A venda generalizada de ações observada da segunda quinzena de outubro para cá resulta de uma inversão do fluxo externo para a bolsa brasileira, na esteira de uma realização de lucros em ativos de risco, com os mercados emergentes nesse bolo. Mas, por ora, gestores de recursos e alocadores não enxergam nesse movimento uma mudança nos fundamentos para a renda variável brasileira e há quem tenha aproveitado a temporada de “liquidação” para comprar ações que consideravam caras. Outros têm adicionado algumas proteções à carteira, a fim de enfrentar a volatilidade de curto prazo.
“Começou no Câmbio e se espalhou para ativos de risco em geral. É claro que a discussão em torno da [reforma] da Previdência não ajuda, mas foi um movimento que se viu no mundo todo, não foi isolado no Brasil”, diz Paola Bonoldi, responsável pelas estratégias de renda variável da gestora do J.P. Morgan ao lado de Magali Bim. “Muito disso é em função do efeito calendário porque tem muito lucro na mesa.”
Em outubro e novembro, até o dia 10, o capital externo tirou R$ 4,3 bilhões da bolsa brasileira. No ano, o saldo ainda estava positivo em R$ 12,9 bilhões. Em dólar, o Ibovespa sobe 22,7% neste ano.
O que alimenta uma visão ainda positiva para o mercado de ações no Brasil – a despeito da queda do Ibovespa de mais de 6 mil pontos desde a máxima intradia de 13 de outubro – é a recuperação econômica que se consolida mês a mês, afirma Magali.
Ela lista a reação do mercado de trabalho, a inflação comportada que possibilita ao Banco Central (BC) manter o juro em nível mais baixo e a recuperação da receita da maior parte das empresas, que se nota tanto no segmento industrial quanto no de consumo. “Um aumento de receita acaba sendo desproporcional em relação ao lucro dada a alavancagem operacional das empresas que fizeram ajustes de custos nos últimos anos”, diz Magali.
Paola acrescenta que com mais da metade dos resultados do terceiro trimestre divulgados, os números ou confirmaram as expectativas dos analistas ou vieram até melhores do que o esperado. “Não são números fantásticos, mas corroboram a tese de retomada gradual.”
A gestora ressalva que o bom andamento do cenário externo será essencial para que prevaleça o tom positivo e uma retomada de fluxo para os emergentes e a bolsa local. A percepção da casa é que a alta de Juros nos EUA será gradativa e que o crescimento global ainda vai ser um bom pano de fundo.
Na terça-feira antes do feriado da República, o Ibovespa recuou 1,87%, aos 71.555 pontos, e uma das justificativas foi a inflação nos Estados Unidos, medida pelo CPI, que veio acima do esperado. O pregão foi dominado pela venda de ações da Petrobras.
As gestoras do J.P. têm aproveitado esses dias de correção para fazer algumas realocações na carteira. “Temos visto a oportunidade de investir em setores que não tínhamos entrado e perdido o rali, caso de indústria e bens de capital”, prossegue Magali. Iochpe e Tupy foram algumas das escolhas para a carteira. Os segmentos de consumo e consumo discricionário também estão no radar, com papéis como Smiles, Lojas Renner e Magazine Luiza, ou Kroton no ramo de educação. Tradicionalmente, no fundo de ações, as gestoras ficam com pouco caixa, com 90% do patrimônio investido, e isso não mudou.
Em linhas gerais, o cenário traçado pelos gestores de multimercados e fundos “long-biase” (que calibram a exposição líquida em bolsa) em relação ao mercado local segue otimista, principalmente por conta da recuperação da atividade e a confiança em curso, com a inflação controlada, que tem permitido o corte de Juros pelo BC, diz Gustavo Pires, sócio responsável pela plataforma de fundos da XP Investimentos. A melhora dos lucros das empresas tem pesado nessa leitura.
Mas, à medida que as definições acerca da Reforma da Previdência e as eleições tomam corpo, as incertezas tendem a aumentar. “Dessa forma, vimos poucos gestores aproveitando a queda da bolsa para aumentar sua posição”, descreve Pires. “De maneira geral, estão mantendo as alocações, e adicionando proteções para se defender de ruídos de curto prazo.”
Os gestores de ações com estratégia long-biased já vinham com uma atuação um pouco mais defensiva antes da virada de preços observada nas últimas semanas, diz Dennis Kac, sócio da gestora de patrimônio Brainvest.
Responsável pela seleção dos fundos com melhor relação risco/retorno para seus clientes, o executivo afirma que os gestores que costuma acessar estão mais próximos de uma exposição líquida comprada de 50% em bolsa.
“Desde a segunda quinzena de outubro, os gestores já mostravam uma posição mais defensiva, então a realização de mercado já pegou esses fundos mais preparados para um cenário adverso.” Como alocador, Kac defende que os investidores mantenham uma posição estrutural em bolsa.
A Quantitas, em seu relatório mensal de fundos, comenta manter a visão positiva para a bolsa brasileira, com boa parte das empresas do portfólio sinalizando consistente recuperação de vendas, geração de caixa e lucro. A avaliação da casa é que o quarto trimestre será igualmente forte. A gestora mantém o equilíbrio entre ações de crescimento, caso de Guararapes, CVC, Movida e Multiplan, e companhias com perfil de valor, como Grendene, M.Dias Branco e Braskem. No seu multimercado, a Quantitas tinha posições táticas na compra do Ibovespa futuro.
Além de pinçar as oportunidades no secundário, as gestoras do J.P. têm avaliado todas as ofertas iniciais de ações (IPO, na sigla em inglês) que chegaram ao mercado. Incluíram no portfólio casos como Hermes Pardini e IRB, e estão de olho naquelas operações que aparecem na fila. “Apesar do mercado forte, a gente não viu os IPOs saindo num preço muito alto, completamente fora do razoável, como foi em 2013, no boom mercado, em que não sobrava retorno para o minoritário”, diz Paola. “Algumas ofertas foram recusadas não pela qualidade do ativo, mas pelo preço que o controlador queria vender.”
O poder de barganha está nas mãos dos investidores e deve prosseguir assim até o fim do ano, acrescenta Magali. “É uma safra que veio com bons ativos, tem sido uma boa oportunidade de gerar alfa [retorno] para a carteira.”
Do lado político, a leitura é que com a economia indo bem são boas as chances de um candidato mais favorável a reformas ser alçado à presidência da República. Pode vir muito ruído daí, com cada pesquisa eleitoral trazendo mais tempero para a gestão. “Vai ser mais volátil, mas vai ter mais oportunidade”, afirma Magali.
Fonte: VALOR ECONÔMICO