Futuro do dólar depende de BCs e política

    Se o cenário de curto prazo para o dólar parece consensual para as casas de análise globais, no médio prazo saber para aonde caminhará a moeda americana se torna um exercício de futurologia incerta. A fraqueza da divisa dos Estados Unidos deve se manter em um horizonte de semanas, e talvez até por um trimestre – pelo menos enquanto não ocorre um novo movimento no tabuleiro do jogo de política monetária dos Bancos Centrais mais poderosos do mundo.

    A divisa americana passa por um momento de queda ante os principais pares. Isso depois de ter atingido o maior patamar desde 2002 em dezembro. O ICE Dollar Index, que acompanha a variação do dólar em relação a uma cesta com seis das dez moedas mais negociadas no mercado internacional, acumulava queda de 8,9% em 2017 até a sexta-feira.

    Na comparação com o euro, que apresenta a segunda maior liquidez do mercado de Câmbio internacional, o dólar apresenta um recuo de 11,73% no ano. Na sexta-feira, a moeda única encerrou a sessão ocidental na máxima em dois anos diante da divisa americana, em US$ 1,1750.

    O fortalecimento recente do euro veio a reboque primeiro da sinalização do presidente do Banco CentralEuropeu (BCE), Mario Draghi, em 27 de junho na cidade de Sintra, em Portugal, de que a autoridade iria começar antes do previsto a discussão sobre o desmantelamento do programa maciço de compras de ativos, atualmente na casa de € 60 bilhões por mês.

    Analistas e investidores esperam amplamente a extensão do afrouxamento quantitativo (QE, na sigla em inglês), que tem fim marcado para dezembro de 2017. Porém, o que o mercado leu nas entrelinhas dos comentários de Draghi foi a possibilidade de esse prolongamento, na verdade, significar a desaceleração das compras até a zeragem.

    Quase um mês depois, na entrevista coletiva após a decisão de política monetária do BCE, em 20 de julho, o presidente da autoridade europeia adotou um tom mais “dovish”, ou seja, inclinado a manter o afrouxamento por um tempo mais prolongado. Mas incluiu a menção de que a discussão sobre o fim do QE poderia começar “no outono [do Hemisfério Norte]”, ou seja, até outubro.

    As projeções das casas de análise para o par euro/dólar ilustram a dificuldade de se estimar um preço influenciado por variáveis tão distintas quanto a ação dos BCs e os riscos geopolíticos.

    A equipe de estrategistas de Câmbio do Credit Suisse, por exemplo, aponta para um patamar de US$ 1,19 na cotação de euro por dólar em três meses, com avanço para US$ 1,22 em 12 meses. O Morgan Stanley prevê que o euro termine o ano na casa de US$ 1,18, suba para uma máxima de US$ 1,19 no primeiro trimestre de 2018 e depois passe a recuar.

    O Bank of America Merrill Lynch, por sua vez, aposta no sentido contrário. A instituição projeta uma retomada de valorização para o dólar e coloca o par em US$ 1,08 no fim do ano, diante dos atuais US$ 1,17.

    O avanço recente da moeda única representa o avesso do que se discutia no fim de 2016. Na ocasião, analistas concordavam, como trajetória mais provável ao longo de 2017, com a perspectiva de um avanço para a paridade entre as duas principais referências cambiais do mundo.

    De acordo com Athanasios Vamvakidis, chefe global de estratégia para o G-10 (grupo das dez moedas mais negociadas no mundo) do Bank of America Merrill Lynch, apesar de o dólar apresentar neste ano o pior desempenho do grupo e o consenso apontar para mais depreciação pela frente, o mercado tem ignorado variáveis com implicações fundamentais para a moeda americana, como o início do processo de enxugamento do balanço de US$ 4,5 trilhões do Federal Reserve (FedBanco Central dos EUA).

    “Nós ainda não jogamos a toalha em relação [à perspectiva de aprovação] da reforma tributária e do plano de gastos com infraestrutura [nos EUA]”, afirma Vamvakidis. O anúncio dos dois projetos da administração Donald Trump impulsionou o dólar logo após a vitória do republicano na eleição presidencial em novembro do ano passado. Segundo o estrategista do BofA, a possibilidade de o Banco Central anunciar o início do processo de enxugamento do balanço em setembro, bem como ativar o plano até o fim do ano, e a aprovação de uma reforma tributária com cortes significativos de impostos permanecem no cenário base da casa de análise.

    Como o governo Trump vai reagir diante do fracasso do novo projeto para revogar o atual sistema de saúde, o Obamacare, pode também determinar o rumo do dólar no resto do ano, considera Hans Redeker, o estrategista e chefe global de estratégia de Câmbio do Morgan Stanley.

    De acordo com Redeker, se o governo preferir focar apenas na batalha pelo teto de endividamento para evitar a paralisação da administração federal, o resultado seria positivo para os mercados de risco, mas manteria a pressão de venda sobre o dólar.

    “Um segundo cenário seria a administração se virar para a reforma tributária. De início, os mercados voltariam para o ‘trade’ do fim do ano passado”, afirma, o que daria suporte a um dólar mais forte. Outra possibilidade, pondera o estrategista, seria uma virada para a adoção de mais medidas protecionistas. “Essas opção, ao contrário da reforma tributária, não precisaria do suporte legislativo.” O resultado também seria uma retomada da pressão de subida do dólar.

    Fonte: VALOR ECONÔMICO

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