Um acordo internacional assinado pelo Brasil permitirá à Receita Federal acessar automaticamente dados financeiros de pessoas físicas e jurídicas em mais de 90 países, fechando ainda mais o cerco às operações de evasão e sonegação fiscal. Trata-se da Convenção Multilateral sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria Tributária, considerada atualmente o instrumento mais abrangente de cooperação tributária internacional.
Por meio dela, os países trocarão informações como contas correntes e seus titulares, investimentos, previdência privada, ações, rendimentos de fundos, aluguéis e juros.
A convenção foi firmada pelo Brasil em 2011, durante a reunião de cúpula do G-20 em Cannes (França), e aprovada pelo plenário do Senado em janeiro. Mais um passo foi dado com a publicação do Decreto Legislativo 105 no Diário Oficial da União do último dia 15, divulgando o aval do Senado ao texto.
Para que a convenção passe a valer internamente, o Brasil ainda precisa depositar o instrumento de ratificação junto à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e promulgar um decreto presidencial. O acordo entra em vigor no primeiro dia do mês seguinte a um período de três meses após a promulgação – se o depósito for feito até o fim de abril, por exemplo, a convenção passará a valer no dia primeiro de agosto.
Fazem parte do acordo todos os países do G-20 e da OCDE, portanto os principais centros financeiros mundiais. Também estão incluídos territórios conhecidos como paraísos fiscais, como Cayman e Jersey. Uma ausência importante, porém, é o Panamá, centro de escândalos recentes apontando indícios de operações de lavagem de dinheiro e evasão fiscal.
Para o coordenador-geral de Relações Internacionais da Receita Federal, Flávio Araújo, a convenção terá o efeito importante de estimular o cumprimento das obrigações tributárias no mundo todo ao permitir o intercâmbio automático de informações entre os Fiscos de dezenas de países. “Como os contribuintes saberão que as informações vão chegar, o estímulo para que declarem por conta própria será muito maior, desestimulando a ocultação ou esquemas de planejamento tributário agressivo”, afirma.
Embora a convenção inclua, de forma geral, fatos geradores ocorridos a partir do ano seguinte a sua entrada em vigor, ela pode também ter efeito retroativo, com a troca de informações de exercícios anteriores. “O texto diz que duas partes poderão entrar em acordo para aplicar a convenção retroativamente, e o Brasil não teria problemas quanto a isso”, antecipa Araújo.
O mecanismo de troca de informações ainda será detalhado por meio de acordos entre os Fiscos desses países. A expectativa é que o Brasil passe a enviar em 2018 os dados referentes ao exercício de 2017.
As informações compartilhadas entre os países também poderão ser usadas para investigações e julgamentos na área criminal. Atualmente, o Brasil troca dados fiscais com diversos países, previstos, por exemplo, em tratados que evitam a bitributação. “O que a convenção vai fazer, além de ampliar muito o leque de países, é viabilizar o intercâmbio multilateral periódico e automático. Ter dinheiro no exterior vai ser como ter dinheiro em banco brasileiro”, diz o coordenador de Relações Internacionais da Receita.
Para o advogado Luiz Gustavo Bichara, a convenção cria, em conjunto com a Lei da Repatriação, um ambiente em que se torna “impossível” manter dinheiro não declarado no exterior. Para ele, o acordo deve estimular adesões à repatriação. “Quem tiver dinheiro não declarado nesses 90 países vai ser pego automaticamente pela Receita Federal. Não tem plano B. Os contribuintes que tiverem dinheiro não declarado vão ter que aderir.”
Fonte: Valor Econômico