Fed corta mais US$ 10 bilhões

    Redução do programa do banco central dos EUA para estimular economia do país atrai investimentos estrangeiros dos países emergentes para o mercado norte-americano

    Liana Verdini
    Marcelo Loureiro

    A recente turbulência nos mercados emergentes não modificou a disposição do Federal Reserve (Fed) de remoção gradual do estímulo extraordinário à economia. Ontem, o banco central dos Estados Unidos anunciou novo corte de US$ 10 bilhões no programa de compras mensais de títulos, agora para US$ 65 bilhões em fevereiro. A partir do próximo mês, o Fed comprará US$ 35 bilhões de Treasuries e US$ 30 bilhões de títulos hipotecários.

    O chairman do Fed, Ben Bernanke, que passará na sexta-feira o comando do banco central à atual vice, Janet Yellen, encerrou sua última reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês) sem fazer qualquer mudança na outra grande política da autoridade monetária: o plano de manter os juros baixos por mais algum tempo.

    A decisão recebeu apoio unânime das autoridades do Fed. É a primeira reunião sem divergência desde junho de 2011.

    Em comunicado após a reunião, o Fed reconheceu que “a atividade econômica ganhou fôlego nos trimestres recentes” e minimizou o fraco resultado de dezembro sobre abertura de vaga de emprego. “Os indicadores do mercado de trabalho foram mistos, mas o balanço mostra melhorias”.

    A decisão do Fomc já era esperada. Para Rodrigo Alves de Melo, economista-chefe da Icatu Vanguarda, a decisão veio dentro do esperado pelo mercado. “Poucas casas acreditavam em um passo diferente. O tamanho do corte e a distribuição entre MBS e Treasuries foram os projetados”, conta o executivo.

    Para o economista Carlos Thadeu de Freitas Gomes, ex-diretor do Banco Central e chefe do Departamento Econômico da Confederação Nacional do Comércio, esse novo corte já foi precificado pelo mercado. “A preocupação do BC norte-americano é evitar possíveis bolhas como estimulados pelo excesso de liquidez, com a alta no preço dos imóveis e das ações”, lembrou ele.

    Já o economista Paulo Feldman, da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP) vê oportunidade para o Brasil, no que se refere às exportações. “O dólar sobe e o real se desvaloriza. Mas para o investimento, o poder de atração dos títulos norte-americanos pode ser prejudicial, apesar da taxa de juro atrativa do Brasil”.

    O economista José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, vê agora “um mundo mais arriscado”, com um conjunto de países com desequilíbrios importantes, entre os quais o Brasil. “Há desequilíbrio fiscale temos parceiros importantes com problemas, como Argentina, em crise, e a China, onde já não há tanta confiança em seu desempenho econômico. Isso pode afetar o Brasil”.

    Luiz Fernando Figueiredo, da gestora Mauá Sekular, destacou que as consequências para alguns emergentes pode não ser agradável. “Isso ocorre pois existe a expectativa de que os juros irão subir no futuro por lá. Os títulos americanos de longo prazo (10 anos) estão sendo negociados a 2,7%, frente a 2,0% um ano atrás — nossa expectativa é que esses juros sigam se elevando nos próximos meses”, explica Figueiredo.

    Rafael Barros, gestor da Humaitá Invest, concorda. “Aexpectativa de crescimento norte-americano mais forte é boa, mas afeta a expectativa em relação à subida dos juros. O mercado financeiro, que antecipa as tendências, já paga prêmios olhando a taxa de juros lá na frente, o que só acontecerá depois do desmonte completo do terceiro quantitative easing”, disse. Para Rodrigo Alves de Melo, economista-chefe da Icatu Vanguarda, o tapering não age sozinho na desvalorização das moedas de alguns emergentes. “O aspirador de pó não é movido por um fator apenas. Cada um desses países tem os seus desafios”.

    A saída, segundo os economistas, é sinalizar para os investidores que o Brasil está fazendo a sua parte. “O BC deveria dizer claramente ao mercado em quanto tempo espera chegar ao centro da me -ta de inflação, que é o objetivo, segundo a presidente Dilma Rous-sef, e mostrar como fará isso”, disse Freitas Gomes. “Se esse recado for dado, os investidores entenderão, até porque a situação da eco-
    nomia brasileira é sólida”.

    Concorda com ele o economista Paulo Feldman, para quem há um “exagero” em relação ao país. “O problema desse exagero é que o Brasil está perdendo investimento produtivo e, ao subir os juros, busca atrair o capital especulativo”.

    Para o chefe do Centro de Estudos Monetários da FGV, há um dever de casa a ser feito pelo governo brasileiro. “O país precisa fazer um ajuste fiscal e monetário claro , mostrando ao mundo onde quer chegar com sua política econômica e quais instrumentos vai usar para chegar lá”, cobrou Senna.

    Ele lembrou que os ciclos de ajuste ao excesso de liquidez são longos e não são lineares. “Veremos muita turbulência pela frente, entremeado por momentos de mais tranquilidade. Isso é comum em ciclos assim. As medidas devem ser adotadas e precisarão ser bem comunicadas, transmitindo confiança de que o processo foi pensado, planejado para ser executado. Se passar a impressão de improvisação, aí sim teremos mais insegurança e mais saídas. O momento é de aversão ao risco”, disse Senna.

     

    Fonte: Brasil Econômico

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