Enfim o cadastro positivo

    Por Roberto Luis Troster

    A entrada em vigor, este mês, da lei instituindo o uso de informações de crédito mostra que há lacunas a serem preenchidas. O incidente com o Supremo Tribunal Eleitoral (STE) sobre o repasse de 141 milhões de dados à Serasa é um exemplo, a negação do acesso desses mesmos arquivos à Polícia Federal é outro. Há mais indefinições e imprecisões.

    Na verdade o cadastro já opera há décadas no Brasil, birô de crédito é seu nome correto. Se bem estruturado contribui para uma oferta de crédito mais criteriosa, melhora a concorrência na oferta de financiamentos, gera economia no tratamento de informações e dá mais segurança para operações comerciais. Porém pode causar problemas sem apresentar os benefícios potenciais.

    É fato comprovado que em alguns países os birôs ajudaram a expandir a oferta de crédito a um custo mais baixo. Entretanto, não é algo que ocorre de maneira automática. No Brasil os dois, Serasa e Boa Vista, têm a capacidade técnica e a tecnologia necessárias. Mas, sem ajustes na regulamentação, a contribuição da nova lei será limitada e, em alguns casos, pode até haver efeitos perversos.

    Resumidamente, até o mês passado, os birôs processavam dados cadastrais de empresas e pessoas e vendiam seu conteúdo e três informações adicionais: o registro de pesquisas, uma probabilidade de inadimplência e a sugestão de um limite de crédito. Com a entrada em vigor da nova norma, e cumpridos alguns requisitos, começam a processar também o histórico financeiro dos cadastrados.

    O potencial econômico dos birôs é grande, são 131 milhões de CPFs e 8 milhões de CNPJs responsáveis por 273 milhões de relacionamentos bancários e um volume maior ainda de não bancários. Supondo que apenas um em cada dez relacionamentos seja consultado todos os meses, é razoável inferir que é um negócio bilionário, mas mais importante é seu impacto econômico, que é trilionário.

    A precisão na aferição do risco contribui para melhorar a qualidade do crédito e com isso gerar mais crescimento do país. Já erros de avaliação induzem ou a um endividamento excessivo ou a restrições na oferta de financiamentos. Portanto, a precisão das avaliações é fundamental.

    O sistema é sujeito a falhas. Na semana passada, o site Consultor Jurídico pesquisou no Serasa o limite de crédito sugerido de algumas personalidades. Os valores do birô foram R$ 2.101 para a presidente Dilma Rousseff, R$ 10.894 para seu antecessor, o ex-presidente Lula, e de apenas R$ 778 para o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. É possível melhorar a precisão divulgando as matrizes de transição e permitindo que outras empresas possam avaliar o risco de crédito.

    Cada instituição tem direito de atribuir o risco de crédito e cobrar o que considerar mais adequado, mas deveria haver uma aferição e divulgação da qualidade dos modelos de crédito. O nível de precisão é peça chave. Exigir a inclusão explícita do risco nos financiamentos ajudaria a aprimorar a alocação de recursos para quem empresta e ao tomador, a entender o resultado de sua avaliação.

    O conhecimento da nota e dos limites de crédito pelo usuário teria um papel importante no seu comportamento financeiro, incentivando-o a melhorar sua avaliação e a medir os progressos nessa direção. Teria o efeito de uma educação financeira aplicada com impactos positivos na adimplência. Haverá também mais interesse do tomador pela atualização de seus dados cadastrais e a retificação de erros.

    A velocidade de atualização é outra variável importante. Há um incentivo para que uma instituição credora demore a passar a informação ao cadastro e dessa forma faz com que concorrentes superestimem o endividamento. Atualmente, a central de riscos do Banco Central tem uma defasagem de dois meses, prejudicando a avaliação do devedor. Uma fixação de prazos curtos teria um impacto positivo.

    A lei menciona o cuidado com a divulgação de informações “excessivas” do consumidor, mas é uma questão em aberto. Na mesma matéria que fixou o limite para Fernando Henrique Cardoso, tornou-se público que ele foi consultado pela Tiffany na véspera do dia dos namorados. O incidente demonstra a necessidade de definir de maneira clara o que é informação privada e o que é pública, a padronização de cadastros e a segmentação dos acessos.

    Como são duas empresas apenas, alguns cuidados deveriam ser tomados para evitar um tratamento diferenciado de preços para usuários da informação. Como há um incentivo econômico a cobrar menos de quem usa mais o serviço em razão da escala, isso elevaria o custo das instituições menores em usar o sistema. Os preços para acesso pela pessoa física e a defesa de seus direitos de consumidor também devem ser objeto de preocupação.

    Os birôs também podem preencher uma lacuna. Como possuem dados sobre milhões de cidadãos e de empresas, possibilitam mapeamentos econômicos, financeiros e sociais que podem contribuir para o ajuste de políticas públicas e diagnósticos do país. Pode-se ambicionar mais, e abrir ao IBGE esses dados e outras bases como o TSE, Bolsa Família, Receita Federal e Polícia Federal; viabilizaria algumas análises de importância.

    É oportuno definições mais precisas sobre a supervisão dos birôs, a guarda de dados, a responsabilização por falhas, precisão das informações, a definição de prazos, o acesso, o uso, a divulgação e o sigilo. Há interesses difusos que devem ser protegidos. A conciliação entre os interesses privados e os públicos tem que ser analisada mais a fundo, regulada e fiscalizada. O birô é fundamental para comprar, vender, financiar e empregar e pode ser aprimorado com ajustes na regulação.

    Enfim, a lei tem problemas de legitimidade e pode ser melhorada. Os birôs, os bancos, o comércio, as entidades de defesa do consumidor, as empresas de cobrança, o Ministério Público, o IBGE e a academia devem aprofundar o tema e apontar definições que atendam aos interesses do país. É importante demais para ser deixado ao Deus dará.

    Roberto Luis Troster, da Troster e Associados, foi economista chefe da Febraban, da ABBC e do Banco Itamarati. robertotroster@uol.com.br

     

    Fonte: Valor Econômico

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