Ribamar Oliveira
Se o governo admitisse que não é mais possível cumprir a meta de superávit primário do setor público de 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano, a candidata Dilma Rousseff perderia votos nas eleições de domingo? Ou é mais desgastante para a imagem da presidente que o seu governo continue reafirmando a meta, mesmo depois de o superávit dos últimos oito meses ter caído para o patamar mais baixo desde 1998? A hipótese de que a preocupação seja eleitoral está sendo aventada aqui simplesmente porque não há outra explicação para a decisão do governo de não admitir que a meta será revista.
É possível resumir rapidamente a questão: de janeiro a agosto deste ano, o governo central (que compreende Tesouro, Previdência e Banco CENTRAL) fez superávit de apenas R$ 1,5 bilhão ou 0,05% do PIB, segundo o BC. A meta para este ano é de R$ 80,8 bilhões ou 1,55% do PIB.
Isso significa que é necessário que o governo central faça economia de R$ 79,3 bilhões (R$ 80,8 bilhões menos R$ 1,5 bilhão) de setembro a dezembro para que a meta seja cumprida, o que dá uma média mensal de R$ 19,8 bilhões de superávit primário. É difícil acreditar que isso seja possível.
Na semana passada, o governo divulgou o relatório de avaliação de receitas e despesas do quarto bimestre deste ano, no qual informa que houve uma frustração de R$ 12,64 bilhões na sua estimativa de arrecadação bruta da União neste ano. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) determina que, se for verificado, ao fim de cada bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), o governo promoverá cortes nas despesas orçamentárias e na movimentação financeira, nos montantes necessários.
Em vez de cortar gastos por causa da queda da receita, o governo decidiu, no relatório de avaliação do quarto bimestre, reestimar as despesas obrigatórias, elevar a previsão da receita de dividendos das estatais e usar R$ 3,5 bilhões da poupança do Fundo Soberano.
Essa foi a fórmula encontrada para tornar factível o cumprimento da meta fiscal. O problema é que as medidas anunciadas são frágeis. Uma delas, o próprio governo se encarregou de dizer que não está decidida e mudou a explicação sobre uma outra.
A reestimativa de despesa obrigatória é como cortar vento, pois, por definição, ela será aquilo que ocorrer. Exemplo: o gasto com os servidores foi reduzido em R$ 2,2 bilhões. Mas essa é apenas uma estimativa, pois o governo não poderá deixar de pagar essa despesa, qualquer que seja ela. A redução do gasto com subsídios e subvenções já tinha sido feita no início do ano e foi feita novamente. Essa é uma medida que leva a pensar em postergação de pagamento, ou seja, que a despesa será jogada para o próximo exercício.
O governo reduziu também em R$ 4 bilhões a previsão de despesa com a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). O Ministério da Fazenda chegou a explicar que a redução da despesa do Tesouro com a CDE seria coberta pelo aumento da tarifa de energia para os consumidores. Depois, essa alternativa foi negada. Ontem, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que o Ministério da Fazenda regularize os repasses da CDE à Eletrobras, notadamente para pagar os fornecedores de combustíveis para os sistemas isolados, de forma a evitar o colapso de abastecimento da região Norte.
Ontem, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Paulo Caffarelli, disse que ainda não há definição sobre o uso dos recursos do Fundo Soberano para o cumprimento da meta de superávit primário. O secretário precisa informar isso à presidente Dilma, que no dia anterior assinou o Decreto 8.320, incluindo os R$ 3,5 bilhões do Fundo Soberano no cálculo do resultado primário deste ano.
O Decreto 8.320 elevou a previsão para o déficit da Previdência deste ano de R$ 40,1 bilhões para R$ 40,6 bilhões. De janeiro a agosto, ele já está em R$ 34 bilhões e muito próximo daquele realizado no mesmo período do ano passado, como mostra o gráfico abaixo. Ele só é menor no momento porque o governo adiou de abril para outubro o pagamento de precatórios do INSS, no valor de R$ 3,5 bilhões. O mais provável é que o déficit fique acima de R$ 50 bilhões (maior do que o de 2013), o que elevaria a despesa do Tesouro neste ano em mais de R$ 10 bilhões.
Em vez de analisar discursos e relatórios que mudam a cada bimestre, é preferível avaliar a execução orçamentária deste ano para definir o perfil da política fiscal do governo. Os dados mostram que o crescimento dos gastos públicos neste ano é o maior de toda a gestão Dilma Rousseff. De janeiro a agosto de 2014, as despesas do Tesouro (não incluem os benefícios previdenciários) aumentaram 15,5% em relação ao mesmo período do ano passado. Em 2013, o crescimento foi de 12,1%, de 11,7% em 2012 e de 10,7% em 2011. Apenas em agosto deste ano, os gastos do Tesouro subiram 39,4% em comparação com agosto de 2013.
A execução orçamentária mostra que as despesas da União estão crescendo em ritmo mais forte do que a economia. Isso significa que o gasto em proporção do PIB está aumentando. De acordo com a Fazenda, as despesas do Tesouro cresceram 8,6% acima da variação nominal do PIB de janeiro a agosto deste ano, enquanto a receita caiu em proporção do PIB.
Essa execução orçamentária não é compatível com a meta de superávit primário de 1,9% do PIB.
Ribamar Oliveira é repórter especial e escreve às quintas-feiras E-mail ribamar.oliveira@valor.com.br
Fonte: Valor Econômico