Em busca do juro perdido

    Por Beatriz Cutait | De São Paulo

    O ano de 2013 foi um teste de nervos para investidores de títulos públicos. Com uma magnitude na elevação da taxa Selic não prevista no início do ano passado, em um processo que já levou os juros básicos a subirem de 7,25% para 10,50% ao ano, o mercado viu os prêmios dos papéis, principalmente os atrelados à inflação, saltarem. Com a variação das taxas inversamente proporcional aos patamares de preços, o estrago para quem já tinha os títulos em carteira não foi pequeno.

    Encerrado um período de readaptação dos investidores a juros de volta aos níveis mais altos e de inflação ascendente, gestores veem menores chances de surpresas no horizonte e apontam oportunidades a serem garimpadas. Não é que o espaço para as taxas aumentar se esgotou, mas o mercado considera estar mais bem preparado para esse novo (velho) cenário.

    De olho nos prêmios mais gordos, a recomendação recai principalmente sobre os títulos prefixados e as notas atreladas à inflação, como as NTN-Bs. Os gestores, contudo, não estão tão propensos a abrir mão da segurança e, mesmo com os retornos mais promissores dos vencimentos mais longos, a indicação se volta aos prazos médios, entre 2016 e 2020.

    Em 2013, a demanda pelos títulos ficou praticamente estável. Conforme o balanço do Tesouro Direto, programa de venda de títulos públicos a pessoas físicas, o volume vendido atingiu R$ 3,678 bilhões, leve alta de 0,5% sobre 2012. Mas o gerente de Relacionamento Institucional do Tesouro Direto, André Proite, chamou atenção para os dados de dezembro, que destoaram da série histórica.

    No mês passado, o montante vendido alcançou R$ 413,8 milhões, valor 31,8% superior ao de novembro e 101,7 % maior que dezembro de 2012. Foi o melhor resultado para o mês e o quarto melhor na série histórica. Segundo o gerente, é o mês de janeiro que costuma ter vendas fortes, tanto por conta dos vencimentos – todos os prefixados vencem dia 1º – quanto por conta do recebimento do 13º salário. “Em dezembro, as taxas subiram bem e [o Tesouro Direto] ganhou atratividade.”

    Ao fim de 2013, o estoque de títulos do Tesouro Direto alcançou R$ 11,4 bilhões, valor 19% superior ao de 2012. Apesar da expansão, o número não se compara aos R$ 2,4 trilhões investidos na indústria de fundos e ao patrimônio de R$ 598 bilhões da poupança ao fim do ano passado.

    A despeito da expansão da base, a rentabilidade dos títulos deixou muito a desejar. Dos papéis disponíveis para compra ao fim do ano, apenas dois apresentaram rentabilidade positiva. E com retorno bruto de 8,11%, somente a LFT (que segue a variação da Selic) com vencimento em 2017 conseguiu superar – e por pouco – o CDI, com variação de 8,06%. Nessa lista, o papel mais prejudicado foi a NTN-B Principal de 2035, com queda de 33%.

    O movimento deixa o atual nível de retorno dos títulos em maior evidência. As NTN-Bs estão pagando juro real acima de 6,5% – nas mais longas, a taxa supera 6,7%.

    O estrategista da Fator Corretora, Paulo Gala, diz acreditar na maior normalidade do mercado de juros neste ano, após 2013 ter apresentado uma reversão brusca do cenário de queda das taxas. “Houve uma convergência em 2012, com a expectativa de juros reais e nominais para patamares civilizados. Entramos 2013 com um clima de que os juros reais eram baixos e ninguém imaginava que haveria uma reversão tão violenta de todo cenário”, diz Gala. “Para 2014, essa mudança não está no horizonte. Nem para melhor nem para pior.”

    Para o estrategista, nada impede o juro longo de alcançar 14%, mas o movimento não ocorreria de forma violenta. “2012 foi um ano em que o juro derreteu, em 2013 explodiu e, por isso, já está todo mundo calibrado com o cenário ruim”, afirma.

    E qual a indicação para o investidor pessoa física suportar possíveis oscilações dos prêmios? Carregar os títulos até o vencimento, dizem em coro os gestores.

    Na lista de papéis mais atrativos, Gala cita as prefixadas NTN-Fs com prazos de 2021 e 2023, essa última pagando taxa de 13,05% ontem no sistema do Tesouro Direto (o título de 2021 não está disponível).

    O diretor de investimentos da SulAmérica, Marcelo Saddi, considera ainda os prêmios das LTNs e NTN-Fs com vencimento em 2017 atrativos. E as NTN-Bs também estão no radar, por garantirem proteção ao investidor, caso a inflação suba mais. “É hora de aproveitar os títulos, mas de forma gradativa, não de uma vez”, recomenda.

    Para Saddi, papéis com prazos até cinco anos são os mais indicados, mas, mesmo se não puder esperar esse vencimento, vale ao aplicador comprar os títulos. “No curto prazo, o risco é o Banco Central subir os juros mais que o esperado. O investidor poderá fazer uma aplicação menos rentável que o CDI, mas não será ruim”, afirma.

    Considerando o forte movimento dos juros em 2013, o diretor espera um mercado menos instável ao longo de 2014. “É inegável que o ano começa com taxas mais em linha com a realidade.”

    Além de monitorar a trajetória da inflação, o mercado acompanha de perto a extensão do aumento da Selic. Segundo o Boletim Focus, os analistas esperam que os juros básicos subam para 10,75% ao ano ao fim de 2014 e para 11,50% até dezembro de 2015.

    E há outros riscos no horizonte. “Se houver uma deterioração ainda mais violenta do lado fiscal e um rebaixamento da nota do Brasil, poderemos ter uma desvalorização cambial mais intensa e os investidores reagindo com a venda de títulos, até porque estrangeiros têm uma grande participação na dívida pública”, diz Gala, da Fator. “O mercado já colocou no preço, mas o cenário de risco é o mesmo.”

    O gestor da G5 Michael Gagliardi ressalta que a própria abertura das taxas em 2013 sinalizou para um cenário de mais riscos. “Temos um ano desafiador e, justamente por isso, você tem oportunidades.”

    Esse ambiente, diz Gagliardi, contempla não só o processo de elevação da Selic, mas também de inflação crescente e baixo crescimento. No exterior, o ritmo da retirada de estímulos pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano) também pode ter mais reflexos sobre o mercado brasileiro.

    A relação risco/retorno, contudo, justifica o maior apetite do investidor. “Apesar de estarmos num cenário que se deteriorou, estamos começando a chegar em níveis de juros reais interessantes”, afirma. “É hora de aproveitar com parcimônia. O prudente é se posicionar de forma gradual, não montar uma posição inteira de uma vez.”

    A própria gestora de patrimônio, que vinha de uma posição mais conservadora, começa a se colocar de forma mais incisiva em títulos prefixados e atrelados à inflação. A demanda está mais voltada aos com prazo de 2018 a 2020, o que, no Tesouro Direto, compreende a NTN-B de 2020, com taxa de 6,55%, e a NTN-B Principal de 2019, com prêmio de 6,51%.

    Ainda que também olhe para os prefixados, são os títulos indexados ao IPCA com vencimentos entre 2016 e 2018 que ganham destaque na avaliação de Rogério Braga, gestor de renda fixa da Quantitas. “Este é um ano para permanecer no pós-fixado, porque o cenário de incertezas com inflação, com o ritmo de retirada de estímulos pelo Fed, com eleições no Brasil e com o lado fiscal permanece.”

    E para os investidores com maior apetite a risco e em busca de alocações mais longas, Braga aponta para a NTN-B Principal com vencimento em 2035, que tinha ontem prêmio de 6,82%.

    O Itaú espera um ano melhor para a renda fixa, mas mostra cautela. Em relatório sobre as recomendações para 2014, a área de private bank aponta que o banco iniciou o ano com uma alocação menor em títulos com prazo mais longo, com a avaliação de que as oscilações de mercado vão abrir melhores oportunidades de investimento. Para os mais conservadores, o Itaú assinala que o foco recai sobre títulos pós-fixados, com níveis de preços atrativos sobretudo para os que não se preocupam com oscilações de curto prazo.

    No caso dos prefixados, a indicação se volta a prazos de até dois anos. O banco ressalta que o processo de elevação da Selic parece estar próximo ao fim e indica que os preços de mercado embutem uma perspectiva de alta ainda maior na Selic, acima de 13% durante o período da aplicação. “Assim, os investimentos prefixados de dois anos oferecem um prêmio em relação ao CDI que pode ser apropriado pelo investidor que se dispuser a esperar até o vencimento”, afirma o Itaú.

     

    Fonte: Valor Econômico

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