Efeito Lula: dólar vai a R$ 3,76 e bolsa desaba

    Notícia sobre a nomeação do ex-presidente para o ministério faz a moeda norte-americana ter a maior alta desde 13 de outubro e acarreta perdas no mercado acionário. Analistas temem expansão de gastos, adiamento de reformas e impeachment mais difícil

    A possibilidade de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fazer parte do ministério e controlar a política econômica do governo Dilma Roussef acelerou ontem as perdas do mercado financeiro. A Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa) despencou 3,56%, para 47.130 pontos. O dólar subiu 3,03%, fechando a R$ 3,763 para a venda, na maior alta diária desde 13 de outubro. Em apenas dois dias, a moeda norte-americana subiu 4,79%, tirando poder de compra do real. Na semana passada, acumulava no mês queda de 10,3%.

    Os rumores de que Lula pode substituir Ricardo Berzoini na Secretaria de Governo, ou Jaques Wagner na Casa Civil, com poderes ampliados, fizeram a bolsa paulista ter o pior pregão desde 2 de fevereiro. Nem mesmo a homologação da delação premiada do senador Delcídio do Amaral pelo Supremo Tribunal Federal e a acusação de que o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, tentou calar o delator – dois movimentos contra o governo, que animariam os investidores – conseguiram acalmar o mercado.

    Para Ricardo Kim, analista da XP Investimentos, desde o início da manhã, o movimento do pregão refletiu as especulações de que Lula iria para o ministério. “A delação e o Mercadante só serviram para dar mais incerteza e volatilidade”, explicou. O especialista pontuou que, com Lula no governo, fica mais difícil emplacar o processo de impeachment. “Além disso, o ex-presidente já indicou que sua política econômica seria mais expansionista e que as discussões sobre reformas estruturais ficariam de lado”, destacou Kim.

    Na opinião de Roberto Indech, analista da corretora Rico, o efeito Lula foi dominante no mercado sobretudo porque há a certeza de que ele não assumirá uma posição de figurante no governo. “Ele será o protagonista e isso traz mais incerteza sobre a economia”, ressaltou. Indech lembrou que a Bolsa também sofreu impacto da queda das commodities no mercado internacional. “Minério e petróleo recuaram. Isso afetou os papéis mais negociados do Ibovespa”, disse, referindo-se aos ativos da Petrobras. As ações ordinárias da estatal caíram 6,60% e as preferenciais, 10,68%.

    O noticiário político teve impacto também nas negociações de títulos de empresas brasileiras no exterior. Entre os principais American Depositary Receipts (ADRs), papéis que representam ações de companhias nacionais, listados na Bolsa de Valores de Nova York, os da Petrobras baixaram 8,24% e os da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) despencaram 16,16%. Também tiveram perdas significativas Gol (-13,76%), JBS (-8,98%), Bradesco (-8,41%), Eletrobras (-11,92%) e Gerdau (-11,89%).

    No câmbio, a alta do dólar levou a moeda ao entorno de seu preço técnico, de R$ 3,75, na avaliação do presidente da FB Capital, Fernando Bergallo. “Qualquer coisa abaixo de R$ 3,70 é uma forte especulação de que as coisas vão melhorar, pois não há fundamentos para isso. A economia está no mesmo patamar de meados de janeiro, quando o dólar valia R$ 4,16”, afirmou. Cotações acima de R$ 3,80, para Bergallo, também são uma aposta de que haverá forte agravamento da recessão.

    O economista Fernando Barroso, responsável pela mesa de produtos estruturados da CM Capital Markets, ressaltou que a presença de Lula no ministério já é dada como certa pelo mercado e resultou na forte alta do dólar frente ao real ontem. “A interpretação é de que isso levará ao prolongamento da agonia do governo, ainda que o impeachment venha”, disse. Ele destacou que a cotação dos Credit Default Swap (CDS), principal referência para o risco Brasil, subiu 8,23% ontem, para 423 pontos.

    Câmbio

    Para o economista-sênior do banco Haitong, Flávio Serrano, “pelo menos 85%” do movimento do mercado de câmbio foi devido ao cenário doméstico. “Ainda que a delação do senador Delcídio do Amaral enfraqueça o governo, a interpretação é de que o quadro está conturbado, sem definição do que acontecerá nem quando.”

    Do campo externo, a influência veio do aumento das perspectivas negativas para a economia mundial, o que derrubou bolsas de valores em todo o mundo. Hoje, haverá reunião do Fed (Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos). Se a instituição não indicar adiamento da elevação de juros, o dólar poderá se valorizar ainda mais diante do real.

    Bergallo, da FB Capital, suspeita de atuação de especuladores nos últimos dias: quando as notícias políticas favorecem a queda, como ocorreu na semana passada, alguém entra vendendo um grande lote da moeda norte-americana, levando a cotação mais fortemente para baixo. “Quando o dólar cai muito, eles aproveitam para comprar”, explicou.

    Segundo o presidente da FB Capital, só quem tem escala para influenciar as cotações hoje são os operadores de grandes bancos. “Há alguns anos, uma operação de US$ 50 milhões influenciava a cotação. Hoje, é preciso de algo em torno de US$ 300 milhões”, disse.

    BTG atingido

    As ações do BTG Pactual recuaram 3,39% no pregão de ontem da Bolsa de Valores de São Paulo. Os investidores começaram a se desfazer dos papéis depois da divulgação de que, na delação premiada, o senador Delcídio do Amaral afirmou que André Esteves, ex-controlador do BTG Pactual, teria interlocução frequente com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e o senador Romero Jucá. Segundo Delcídio,

    Esteves é um dos principais mantenedores do Instituto Lula e se reuniu com o ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy para tratar da Medida Provisória 668, que aumentou alíquotas de PIS e Cofins.

    Tombo financeiro

    A possibilidade de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumir um ministério e interferir na condução da política econômica afetou o mercado e derrubou, sobretudo, ativos do sistema financeiro. Os papéis do Banco do Brasil, que vinham sendo bastante beneficiados pelo rali do impeachment, desabaram ontem e fecharam o pregão com a maior queda do dia, de 20,54%, cotados em R$ 17,64. 

    As instituições financeira privadas também sentiram o baque. Os ativos do Itaú Unibanco caíram 4,25%; os do Bradesco recuaram 5,41%; os do Santander registraram queda de 2,82%; e a performance de Itaúsa foi de -5,07%. 

    Na opinião de Paulo Gomes, economista-chefe e estrategista da Azimut Brasil Wealth Management, a preocupação é de que o ex-presidente adote uma política ainda mais expansionista, com injeção de recursos, em um momento de vacas magras. “Lula tem dito que o governo precisa estimular mais o crédito. As medidas preocupam o mercado, que esperava por mudanças, mas para um cenário de mais austeridade fiscal, portanto o contrário do que o ex-presidente vem defendendo”, afirmou. 

    O especialista lembra que o Lula adotou a política mais expansionista no seu governo, porém o cenário era outro, em um período de receita em alta e petróleo acima dos US$ 100. “As commodities agora estão em queda. O desemprego está aumentando e o risco de inadimplência é maior. É hora de cortar gastos, e não o contrário”, assinalou. 

    Para Álvaro Bandeira, economista-chefe do Home Broker Modalmais, Lula não esconde que não gosta das vertentes exploradas pelos ministros da Fazenda de Dilma Rousseff, anteriormente Joaquim Levy e, agora, Nelson Barbosa, e deve querer dar melhor performance nas eleições municipais para seu partido e base de apoio, condição importante para as eleições majoritárias de 2018. “Assim, a distensão fiscal estaria nos planos e desequilibraria ainda mais o país”, afirmou.(SK)

    Análise da notícia

    Dilmômetro é novo indicador 

    À cotação do dólar frente ao real, ao risco Brasil e ao Ibovespa pode ser acrescentado um novo indicador de mercado: o dilmômetro. Teria alta correlação positiva com os dos primeiros e negativa com o terceiro. 

    O princípio já funciona na prática. Quanto mais dias o mercado espera que vá durar o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, mais alto ficam o dólar e o risco Brasil, e mais baixo Ibovespa. A expectativa tem se alterado a cada minuto diante das notícias. 

    A interpretação dos analistas de mercado é clara. Com Dilma, há pouca vontade – e capacidade política ainda menor – para fazer o que o país precisa se quiser voltar a crescer: controlar os gastos públicos a curto prazo, impedindo a explosão da dívida pública, e promovendo reformas que indiquem a sustentabilidade a longo prazo, principalmente a da Previdência. 

    A tendência de Luiz Inácio Lula da Silva assumir um ministério elevou o dilmômetro. Afinal, mesmo sem garantir que a presidente fique no cargo até o fim de 2018, deve, no mínimo, prolongar a agonia do governo. 

    Há um agravante. A vontade de promover o ajuste fiscal e a reforma da Previdência tende a diminuir com Lula por perto. Nos últimos dias, falou-se até em sacar as reservas internacionais para abater dívidas, proposta que adicionou mau humor aos mercados. São poucas as chances de essa sandice se concretizar, pois aumentaria ainda mais a vulnerabilidade do país. Caso a ideia seja levada a cabo, o dólar pode ir às alturas, levando junto a inflação. Mas, quem sabe, o dilmômetro acabará despencando pouco depois disso.

     

    Fonte: Correio Braziliense

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