Expectativa de reforma anima mercado

    Por José de Castro e Lucas Hirata | De São Paulo

    A percepção de que o governo de Michel Temer saiu da votação na Câmara dos Deputados com maiores condições de negociar a Reforma da Previdência patrocinou mais um dia de demanda por risco nos mercados domésticos de Câmbio e renda fixa. Os preços não exibiram movimentos expressivos, compatíveis com qualquer euforia. Mas mantiveram a trajetória positiva verificada nas últimas semanas, em meio ao fortalecimento do cenário de aprovação de medidas que revertam a deterioração das contas públicas.

    Investidores reconhecem que o placar da votação não correspondeu às expectativas mais otimistas. Foram 263 votos pró-Temer, ante 227 favoráveis a encaminhar ao Supremo Tribunal Federal (STF) denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR). No mercado, circulavam números como 270, 280 e até 300 votos em prol do governo na quarta. Porém, mesmo não alcançando os prognósticos mais altos, o resultado ficou acima do patamar de 250 tido pelos governistas como mínimo aceitável. Além disso, a expectativa de apoio de partidos como o PSDB gera a sensação de que a agenda reformista conta com mais suporte que o indicado pelo placar do plenário.

    “No fim das contas, aumentou a chance de a Reforma da Previdência passar. E isso é o que entra na conta do mercado”, diz o estrategista de renda fixa da Renascença, Pedro Barbosa. Para ele, o fato de a votação ter ocorrido sem maiores protestos ou tumultos nas ruas indica que a população, embora não apoie o presidente Temer, “não vê outra alternativa” a não ser permitir a continuidade da atual diretriz de política macroeconômica, ainda que a materialização das reformas leve mais tempo.

    Após nos últimos dias dólar e Juros futuros terem anulado as altas acumuladas desde a delação da JBS em meados de maio, ontem foi a vez de o prêmio de risco país medido pelo CDS consolidar-se em patamares abaixo do estouro da crise. O CDS é um derivativo que funciona como uma espécie de seguro conta calote de dívida – no caso, a soberana brasileira. Depois de saltar a 269 pontos-base após a turbulência de maio, o CDS caiu ontem a tarde para 199 pontos.

    A queda da percepção de risco deu suporte à taxa de Câmbio. O dólar recuou 0,22%, a R$ 3,1128, menor patamar desde 16 de maio – portanto, antes da eclosão da crise política do dia 17 daquele mês. O Câmbiofortalecido reduziu ainda mais qualquer receio já modesto com a inflação. O resultado foi nova baixa nos Juros futuros negociados na B3. A diferença entre as taxas com vencimento em janeiro de 2019 e janeiro de 2018 – medida da expectativa para os movimentos de política monetária ao longo de 2018 – caiu a -20,5 pontos-base, mínima em quase quatro meses. Quanto mais negativo esse número, menor o risco de alta da Selic atribuído pelo mercado.

    A avaliação de maiores chances de aprovação da Reforma da Previdência já provocou as primeiras mudanças de recomendação para ativos locais. O J.P. Morgan elevou a avaliação da dívida soberana brasileira em moeda estrangeira para “acima da média do mercado” em seu portfólio global de bônus de mercados emergentes. E também abriu duas novas posições. A primeira sugere ganho com aposta em queda dos spreads entre o CDS de cinco anos de Brasil e África do Sul – dos atuais +20 pontos-base para -10 pontos. A segunda posição prevê queda da inclinação entre Juros de bônus brasileiros com vencimentos em 2026 e 2047. A meta é que o prêmio caia a 65 pontos-base, ante os 88 pontos de hoje.

    O Crédit Agricole segue com recomendação que ganha com queda do juro local com vencimento em janeiro de 2019, mais associado a movimentos na política monetária. Italo Lombardi, estrategista sênior de mercados emergentes do banco, mantém expectativa de recuo da Selic a 8% até dezembro, mas admite viés de baixa, devido à perspectiva de novo corte de 1 ponto percentual no encontro do Comitê de Política Monetária (Copom) de setembro. Da mesma forma, o estrategista avalia reduzir a estimativa ainda em curso que contempla dólar a R$ 3,40 até o fim do ano.

    Já a Renascença ainda prefere posição vendida em Juros reais com vencimento em 2045 e 2050. O estrategista Pedro Barbosa prevê que as taxas das Notas do Tesouro Nacional-Série B (NTN-B, com rentabilidade atrelada à inflação) de vencimentos 2045 e 2050 se aproximem de 5% ao ano. Ontem, o juro real do papel 2045 estava em torno de 5,27%.

    Analistas não deixam de ressalvar, no entanto, as dificuldades que o governo terá para obter os 308 votos mínimos necessários para aprovação de uma proposta de emenda constitucional pela Câmara dos Deputados – o que pode colocar em xeque o bom humor do mercado. Entre os riscos, o economista-chefe do Rabobank Brasil, Maurício Oreng, cita possíveis acordos de delação e divulgação de novas informações em torno das investigações atuais. “Não discordamos fortemente dos mercados, mas vemos um pouco mais de riscos do que aqueles [aparentemente] precificados”, diz.

    Fonte: VALOR ECONÔMICO

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