Está difícil segurar o repasse à inflação

    O governo não está conseguindo conter por mais tempo as pressões de preços, principalmente, da energia e dos combutíveis. O IPCA de janeiro trará o primeiro repasse

    Fernanda Nunes
    Nicola Pamplona

    Vilões nas contas públicas mas mocinhos no combate à inflação em2013, a tarifa de energia elétrica e o preço da gasolina despontam como principais fatores de pressão para o governo federal já na virada do ano. Em janeiro, começa o repasse ao consumidor de parte dos recursos gastos — ao menos R$ 8,6 bilhões—coma geração de energia térmica ao longo do ano, usada como alternativa em uma situação dos reservatórios hidrelétricos.

    O próprio governo admite que está difícil continuar gastando para conter a inflação e estuda alternativas, como o aumento dos preços dos combustíveis, que vêm prejudicando a Petrobras e representam uma renúncia de R$ 8,4 bilhões em impostos. Somadas ao fraco desempenho da atividade industrial e ao mau resultado de economias parceiras, como Rússia e Índia, a pressão do câmbio na inflação e as contas públicas têm sido, cada vez mais, foco de preocupação no Planalto, que teme problemas na economia brasileira já no fim de 2013.

    A energia elétrica e outros preços administrados são apontados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) como fatores fundamentais para segurar a inflação do ano. De janeiro a outubro deste ano, diz o Instituto, a primeira foi o item que mais contribuiu nesse sentido, ao registrar queda de 17,27% e impacto negativo de 0,58% no indicador total. Para especialistas, porém, tal ajuda vem sendo feita às custas de desequilíbrio nas contas públicas, por ser reflexo de ítens com algum tipo de subsídio ou renúncia fiscal por parte do Tesouro Nacional.

    “Há um conflito entre inflação e contas públicas, que o governo terá que resolver em algum momento. Por um lado, com inflação alta, não pode mexer nos preços, sob o risco de estourar a meta. Por outro, as contas públicas estão se deteriorando e é preciso recompor receitas e reduzir despesas. Não há espaço para segurar isso por muito tempo”, afirma o especialista em Contas Públicas Raul Velloso. Só na rubrica “auxílio à CDE (Conta de Desenvolvimento Econômico)”, que representa os gastos com o financiamento à geração térmica — que passou este ano a ser feito pelo Tesouro — o desembolso foi de R$ 4,018 bilhões até setembro.

    Esse valor será recuperado por meio de aumento parcelado na CDE, cobrada na conta de luz. Já no caso dos combustíveis, que só teve um aumento em janeiro, a pressão da Petrobras por novo reajuste vem ganhando força e o mercado já espera alguma decisão antes do fim de 2013. Aqui, a renúncia fiscal deve continuar — a Contribuição sobre Intervenção no Domínio Econômico (Cide) foi zerada em junho de 2012, para evitar repasse de um aumento de preços à inflação—já que é consenso que o governo não voltará a aumentar a alíquota. Em 2011, último ano de alíquota cheia, a Cide arrecadara R$ 8,9 bilhões.

    O IBGE ainda analisa como o repasse do custo da geração térmica será contabilizado no IPCA. A definição sairá neste mês, podendo exigir a reunião de especialistas do Conselho Consultivo do Instituto. Eulina Nunes, coordenadora de Índices de Preços do IBGE, afirma que ainda não avaliou a conta, mas ressalta que, como item de consumo a influenciar o orçamento das famílias, o normal será que o custo das térmicas seja incorporado ao IPCA a partir do mês de janeiro.

    Como ainda é motivo de análise, a inserção do gasto coma geração de energia no IPCA segue uma incógnita. Se não for contabilizada no indicador de inflação, o governo, em ano de eleição presidencial, será favorecido. Existe brecha para isso. Eulina, em coletiva de imprensa para apresentar o IPCA de outubro, citou o exemplo do IPTU, que não entra no cálculo do IPCA, por ser considerado um custo das famílias com patrimônio e não item de consumo recorrente.

    Porém, “o que tem efeito na conta das famílias entra, necessariamente, no IPCA”, diz André Braz, economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV). Questionada sobre a possibilidade de o IBGE sofrer influência do governo federal para não incluir os gastos coma geração térmica no IPCA de 2014, Eulina enfatizou o caráter independente do Instituto. “A regra não vem de Brasília para o IBGE adotar, porque o IBGE tem independência técnica. É uma questão de conceituação”, enfatiza.

    “A única maneira de o governo conseguir evitar o impacto da geração térmica sobre o IPCA é concedendo desonerações tributárias para o setor elétrico, que funcionem como compensações”, acredita Braz, do Ibre/FGV. “O problema é que o despacho das térmicas está sendo muito grande e não tem como um só agente pagar essa conta por muito tempo”, pondera o professor do Instituto da Economia da Energia da UFRJ Edmar Almeida.

    A partir de 2014, sempre que a geração térmica for alta, o consumidor pagará de R$ 1,50 a R$ 3 por cada 100 quilowatts- hora consumidos. Além do programa de redução tarifária posto em prática pelo governo federal no início deste ano, com a antecipação da concessão de algumas usinas geradoras condicionada à queda dos preços para os consumidores, a conta de luz também ficou menor neste ano por causa de reduções no recolhimento dos tributos PIS/Cofins/Pasep a cada mês.

    Em outubro, pontualmente, a energia elétrica ficou 0,58%mais barata por esse motivo. No Rio de Janeiro, por exemplo, o MWh distribuído pela concessionária Ampla caiu 72,64% por causa da tributação. Em Porto Alegre, houve redução de 60,56% e de 16,24% em duas das três distribuidoras locais, cujos nomes o IBGE não revelou.

    E, em Belo Horizonte, a queda foi de 10,02%. Nesse caso, contudo, não se trata de custos bancados pela União, como no episódio das térmicas. Mas de aproveitamento de créditos tributários, previsto nas regras da Receita Federal de recolhimento dos tributos, adotada sempre que há despesas extraordinárias pelas empresas.

     

    Fonte: Brasil Econômico

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