Fundos mais caros concentram liquidez do setor público

    Selic mais baixa, e que pode ainda cair a 6,5% ao ano segundo previsões de alguns analistas, escancarou uma massa de recursos nos bancos de varejo que tem sido muito mal remunerada. No segmento de fundos, há ainda cerca de três dezenas de portfólios de renda fixa com taxas de administração que vão de 3,1% a 5,5% ao ano, consumindo a rentabilidade final. Perto do volume do setor, acima de R$ 4 trilhões, o patrimônio reunido nessas carteiras, de pouco mais de R$ 100 bilhões, pode parecer pequeno, mas se trata de um capital que guarda pouca relação com a preservação do poder de compra.

    Em geral, tanto nas instituições públicas quanto nas de capital privado, são fundos de gestão de liquidez, com viés de curto prazo, alguns com aplicação automática e bastante antigos.

    Depois que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) passou a implicar com essas práticas no varejo, a boa notícia é que quase não há mais portfólios com taxas acima de 3% na grade destinada ao pequeno aplicador, afirma o economista Marcelo D’ Agosto, colunista do Valor. As carteiras que ainda têm esse perfil são relacionadas a recursos de liquidez do setor público. “Mas o ajuste fiscal passa até por isso. Ter somas bilionárias em alguns fundos não deixa de ser um descaso com o dinheiro público”, diz.

    O argumento dos banqueiros para o cliente sempre foi que é melhor ter alguma remuneração do que não ganhar nada, enquanto na ponta da administração de passivos, tal prática diminui o bolo de depósitos à vista entregue ao Banco Central na forma de compulsório, cita D’Agosto. “De qualquer forma é uma conquista do mercado não ter mais tanto fundo de 3% no varejo”, afirma.

    Com base numa amostra feita na base de dados da Morningstar com fundos com taxas a partir de 3% e mais de 100 cotistas, os maiores patrimônios estão em fundos oferecidos por bancos de varejo, especialmente os públicos pela característica de atender entes municipais, estaduais e federais.

    O Banco do Brasil reúne os valores mais vultosos em três portfólios: o BB Supremo Setor Público, com R$ 51,8 bilhões; o BB 100 FIC, com R$ 10,7 bilhões, destinado a pessoas físicas e jurídicas, além do BB Automático Público, com R$ 13,9 bilhões. Na Caixa aparece o Caixa Prático FIC Público, com outros R$ 13,8 bilhões.

    Entre os bancos privados, o Bram Hiperfundo, uma carteira vendida no varejo e que tem o apelo de premiações periódicas, tinha R$ 2,96 bilhões; o Santander Empresas FIC Público reunia outro R$ 1,06 bilhão; o Santander Classic, R$ 791 milhões, enquanto o Itaú, em oito portfólios diferentes, tinha R$ 1,5 bilhão. No topo das taxas estavam o Banrisul Automático Público FI e o Santander Inteligente FIC Público, com um custo de 5,5% (veja tabela em Taxas de administração caem no varejo).

    Por meio de sua assessoria de imprensa, o Banco do Brasil respondeu que os fundos que aparecem na amostra são de movimentação automática, usados como ferramenta de apoio à gestão de fluxo de caixa para rentabilização de curtíssimo prazo, não sendo comparáveis, portanto, a outros portfólios da instituição destinados a investimentos de fato.

    Odete Bresciani, superintendente da unidade de administração de recursos de terceiros do Banrisul, ressaltou em nota que o fundo com taxa de 5,5% é de curto prazo e possui aplicações e resgates automáticos, de forma a remunerar os saldos remanescentes em conta corrente. Caixa e Bradesco não se manifestaram.

    Os fundos do Santander que integram a lista foram criados na década de 90, numa situação muito distinta de mercado, quando a Selic estava na casa dos 27% ao ano, principalmente para empresas interessadas na conveniência do resgate automático. Todos esses fundos estão, porém, fora da oferta atual, diz Aquiles Mosca, estrategista de investimentos pessoais da Santander Asset Management.

    “São carteiras que nasceram com o propósito de remunerar empresas na conta corrente, nunca foi um instrumento de investimento de longo prazo”, diz. Fechados para captação, com o passar do tempo esses fundos foram esvaziados. Conforme exemplifica, o Classic tinha há três anos cerca de R$ 2,5 bilhões e perdeu mais da metade dos recursos; o Inteligente reunia R$ 854 milhões e encolheu 60%. Nesses portfólios, o banco acaba não promovendo, contudo, mudanças na precificação.

    Num ambiente em que a taxa básica chegou a 6,75% ao ano não se justifica mais ter fundos com taxas elevadas de qualquer natureza, diz o professor Carlos Heitor Campani, do Instituto Coppead de Administração, da UFRJ.

    Fonte: VALOR ECONÔMICO

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