Governo avalia corte de benefícios de servidores, que hoje custam R$ 13 bi

    Autor: Adriana Fernandes e Idiana Tomazelli / BRASÍLIA

    Ajuste fiscal. Segundo estudo do Ministério do Planejamento, gasto com auxílios concedidos a funcionários públicos dos três Poderes é de R$ 16,6 bilhões ao ano, mas equipe econômica só pode mexer na conta do Executivo, que hoje soma R$ 12,9 bilhões

    A criação de um programa de demissões voluntárias para servidores do Executivo é apenas uma das ações em preparação pelo governo para enxugar gastos com pessoal. O próximo alvo serão os benefícios que complementam salários e consumiram R$ 16,6 bilhões em 2016, segundo dados do Ministério do Planejamento. O cálculo leva em conta nove tipos de auxílios pagos a servidores de todos os Poderes (Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público da União e Defensoria da União), entre eles alimentação, transporte, moradia e assistência médica. Nem tudo será reavaliado no início porque o Executivo não pode interferir nas

    despesas dos outros Poderes. Mas só os benefícios do Executivo consumiram R$ 12,9 bilhões. A despesa com pessoal é o segundo maior grupo de despesas do Orçamento, atrás apenas dos benefícios pagos pelo INSS.

    Os auxílios concedidos aos servidores públicos estão na mira do governo e podem ser os próximos alvos no plano da equipe econômica de enxugar os gastos com pessoal. Esses benefícios, que complementam os salários do funcionalismo, consumiram R$ 16,6 bilhões no ano passado, segundo dados do Ministério do Planejamento obtidos pelo ‘Estadão/Broadcast’.

    O cálculo leva em consideração nove tipos de auxílios pagos a servidores dos todos os Poderes (Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público da União e Defensoria da União), como alimentação, transporte, moradia e assistência médica. Nem tudo poderá ser reavaliado agora porque o Executivo não pode interferir nas despesas dos outros Poderes. Mas só os benefícios do Executivo custaram R$ 12,9 bilhões no ano passado.

    “O servidor público tende a ganhar uma remuneração muito maior, especialmente na União, em relação ao salário médio da iniciativa privada”, diz o assessor especial do Ministério do Planejamento, Arnaldo Lima Júnior. Ele coordena o Comitê de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas, criado para analisar gastos de diversas áreas e que prepara propostas para garantir mais recursos ao caixa da União.

    Um benefício que pode ser afetado é o auxílio-moradia, que custou R$ 900 milhões em 2016. “Às vezes a pessoa fica muito tempo em uma cidade e mantém o auxílio-moradia. Isso é sujeito, sim, a uma avaliação”, disse Lima Júnior. “Não temos como antecipar nenhuma medida, mas não há como negar que estamos reavaliando.”

    A discussão de novas medidas de ajuste nas despesas de pessoal ganhou força porque não há mais espaço para o governo cortar em outras áreas. Também está na pauta o adiamento dos reajustes dos salários dos servidores do Executivo em 2018.

    O gasto com pessoal é o segundo maior grupo de despesas do Orçamento, após os benefícios do INSS. Como a Reforma da Previdência ainda não foi aprovada ainda pelo Congresso, o governo está tendo de atacar outras áreas. Enquanto os gastos totais com pessoal da União cresceram 3,2% acima da inflação de 2012 a 2016, os benefícios tiveram crescimento real de 23% nesse período.

    O diretor da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira (Conorf) da Câmara dos Deputados, Ricardo Volpe, afirma que, em muitos casos, a lei não é seguida ao pé da letra. “Se fosse, o auxílio-moradia só seria pago para membro ou servidor que está trabalhando fora do seu local de lotação.”

    Proporção. Apesar de os benefícios a servidores do Executivo representarem o maior gasto absoluto em auxílios, nos demais Poderes eles consomem uma proporção maior em relação à despesa total com pessoal. No Ministério Público da União (MPU), os auxílios abocanham 13,51% dos gastos totais. Esse porcentual é de 10% na Defensoria Pública da União (DPU), de 9,85% no Judiciário e de 6,98% no Legislativo. A menor proporção do gasto com auxílios em relação à despesa com a folha de pagamento é justamente do Executivo, de 5,89%.

    Muitos desses complementos têm feito com que servidores acabem ganhando acima do teto do funcionalismo, que é de R$ 33.763 (remuneração de ministro do STF). Já existem propostas de lei para incluir no cálculo do teto alguns desses auxílios. Elas tramitam no Congresso, mas não avançam diante da resistência das categorias.

    Em meio à restrição fiscal, os parlamentares inclusive aprovaram uma alteração no projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2018 para permitir reajuste, acima da média dos demais Poderes, nos auxílios alimentação e transporte do Legislativo.

    Embora o Executivo não possa interferir nos gastos dos demais Poderes, o assessor especial do Ministério do Planejamento lembrou que todos estão sujeitos, a partir deste ano, ao teto de gastos – que limita a expansão de despesas à inflação do ano anterior. E que os auxílios são classificados como despesas de custeio. “Se nada for feito, as despesas obrigatórias acabam comprimindo o espaço das despesas de custeio, que são também importantes para a prestação de serviços públicos com qualidade.”

    A regra do teto de gastos prevê um prazo de três anos em que o Executivo poderá compensar eventual estouro do limite pelos demais poderes. Mas o TCU está cobrando desde já um plano de medidas dos órgãos para evitar que, passado esse prazo, os poderes continuem desenquadrados, infringindo a regra constitucional.

    Distorção. O presidente da Confederação Nacional dos Servidores Públicos (CNSP), Antonio Tuccilio, afirma que o governo não pode concentrar o ajuste só no funcionalismo e que há muita coisa para ser cortada, como desonerações tributárias. No entanto, ele reconhece que há uma parcela de servidores com “privilégios”, como parlamentares, juízes e integrantes do Ministério Público. “Tem uma distorção muito grande, e o povo fica contra servidor por essas coisas que acontecem com um grupo de privilegiados.”

    Auxílios são maiores no Judiciário e Legislativo
    Pagamento de vale-alimentação a funcionários do Senado Federal e do TCU é de quase R$ 1.000 por mês

    Os auxílios concedidos a servidores do Legislativo, Judiciário, Ministério Público da União e Defensoria Pública da União estão imunes à revisão de gastos do governo, que só pode mexer nas despesas do Executivo. É por isso que a área econômica não pode interferir em itens como o adicional de férias do Judiciário, que é concedido duas vezes por ano, ao custo de R$ 500 milhões, enquanto trabalhadores da iniciativa privada têm direito a apenas uma bonificação a cada 12 meses.

    No caso do auxílio-alimentação, o valor pago mensalmente a servidores do Executivo é de R$ 458. No Judiciário, o benefício, que foi atualizado no ano passado, é de R$ 884 mensais. Já no Tribunal de Contas da União (TCU), essa cifra chega a R$ 982,10 por mês, valor próximo ao do Senado Federal, que é de R$ 982,28.

    A mesma diferença é observada no valor de outro benefício pouco comum para a maioria dos trabalhadores, o auxílio pré-escolar. No Executivo, o valor é de R$ 321. No Judiciário, sobe para R$ 699, chegando a R$ 768,90 no TCU ea R$ 831,19 no Senado.

    Procurado, o Senado apenas detalhou os valores, mas não justificou por que eles são mais altos do que os pagos aos funcionários do Executivo.

    Já o TCU informou que o secretário-geral de administração é o responsável por, “em conformidade com autorização constante da Lei de Diretrizes Orçamentárias do ano, reajustar o benefício até o limite do IPCA do ano anterior”. “O valor do benefício no TCU segue o valor do Poder Legislativo”, informou o órgão.

    A reportagem solicitou ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) valores totais desembolsados com auxílios do Judiciário e o benefício individual, mas a entidade disse que não tinha esses dados disponíveis.

    A concessão de benefícios em valor superior pelos demais Poderes contribui para que esses auxílios tenham um peso maior no total do gasto com pessoal em cada um desses órgãos. Além disso, alimenta uma disparidade entre as carreiras da União.

    TCU ainda registra, em documento oficial, o pagamento individual de R$ 1.081,73 ao mês em auxílio-transporte a quatro funcionários do órgão. Em resposta, o órgão informou não ter localizado o “valor específico”, mas disse que faz o ressarcimento por quilômetros rodados quando o servidor utiliza veículo próprio para trabalhos externos.

    Os auxílios pagos a servidores do Judiciário e do Ministério Público também pesam no Orçamento federal. No caso do auxílio-moradia – um dos benefícios na mira do governo federal –, cerca de um terço do gasto total de 2016 foi destinado ao Judiciário.

    O valor, pouco mais de R$ 320 milhões, supera inclusive as despesas do Ministério das Relações Exteriores (MRE), que tem diplomatas e representantes consulares e consumiu R$ 228 milhões em auxílio-moradia em 2016, segundo dados compilados pela Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira (Conorf), da Câmara dos Deputados. / I.T. e A.F.

    4 PERGUNTAS PARA…
    José Roberto Afonso, pesquisador do Ibre/FGV

    1. Há espaço para o governo rever o pagamento de auxílios para servidores? 
    Sempre há espaço para avaliar quaisquer ações e contas de um governo. A Constituição prevê que até mesmo haja demissão em casos de má avaliação de servidores.

    2. Qual é a importância de atacar esse gastos? 
    Importa o símbolo de que qualquer gasto público deve ser acompanhado e avaliado – e, se for o caso, reduzido. Servidor não é intocável, mas importa qualificar o objetivo de otimização da administração pública. O governo federal tem mais de 99 mil cargos e muito (dessa quantidade) decorre de uma enorme quantidade de órgãos.

    3. A que o sr. atribui a discrepância de benefícios entre poderes?
    É natural que hajam discrepâncias nas folhas salariais entre poderes e órgãos públicos, a depender da qualificação e habilidades exigidas de cada cargo. Isso não dispensa avaliação sistemática de cada uma das formas de rendas pagas aos servidores.

    4. O governo deve temer a reação do funcionalismo? 
    Governar é enfrentar resistências.

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