Fiscalização do BC perde pessoal

    Capacidade de fiscalizar o sistema financeiro pode ser afetada pela suspensão das nomeações de concursados e continuidade das aposentadorias no Banco Central

    A queda do número de funcionários do Banco Central, um conjunto de mudanças na sua forma de trabalhar e a notícia de fraude no banco Panamericano têm gerado questionamentos, dentro e fora da autarquia, sobre a sua capacidade de fiscalizar o sistema financeiro.

    Dois diretores do BC, Altamir Lopes e Anthero Meirelles, tiveram uma audiência com o deputado Pauderney Avelino (DEM-AM) no último dia 17. Na reunião, disse o deputado, ambos assumiram que a escassez de pessoal está dificultando a fiscalização. Procurado pela reportagem, o BC preferiu não comentar o assunto.

    “Nas conversas mantidas com a Diretoria do Banco Central, […] fomos informados de que o trabalho da fiscalização pode ser comprometido pelo número insuficiente de funcionários”, afirma Avelino em um documento que pretende apresentar ao Ministério da Fazenda e ao BC esta semana.

    O quadro de pessoal do BC já se reduziu em 230 pessoas neste ano, segundo dados oficiais. Dos atuais 4.652 funcionários, cerca de 1.700 ganham o direito de se aposentar entre 2011 e 2013, pelos cálculos do Sinal (Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central). De janeiro a dezembro deste ano, um total de 700 pessoas ganhou ou ganhará direito à aposentadoria, prevê o sindicato. Se os servidores exercerem esse direito, o BC terá em 2013 pouco mais que a metade dos 5.918 existentes em 1996.

    Os setores de fiscalização e de pesquisa podem ser os mais prejudicados, segundo do sindicato. Metade dos funcionários dessas duas áreas terá direito à aposentadoria até 2013, calcula a instituição. No concurso mais recente, no ano passado, foram nomeadas 500 pessoas. O BC pediu ao Ministério do Planejamento autorização para convocar outros 250 candidatos que passaram no concurso, mas ainda não teve resposta definitiva.

    Uma fonte ligada ao BC disse à reportagem que “não houve perda de qualidade” na fiscalização porque outras medidas que compensam a redução do número de funcionários, como a informatização e o aumento da produtividade. No entanto, a fonte acrescentou que o BC está “preocupado” com a tarefa de repor os quadros. Será “um desafio” porque houve uma concentração de concursos na segunda metade da década de 1970 e chegou a hora de essas pessoas se aposentarem.

    O BC, disse a fonte, tinha a meta de repor 80% dos funcionários que se aposentassem nos próximos anos, compensando os demais 20% com aumento de produtividade. Com a proposta do governo de cortar o Orçamento em R$ 50 bilhões em 2011, o Ministério do Planejamento suspendeu novos concursos. “Em princípio”, esse corte “não prejudicou” a fiscalização, mas “se isso [a suspensão dos concursos] passar para o ano que vem, tem que ir avaliando”, disse a fonte. A pessoa espera que o Planejamento permita a nomeação de mais 250 concursados no segundo semestre.

    Fraude. O sindicato disse à reportagem que, no segundo semestre de 2006, o BC colocou o banco Panamericano “em evidência”, termo usado pela autarquia quando nota que algum banco precisa de fiscalização mais intensa (o BC não confirma nem nega essa informação, que é sigilosa). Mas foi somente em novembro do ano passado que veio a público a notícia de que havia um rombo de R$ 3,8 bilhões, e só em fevereiro de 2011 o Panamericano informou que o buraco era ainda maior, de R$ 4,3 bilhões.

    Para Sergio Belsito, presidente do Sinal, há escassez de funcionários que sejam especializados em sistemas e ao mesmo tempo tenham conhecimento em contabilidade. “O BC poderia ter solicitado [já em 2006] um procedimento que mostra toda a base de dados do Panamericano. Mas é preciso ter gente especializada para fazer esse trabalho, e o BC não tem em número suficiente”, disse Belsito.

    Um advogado de grandes bancos endossa o argumento do sindicato: “O BC talvez seja o órgão mais sério do serviço público brasileiro. Mas, na área de sistemas, ficou para trás. […] Colocar um banco em evidência é uma decisão incomum. Quando isso acontece, é preciso vasculhar [a instituição financeira] já no dia seguinte.”

    A fonte ligada ao BC afirmou que em um trabalho como o da investigação do Panamericano o que faz diferença não é o número de servidores, mas “uma boa tecnologia e pessoas bem treinadas”, o que, na opinião dele, a autarquia tem. “O BC nunca deixou de fazer nada por falta de pessoal” no caso Panamericano, rebateu.

    Fiscalização indireta. O Banco Central iniciou uma reestruturação em 1999, três anos depois de o Supremo Tribunal Federal ter decidido que os funcionários da instituição passariam a se aposentar não mais pelo regime celetista, mas pelo regime jurídico único, que rege os funcionários públicos. Com a mudança, parte significativa dos funcionários se aposentou, de modo que o número de empregados caiu de 5.918 em 1996 para 4.600 em 1997.

    Segundo o Sinal, a queda no quadro de pessoal levou o BC a, gradativamente, mudar seu método de supervisionar o sistema financeiro, passando a usar cada vez menos o monitoramento direto (que inclui visitas dos funcionários às instituições financeiras) e mais o indireto (que observa o comportamento do sistema financeiro a partir de dados enviados eletronicamente pelos próprios bancos ou por outras instituições).

    De acordo com o documento que Avelino enviará ao Ministério da Fazenda, a diretoria do BC disse que a fraude no Panamericano só foi descoberta “depois de uma fiscalização especial direta”. Já a fonte do BC argumenta que as primeiras pistas da fraude vieram por meio de informações indiretas. “Vimos que alguns dados não estavam batendo, e assim entramos numa avaliação mais profunda”. O BC deixou “em segundo plano” a tarefa de verificar in loco cada agência do banco porque esse processo era “ineficaz e caro”, na opinião da fonte.  

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