Entrevista: Paulo Lino Gonçalves, Presidente do Sinal

    O Banco Central desempenha funções vitais para a economia nacional: supervisiona a política monetária e cambial do país e assegura a estabilidade da moeda contribuindo para um sistema financeiro sólido e eficiente. Junto com a CVM e outros órgãos compõe o Núcleo Financeiro do serviço público. Seu quadro funcional, altamente qualificado, pode se extinguir, caso a Reforma Administrativa apresentada pelo Governo Federal seja levada à frente. Para tratar deste e de outros perigos representados pela PEC 32/2020, conversamos com Paulo Lino Gonçalves, presidente do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central, Sinal.


    Informativo SindCVM: Como os servidores que compõem as autarquias do Sistema Financeiro Nacional serão afetados por essa Reforma Administrativa na figura da PEC 32/2020, além das outras medidas que o governo vem planejando?

    Paulo Lino: Os servidores públicos de forma geral têm sido vítimas de uma campanha insidiosa na qual o governo insiste em desqualificá-los perante a sociedade, procurando vender a falsa imagem de que são privilegiados e  preguiçosos, ganham muito e não fazem nada, e, assim, justificar seguidos ataques à categoria, que, na realidade, acabam atingindo gravemente o Estado brasileiro. Basta recordar as atrocidades cometidas pela chamada reforma da Previdência, o congelamento dos salários até dezembro de 2021 e a PEC 188/19, em tramitação no Senado Federal, que entre várias medidas perniciosas, ameaça com redução de até 25% dos salários do funcionalismo, para termos a certeza de que, mais uma vez, os servidores serão duramente atingidos pela PEC 32/20. A total descaracterização do Regime Jurídico Único (RJU), que regula a relação dos servidores com a Administração Pública, os novos vínculos de trabalho, aumentando as possibilidades de apadrinhamentos políticos e econômicos no serviço público, o fim da estabilidade  e a fragilização das normas legais para a demissão de servidores são alguns dos exemplos de como o funcionalismo será, repito, mais uma vez vítima dessa Reforma, com os consequentes prejuízos para a qualidade dos serviços públicos entregues à população.


    Informativo SindCVM: Como o Sinal entende a proposta de diminuição dos cargos no Poder Executivo federal. As carreiras atuais poderão entrar em extinção?

    Paulo Lino: O aperfeiçoamento da gestão pública deve ser visto como um processo constante para dinamizar e criar condições para que um serviço público de melhor qualidade seja oferecido à sociedade. A diminuição dos cargos, feita de forma planejada, com objetivos justificados, critérios técnicos e dentro da legalidade,  aprovada pelas partes interessadas e pelo Poder Legislativo, em si, até poderia ser  uma medida adequada. Infelizmente, nada nos anima a acreditar que esse estado de normalidade possa ocorrer, já que a falta de critérios e, principalmente, de justificativas técnicas, que, quando solicitadas, são colocadas “em sigilo”, têm sido a marca registrada do governo.Ainda que não explicitado na PEC 32/20, todos os atuais cargos, exceto aqueles “exclusivos de Estado”, poderão ser considerados em extinção, causando grandes prejuízos aos servidores ativos, e também aos aposentados com paridade, com a possibilidade real de estagnação salarial, de promoções e  progressões.


    Informativo SindCVM: As carreiras do Núcleo Financeiro podem compor novas carreiras em outras esferas do governo? O Sinal tem alguma contraproposta em relação a esse debate para uma nova formatação das nossas carreiras?

    Paulo Lino: O Banco Central do Brasil (BC), a Comissão de Valores Mobiliários  (CVM), a Superintendência de Seguros Privados (Susep) e a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), órgãos que compõem o chamado Núcleo Financeiro, têm objetivos e funções bastante específicas, que requerem grande especialização e são, sem dúvida alguma, áreas de excelência do Estado brasileiro.Embora tenham algumas similaridades que as tornam um tanto quanto convergentes em suas atividades, como, por exemplo, em relação a um grupo comum de administrados, têm atribuições próprias que as distinguem e as tornam complementares em suas funções. O que se poderia pensar para o bem da sociedade, nosso principal objetivo, seria a integração dos trabalhos, com atividades fiscalizatórias interativas, de forma a alcançar resultados com uma maior amplitude.


    Informativo SindCVM: A proposta de PEC do governo acaba com o RJU (Regime Jurídico Único), estabelecendo diversas formas de contratação, algumas inclusive com dispensa de concurso público. Como essas contratações sem estabilidade poderão afetar a fiscalização e a regulação do Sistema Financeiro Nacional?

    Paulo Lino: Os prejuízos serão enormes e evidentes. Todas essas medidas contidas  na PEC 32/20 têm objetivo meramente fiscal e são voltadas para o mercado, não havendo uma única justificativa técnica que explicite como poderão melhorar a qualidade do serviço prestado pelo Estado à população brasileira, preocupação maior de qualquer governo que se preze. Os servidores públicos estáveis dedicam sua vida laboral ao Estado brasileiro, buscando sua capacitação profissional, quase sempre com recursos próprios, já que os investimentos públicos são ínfimos nesse quesito, adquirindo cotidianamente conhecimentos práticos e teóricos, que, pela sua  longevidade na carreira, proporcionam a oportunidade única de uma transferência geracional. Os novos vínculos contratuais indicam alta rotatividade de funcionários,  visto que alguns serão temporários, outros terceirizados e um grande número  indicados. Na prática, esta reforma oficializa a nefasta prática do clientelismo, com o aviltamento salarial e o fim da estabilidade, necessária para que o servidor possa se contrapor a ordens que atendam a interesses outros que não os do Estado. Como  esses funcionários poderão regular, fiscalizar e, caso se encontre irregularidades, punir instituições ou pessoas físicas que tenham influência com os governantes que  estiverem no poder? Como poderão agir no interesse do Estado, se os interesses do governo não forem republicanos? Se nossos parlamentares atuarem com   racionalidade, essa PEC 32/20 não pode ser aprovada.


    Informativo SindCVM: Como avalia a proposta de dar poder ao Presidente da República de alterar e até mesmo extinguir cargos, autarquias e fundações? O Sistema Financeiro Nacional pode ser afetado?

    Paulo Lino: Uma verdadeira insanidade, ou, uma aberração, como ouvimos da senadora Katia Abreu (PP/TO), durante encontro recente com alguns representantes  do Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate). Medida arbitrária que dá poder a uma única pessoa, o Presidente da República, para, por decreto, sem passar pelo Legislativo, criar ou extinguir cargos, autarquias e fundações. Exagerando, uma noite mal dormida e a autarquia Banco Central do Brasil, por exemplo, poderá amanhecer o dia extinta, talvez pela fiscalização realizada em uma instituição financeira, cujo resultado tenha desagradado o governante de plantão.

    Incoerência total, porque o presidente e os diretores do BC, muito embora indicados pelo Presidente da República, são sabatinados pelo Senado Federal para serem confirmados, enquanto a extinção do órgão se sujeitaria unicamente ao bel prazer do mandatário. A insegurança jurídica e administrativa prejudica a todos os setores da sociedade e não será diferente em relação aos integrantes do Sistema Financeiro Nacional.


    Informativo SindCVM: A campanha do Governo Federal com setores do poder econômico para justificar a Reforma apresentada implica na necessidade de enxugar o Estado que estaria supostamente inchado. Não seria o caso de realizar uma Reforma Tributária para de fato fazer o Estado arrecadar com mais equidade, incentivando mais investimentos e tornando-se mais justo e sustentável?

    Paulo Lino: O governo se baseia inconsequentemente em falsas premissas para tentar explicar seus atos. Algumas, como um suposto estudo divulgado amplamente pela imprensa, preparado pelo Instituto Millenium – que tem entre seus fundadores o   ministro da Economia, Paulo Guedes – com dados referentes ao serviço público, analisados de forma enviesada, que prejudicam a promoção de um debate sério e equilibrado acerca do setor. Levantamento feito pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) dá conta de que apenas 12% da população ocupada no Brasil trabalha no serviço público, enquanto a média dos países desenvolvidos é de 21,3%. Uma Reforma Tributária apropriada deveria preceder a  todas as demais, porque poderia redistribuir equilibradamente a arrecadação, promovendo uma verdadeira justiça social. Mas o governo procura a solução para a crise fiscal do país apenas cortando despesas com pessoal, sem se preocupar com a consequente redução na prestação dos serviços públicos, deixando de atender adequadamente à população. Visão míope de um governo que não apresentou, desde seu início, antes mesmo da pandemia da Covid-19, um programa que vise o desenvolvimento do país. Se tal programa existe, deve estar sendo tratado da mesma forma que os estudos que justificariam a Reforma Administrativa, em absoluto sigilo.


    Informativo SindCVM: Como os servidores do Banco Central e da CVM podem aprofundar a articulação em defesa da qualidade de vida no trabalho e da melhoria na prestação do serviço público aos cidadãos?

    Paulo Lino: Estreitando os laços, trocando informações e compartilhando conhecimentos. Não há mais condições de se agir pensando somente em si mesmo. Mais do que nunca, as ações precisam ser coletivas, para agregar valor e obter  melhores resultados. Programas de gestão de pessoas e de modalidades de trabalho, por exemplo, podem ser desenvolvidos de forma conjunta, buscando o aperfeiçoamento das relações com os órgãos, a qualidade de vida no trabalho e a efetividade na entrega dos serviços à sociedade. Um trabalho conjunto e criterioso transcenderia nossos horizontes individuais e poderia influir de modo positivo para um novo olhar sobre o contingente dos servidores públicos. Mesmo em um momento turbulento como o atual, em que temos que resistir e repudiar os ataques diários governamentais, é preciso encontrar tempo para avançar na construção de ações coletivas de aprimoramento das nossas funções. O que está em jogo é o futuro do serviço público, o futuro do Estado brasileiro, o futuro da população deste nosso imenso Brasil. Ou ganhamos todos, ou perdemos todos. Não haverá vitória ou derrota individual.

    Fonte: Sindcvm

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