagem a Lisboa, onde as crianças conheceram o Oceanário e participaram da atividade de dormir com tubarões. Esse foi o ponto de partida para mirar mais alto nos anos seguintes: andar pela primeira vez de avião e brincar de reis e rainhas no Palácio de Queluz foram desejos que também se tornaram realidade.
Pais. Na avaliação da educadora Cassia D’Aquino, no entanto, para além do esforço da escola, é dentro de casa que se define o processo de aprendizagem dos pequenos poupadores. ‘A criança tende a repetir o que observou dos pais, por isso, eles devem ter muita atenção ao que dizem e ao que fazem em relação ao dinheiro de casa’, afirma Cássia.
Foi assim com o economista Alexandre Cabral. Pai das gêmeas Mariana e Júlia, de 4 anos, ele notou que a dupla passou a ter noção de que o dinheiro serve para comprar itens recentemente. Para conscientizá-las sobre finanças, criou um cofre. ‘Colocamos as moedas num recipiente de vidro, então mesmo sem ter ideia de valor, elas observam o volume aumentando. Agora, quando querem algo, perguntam se o cofrinho delas já é capaz de comprar aquilo’, conta.
O professor de Finanças da Fecap, Joelson Sampaio, acredita que medidas assim são essenciais na vida de uma criança. ‘Isso cria uma noção de consciência financeira e de responsabilidade, sabendo o que é orçamento, investimento, restrição. E, principalmente, que o dinheiro é fruto de trabalho e precisa ser administrado’, avalia.
Lição começa em casa
Na avaliação do professor de Finanças da Fecap, Joelson Sampaio, o Brasil ainda precisa evoluir na educação financeira para crianças, apesar de vivermos um momento melhor. “Educar os pequenos tem impacto direto na vida adulta, mas é preciso trabalhar isso tanto nas escolas quanto em casa. Nem todos os pais tem essa noção e exemplo a oferecer”, afirma.
Ele cita países como Japão, Reino Unido, Noruega e Alemanha como exemplos na conscientização de que é preciso saber administrar as finanças desde cedo. “Nesses países, as crianças aprendem desde a escola noções de valor, Poupança, orçamento. Faz parte da rotina.”
Por aqui, a crise econômica deve ser responsável pelo aumento da noção de que algumas lições devem ser aprendidas cedo. “Momentos assim acabam deixando esse ensinamento, passado aos filhos.”
Fonte: O Estado de S. Paulo