GOVERNO REPASSARÁ R$ 2,1 BILHÕES, EM 2018, AO LEGISLATIVO E AO JUDICIÁRIO, QUE DEVEM ESTOURAR O LIMITE ESTABELECIDO PELA EMENDA CONSTITUCIONAL QUE FIXOU TETO PARA O CRESCIMENTO DAS DESPESAS DA UNIÃO. PREVISÃO ESTÁ NA PROPOSTA ORÇAMENTÁRIA DO ANO QUE VEM
Autor: ROSANA HESSEL
O governo vai ter um grande desafio para fechar as contas de 2018 e cumprir o teto de gastos e a meta fiscal, apesar de ter ampliado a previsão de deficit nas contas públicas de R$ 129 bilhões para R$ 159 bilhões. Nessa empreitada, o Executivo não terá a ajuda dos demais poderes, porque eles devem estourar os limites orçamentários. Ao contrário, será chamado a compensar o excesso de despesas do Legislativo e do Judiciário até 2019. No ano que vem, a fatura será de R$ 2,1 bilhões, conforme previsto no Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) de 2018.
O valor está abaixo do limite de compensação projetado para o próximo ano, de R$ 3,2 bilhões. Mesmo assim, preocupa especialistas, porque a tendência é que ele continue crescendo após 2020. Para os analistas, Judiciário e Legislativo estão aproveitando esse espaço para ampliar despesas e conceder aumentos salariais, no momento em que o Executivo tenta adiar os reajustes do funcionalismo. ‘É um péssimo sinal, porque, no quarto ano, não terá mais compensação. O que deveria acontecer é o oposto, com as despesas começando a diminuir em grau mais acelerado’, criticou um economista do governo.
O limite de compensação para os demais poderes equivale a 0,25% do teto do Poder Executivo, conforme estabelecido na Emenda 95, que instaurou o limite de crescimento dos gastos federais e o Novo Regime Fiscal. Neste ano, esse valor é de R$ 3,1 bilhões, e, no ano que vem, de R$ 3,3 bilhões.
Na avaliação do economista Bráulio Borges, da LCA Consultores, os poderes Legislativo e Judiciário estão adiando um problema ao não se enquadrarem no teto. ‘A estratégia é não tentar ajustar muito agora, mas, quando chegar a 2020, vai ter um buraco muito grande. Na verdade, eles estão encomendando a necessidade de um ajuste mais draconiano’, alertou.
A economista Vilma da Conceição Pinto, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), lembrou que o teto de gastos deste ano vai ser cumprido porque o governo está fazendo um contingenciamento grande no orçamento, de R$ 45 bilhões. No ano que vem, contudo, não há espaço para um bloqueio desse tamanho.
‘O teto ficará cada vez mais comprometido, porque não existe muita margem para cortes’, destacou Vilma, lembrando que o Ploa de 2018 prevê apenas R$ 65 bilhões de despesas discricionárias. A mensagem modificativa com a nova meta fiscal do próximo ano, que o Ministério do Planejamento deve enviar ao Congresso, poderá ampliar um pouco essa margem, segundo Vilma.
Para a economista Monica de Bolle, pesquisadora do Petterson Institute for International Economics, de Washington, é bem provável que a meta fiscal de 2018 não seja cumprida. ‘O deficit pode facilmente passar de R$ 170 bilhões no ano que vem, porque todos sabem que ano eleitoral é ano de gastança’, alertou. Ela acrescentou que os riscos de o teto não ser cumprido também são crescentes, principalmente, se o próximo governo não for reformista como o mercado espera.
O teto para o aumento das despesas primárias do governo é de 7,2% neste ano e de 3% em 2018. Dados do Tesouro Nacional divulgados ontem mostram que nem mesmo o Executivo conseguiu cumprir a determinação da Emenda 95. As despesas acumuladas no ano somaram R$ 806,4 bilhões, valor 7,4% acima do contabilizado no mesmo período do ano passado. As do Legislativo cresceram 6,4% e as do Judiciário, 5,7%.
A secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, disse que as despesas ficaram acima do teto ‘pontualmente’, porque existe uma margem de R$ 29 bilhões para o Executivo cumprir a regra em 2017. ‘Só no fim do ano que a gente vai atestar o cumprimento do limite. Essa oscilação pontual de agosto tende a convergir para 4,8%’, previu. Ana Paula acrescentou que, nessa conta, considera a liberação de R$ 12,8 bilhões do orçamento, possibilitada pela ampliação do rombo fiscal deste ano para R$ 159 bilhões. O detalhamento dos órgãos contemplados com os recursos sai hoje no Diário Oficial da União.
(Colaborou Hamilton Ferrari)
Deficit melhora em agosto, mas é recorde em oito meses
HAMILTON FERRARI
ESPECIAL PARA O CORREIO
Apesar de ter melhorado em agosto, o resultado primário das contas do governo central (Tesouro, Banco Central e Previdência) nos oito primeiros meses de 2017 foi o pior em 20 anos, desde o início da série histórica. O rombo acumulado chegou a R$ 85,8 bilhões, segundo a Secretaria do Tesouro Nacional. Já no mês passado, o deficit foi de R$ 9,59 bilhões, 52% menor que o saldo negativo de R$ 20,3 bilhões contabilizado em agosto de 2016.
O programa de regularização tributária, conhecido como Refis, deu gás para a melhora do mês: foram R$ 3 bilhões extras com o recolhimento de impostos atrasados pelas empresas que se inscreveram no programa. Porém, os ganhos esperados para o restante do ano não são animadores. Segundo previsão do Tesouro, a arrecadação deve ser de R$ 3,8 bilhões, sendo que expectativa inicial era que o Refis rendesse R$ 13 bilhões.
A projeção encolheu devido à generosidade com que os devedores foram tratados no projeto de lei cujo texto-base foi aprovado na última quarta, na Câmara dos Deputados. Fábio Klein, analista da Tendências Consultoria, afirmou que o governo não está livre de ter que fazer novos bloqueios de despesas para cumprir a meta de terminar o ano com deficit de R$ 159 bilhões nas contas federais. ‘Acredito que as frustrações na arrecadação não vão colocar em xeque a meta fiscal, mas se novas receitas não forem concretizadas, o governo deve adotar novos contingenciamentos para conseguir fechar o ano com o rombo previsto’, afirmou.
Até agosto, o deficit acumulado em 12 meses somou R$ 171 bilhões. A secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, destacou, porém, que, excluindo os gastos com o pagamento antecipado de precatórios judiciais, o resultado primário foi de R$ 154 bilhões negativos.
Em agosto, a receita líquida teve alta real – descontada a inflação – de 19,7%, na comparação com o mesmo período de 2016, saindo de R$ 75 bilhões para R$ 92 bilhões. Além do Refis, a melhora no comportamento dos principais indicadores macroeconômicos resultou na elevação de R$ 5,4 bilhões, segundo o Tesouro.
‘O resultado de agosto sinaliza uma tendência positiva para as receitas nos próximos meses e reforça o cenário de cumprimento da meta. Por outro lado, os dados também reforçam o movimento contínuo de elevação dos gastos obrigatórios. Os problemas de desequilíbrio fiscal de longo prazo demandam reforma estrutural’, avaliou Klein.
O crescimento acelerado dos gastos obrigatórios, como salários do funcionalismo e, principalmente, benefícios previdenciários, é a principal razão da deterioração das contas públicas. De janeiro a agosto, as despesas compulsórias alcançaram 104% da receita líquida, ou seja, mesmo que os gastos controlados pelo Executivo fossem zerados, as contas apresentariam deficit.
Já as despesas discricionárias, aquelas que o governo pode ou não executar, caíram R$ 24,7 bilhões de janeiro a agosto, em relação ao mesmo período de 2016. ‘Isso demonstra o esforço de contenção de despesas que vem sendo realizado ao longo de 2017’, ponderou Ana Paula Vescovi.
O rombo da Previdência Social chegou a R$ 260,6 bilhões no acumulado em 12 meses terminados em agosto. A maior parte é das despesas na área do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) , que teve deficit de R$ 184,2 bilhões nesse período.
Refis: destaques só na próxima semana
O texto-base do novo Refis, que permite o parcelamento de dívidas com a União, aprovado na última quarta-feira pelo plenário da Câmara, ainda pode sofrer alterações na Casa. Na semana que vem, os deputados precisarão analisar as propostas de mudanças (destaques) apresentadas durante a discussão. Será avaliada, entre outras proposições, a possibilidade de que micro e pequenas empresas também possam aderir ao programa. Em seguida, a matéria vai para o Senado e, só depois, será sancionada pelo presidente Michel Temer. Dessa forma, o prazo de adesão, que terminaria hoje, será suspenso até que Temer assine a medida e, a partir de então, voltará a valer até 31 de outubro.
Risco de crime fiscal
O governo corre o risco de descumprir a chamada regra de ouro, pela primeira vez, desde que ela foi criada, em 1988. A norma, estabelecida pela Constituição, não permite que o governo contraia dívidas para pagar despesas correntes, como salários e material de uso diário. O Tesouro só pode emitir títulos para cobrir despesas de capital, que incluem amortização de Juros e investimentos.
Há um buraco previsto de R$ 184 bilhões nas contas federais, em 2018, que precisará ser coberto para que não ocorra crime de responsabilidade fiscal. ‘O descumprimento da regra de ouro é mais grave do que o da meta fiscal, porque ela está na Constituição e não pode ser alterada’, explicou a economista Vilma da Conceição Pinto, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV).
Para não chegar a esse ponto, o governo conta com o retorno antecipado de empréstimos feitos nos últimos anos ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A previsão é que sejam devolvidos R$ 130 bilhões no ano que vem. Para 2017, estão programados R$ 50 bilhões, dos quais R$ 33 bilhões foram repassados ontem. Como a necessidade para cumprir a regra de ouro é de pouco menos de R$ 20 bilhões, segundo os técnicos, os R$ 30 bilhões restantes serão utilizados em 2018. Porém, pelas estimativas levantadas pelo Correio, ainda faltarão R$ 24 bilhões
A secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi disse que ‘não existe Plano B’ para garantir o cumprimento da regra de ouro. Ela reconheceu que será necessário continuar ajustando as despesas e descartou aumento de impostos. De acordo com o Tesouro, no acumulado em 12 meses até agosto, o governo já descumpriu a regra de ouro em R$ 7 bilhões. No entanto, o valor foi coberto pelo pagamento feito ontem pelo BNDES. (RH e HF)
Fonte: Correio Braziliense