Governo lança pacote mais realista, mas ainda ´inflado´

    O programa de concessões anunciado ontem pela presidente Dilma Rousseff compreende 11 novos trechos de rodovias, quatro aeroportos (Porto Alegre, Florianópolis, Salvador e Fortaleza), cinco ferrovias e um leque de terminais portuários. A lista de obras selecionadas combina realismo e pretensão. A segmentação das rodovias em lotes menores revela um governo mais pragmático. Já a inclusão da ferrovia Bioceânica, ao custo estimado de R$ 40 bilhões, incorre na mesma estratégia do plano lançado em 2012: incluir projetos que ainda não possuem estudo de viabilidade. Contando com a Bioceânica, cujos estudos só devem ser entregues pelo governo da China em maio de 2016, o pacote de concessões soma investimentos previstos de R$ 198,4 bilhões. 

    A conclusão da ferrovia Norte-Sul, segundo ministro ouvido pelo Valor, é prioridade. “Temos que transformar a Norte-Sul numa máquina de gerar riqueza”, disse ele, acrescentando que faz sentido o BNDES colocar recursos para completar uma obra que já dura 30 anos e na qual o governo já pôs muito dinheiro. 

    Quanto à Bioceânica, esse ministro alega que é projeto de interesse geopolítico do governo chinês, que tem vê na obra uma forma de não ter uma total dependência do Canal do Panamá, controlado pelos Estados Unidos. O governo brasileiro, disse, tem que garantir que os trabalhadores e os equipamentos sejam locais e que as regras de utilização da ferrovia sejam definidas pelo Brasil. “O interesse chinês é genuíno. É só ver como estão investindo em todas as áreas da economia nacional, de bancos a empresas de infraestrutura.” 

    Os seis lotes de rodovias concedidos à iniciativa privada em 2012 tinham extensão média de 812 km, mais do que o dobro dos 11 novos trechos apresentados ontem, que têm 397 km, em média. Por trás dessa redução está a constatação de que lotes menores podem atrair o interesse de construtoras de menor porte quando as grandes empreiteiras estão sob investigação da Lava-Jato. 

    Outra medida que visa aumentar o interesse do setor privado pelas estradas federais é a queda da exigência de que a duplicação dos trechos concedidos tenha que ser feita, no máximo, em cinco anos. Em abril deste ano, o Valor revelou que estava em análise a adoção do modelo de “gatilho”, pelo qual a duplicação só precisa ser feita quando a rodovia atinge determinado volume de fluxo de veículos. “O que vai definir o prazo de duplicação são os estudos”, disse o ministro dos Transportes, Antonio Carlos Rodrigues. Segundo Nelson Barbosa, do Planejamento, isso será definido caso a caso. “(O plano) foi um movimento genuíno do governo para as concessões funcionarem e tivemos uma abordagem flexível”, disse o ministro. 

    O mesmo pragmatismo conferido ao modelo para as rodovias não se reproduz nas ferrovias, na avaliação dos especialistas. Foram incluídos trechos colocados em licitação em 2012 e que não foram concedidos por falta de interesse de empresas privadas. Eram projetos de baixa viabilidade técnica e financeira. O pacote de ferrovias tem investimentos estimados de R$ 86,4 bilhões. Destes, a obra que ligaria o oceano Atlântico ao pacífico, produto de acordo entre a China, o Brasil e o Peru, representa quase a metade somente no trecho em território nacional, que teria 3,5 mil km. O dinheiro viria de investidores chineses interessados em uma nova rota de escoamento dos grãos do Centro-Oeste brasileiro para a China. 

    Outros R$ 20,5 bilhões de investimentos se referem a estradas de ferro que já estavam previstas na versão anterior do programa de concessões e que não saíram do papel. São os casos da ferrovia Barcarena (PA)-Açailândia (MA), do trecho da Norte-Sul entre Anápolis (GO) e Três Lagoas (MS) e da ferrovia entre o Rio de Janeiro e Vitória. 

    Faltaram informações sobre como serão feitas as licitações dessas ferrovias. O ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, disse apenas que o modelo de concessão será “aperfeiçoado”, como vistas a aprimorar a concorrência entre os operadores. Estão previstos dois sistemas de concorrência: maior outorga onerosa e compartilhamento de investimento. 

    Nos portos, o governo também repetiu anúncios do passado. O primeiro bloco de concessões, aprovado pelo Tribunal de Contas da União(TCU) após um ano e meio, ajudou a engrossar a apresentação de ontem. Ao todo, o governo anunciou a intenção de licitar os arrendamentos de 50 terminais, com investimentos estimados de R$ 11,9 bilhões. Também fazem parte do pacote as autorizações para a construção de 63 terminais privados, com aporte previsto de R$ 14,7 bilhões, e as renovações antecipadas de 24 contratos de arrendamento, com investimento de R$ 10,8 bilhões. 

    De acordo com Nelson Barbosa, a licitação de 29 áreas em Santos e no Pará vai ser dividida em duas etapas. Estão incluídos na primeira cinco terminais de grãos no Pará e um em Santos, além de dois terminais de celulose no porto do litoral paulista. Nas mesmas localidades, a segunda etapa contempla seis terminais de granéis, três de cargas gerais e 12 de combustíveis. Todas essas concessões devem gerar, segundo o governo, R$ 4,7 bilhões em investimentos. 

    Não houve grandes surpresas no anúncio dos aeroportos. As concessões de Salvador, Porto Alegre, Florianópolis e Fortaleza já havia sido confirmada pelo governo, que divulgou ontem a expectativa de investimentos de R$ 8,5 bilhões para esses terminais. Os aportes serão concentrados, basicamente, em obras de ampliação das pistas, dos pátios e terminais de passageiros. Foram incluídos no anúncio sete aeroportos regionais, sendo seis no Estado de São Paulo e um em Goiás. Os terminais devem receber R$ 78 milhões em investimentos privados, segundo projeção do governo. 

    Presente à solenidade, o ministro da Secretaria de Aviação Civil, Eliseu Padilha, confirmou que as atuais concessionárias de aeroportos poderão participar dos leilões, mas terão que respeitar uma distância pré-estabelecida dos aeroportos que já administram. Por exemplo, a concessionária do aeroporto de Natal não poderá disputar a concessão de Salvador, mas pode disputar Porto Alegre. 

    As novas concessões vão marcar uma presença bem menor da Infraero, que deverá ter 15% de participação nos consórcios. Padilha também confirmou a criação de três subsidiárias da estatal. Uma delas, a Infraero Serviços, nascerá de uma parceria com a operadora alemã Fraport para cuidar dos aeroportos regionais. Outra, a Infraero Participações, concentrará as fatias acionárias dos aeroportos privatizados – que foi de 49% nos terminais de Guarulhos (SP), Viracopos (SP), Brasília, Galeão (RJ) e Confins (MG). Uma terceira ficará com a parte de navegação aérea. (Colaboraram Edna Simão, Francisco Góes, Leandra Peres e Lucas Marchesini)

     

    Fonte: Valor Econômico

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