O governo Jair Bolsonaro (PL) estuda a possibilidade de elevar o salário máximo de delegado da Polícia Federal para o teto do funcionalismo público, atualmente em R$ 39.293,92 —o mesmo de um ministro do STF (Supremo Tribunal Federal).
De acordo com integrantes do governo que participam das negociações, os valores ainda não foram fechados, e é provável que as definições ocorram só em janeiro. Será necessário acomodar demandas dos policiais dentro que for disponibilizado no Orçamento de 2022.
O Ministério da Justiça chegou a pedir reserva de R$ 2,9 bilhões para implementar o reajuste para as corporações policiais do governo federal —entre elas PF, PRF (Polícia Rodoviária Federal) e Depen (Departamento Penitenciário Nacional).
No entanto, o relator do Orçamento de 2022, deputado Hugo Leal (PSD-RJ), destinou valor menor, de R$ 1,7 bilhão, para aumentos salariais. Por isso, o governo passa agora a analisar o que cabe nesse espaço.
O pedido de reajuste foi feito diretamente por Bolsonaro, após o relator resistir à inclusão da reserva orçamentária. O presidente busca manter apoio entre os integrantes de sua base eleitoral conforme o calendário da disputa pelo Planalto em 2022 se aproxima.
Hoje, delegados da PF ganham entre R$ 23.693 e R$ 30.937 e, com a reestruturação, os vencimentos ficariam de R$ 28.889 a R$ 39.293. Portanto, o aumento em análise seria de até 27%.
O aumento ficaria bem acima da inflação oficial acumulada, medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), que foi de 19,1% desde janeiro de 2019 —quando os policiais tiveram o último reajuste.
Um senador ou deputado, por exemplo, ganha R$ 33.763 por mês. O presidente da República recebe R$ 30.934,70 —Bolsonaro, porém, acumula outros benefícios e recebe, por mês, R$ 41,6 mil.
Integrantes do serviço público conseguem receber valores acima do teto do STF porque recursos como auxílio-moradia, auxílio-educação e auxílio-creche, por exemplo, podem ficar fora desse limite.
Neste ano, o Congresso discutiu a inclusão de parte dos benefícios no teto salarial, mas a proposta não foi adiante.
Os policiais quase ficaram sem indicativo de reajuste no próximo ano, porque o Ministério da Economia havia mandado pedido de reserva dos recursos, mas sem apontar uma compensação orçamentária.
A situação gerou uma disputa dentro do governo e no Congresso, e fez com que integrantes do Ministério da Justiça, em especial o ministro Anderson Torres, passassem o fim de semana em reuniões para destravar a proposta.
Quando os defensores do reajuste no governo perceberam que poderiam ter perdido a fatia do Orçamento e acionaram Bolsonaro, as tratativas avançaram. O presidente ligou e fez o pedido de reajuste para o relator.
As categorias fazem parte da base de apoio de Bolsonaro, que deverá disputar reeleição. Segundo o Datafolha, ele aparece em segundo nas intenções de voto, com 22%, contra 48% do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em cenário de primeiro turno.
A última parcela de reajuste salarial concedida aos policiais entrou em vigor no início de 2019, por força de uma lei aprovada ainda no governo Michel Temer (MDB).
Como mostrou a Folha, porém, um milhão de servidores públicos estão sem reajuste há cinco anos. São categorias que estão na base da pirâmide de salários no Executivo federal e tiveram o último aumento em 1º de janeiro de 2017.
O governo chegou a estudar a possibilidade de conceder aumento para todas as carreiras em ano eleitoral. No entanto, diante da falta de recursos, rapidamente foi necessário escolher algumas poucas categorias, com preferência àquelas mais próximas de Bolsonaro.
O pedido para beneficiar os policiais veio do próprio presidente na época, segundo relatos. O cálculo feito pelo Planalto é que, se fosse dado reajuste a todos os servidores, a porcentagem seria tão baixa que o ganho político seria zero.
Mesmo assim, a estratégia de dar reajuste a poucos gerou protestos de outras carreiras que fazem parte da elite do funcionalismo do Executivo federal.
Nesta terça-feira (21), auditores da Receita Federal, por exemplo, começaram um movimento de entrega de cargos após governo e aliados terem cortado recursos do órgão.
“O corte orçamentário na Receita será usado para custear aumento dos policiais”, afirmou Kleber Cabral, presidente do Sindifisco (Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita).
Ao menos 20 auditores já pediram exoneração, entre titulares e substitutos das chefias de equipes de fiscalização.
Além do corte de recursos para o funcionamento da Receita em 2022, os auditores protestam contra a falta de regulamentação do bônus de eficiência para a categoria.
Os auditores recebem o bônus de eficiência desde 2017, após o instrumento ter sido instituído por lei. Mas a previsão legal é que ele seja variável conforme a produtividade do órgão.
Hoje, não há regulamentação sobre essa flutuação, e os auditores demandam um ato ou decreto do governo para que a mudança saia do papel.
Para ser variável, diz Cabral, os valores previstos no Orçamento teriam de aumentar para o valor máximo previsto em bônus para a categoria —o que representa R$ 400 milhões a mais do que o previsto hoje.
Os salários mensais da Receita são de R$ 11.684,39 para os entrantes no cargo de analista tributário. Assim como na PF, a remuneração está longe do ganho médio de admissão na iniciativa privada brasileira (que não passa de R$ 2.000). No topo da carreira, a remuneração dos auditores chega a R$ 30.303,62.
A insatisfação com o aumento dos policiais alcança outras categorias.
Fábio Faiad, presidente do Sinal (Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central), diz que a medida traria uma assimetria injusta porque os salários iniciais de policial federal seriam maiores que os valores de final de carreira dos servidores do BC.
Bolsonaro busca os aumentos para os policiais enquanto é investigado pela PF em inquéritos abertos pelo STF. No mais recente, a apuração mira falsa associação feita pelo presidente entre o vírus da Aids e a vacina contra a Covid-19, durante transmissão semanal nas redes sociais.
Fonte: Folha de São Paulo