O quadro que surgiu dos dados divulgados pela Receita Federal na terça-feira mostra um país em recessão. Todos os tributos federais tiveram queda real de arrecadação em fevereiro, exceto o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), simplesmente porque ele teve sua alíquota sobre o crédito às pessoas físicas elevada de 1,5% para 3%.
O cenário mais pessimista para o comportamento da receita neste ano está se realizando. Diante da impossibilidade de redução significativa das despesas obrigatórias, começa a cristalizar um entendimento na área técnica de que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, não conseguirá entregar a meta de superávit primário de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano sem um novo pacote de aumento de impostos ou criação de novos.
A dramaticidade da situação levou a Receita Federal a se tornar mais transparente. Ao divulgar o seu relatório de arrecadação, o órgão costumava informar apenas o valor das chamadas receitas extraordinárias, ou seja, aquelas que não são previsíveis e que não se repetem. Para usar o jargão técnico, receitas que não são recorrentes. Cabia ao leitor do relatório deduzir qual seria o total da arrecadação sem esse ganho extra e imaginar se os números divulgados estavam de acordo com a real situação da atividade econômica do país.
A receita do início deste ano mostra uma país em recessão
Uma receita tributária precisa ser analisada com a exclusão de fatos extraordinários, sejam favoráveis ou desfavoráveis, pois eles impedem que se identifique a tendência da arrecadação e se ela está de acordo com os indicadores da economia, como o nível de emprego, as vendas de bens e serviços, a produção industrial, etc.
Ao divulgar o resultado de fevereiro, pela primeira vez, o fisco federal fez questão de excluir de suas contas uma receita extraordinária de R$ 4,6 bilhões decorrente de uma operação entre o Banco do Brasil e a credenciadora de cartões de crédito Cielo. O órgão fez todas as contas com e sem essa receita extraordinária e chamou a atenção de todos para o fato de que a arrecadação de tributos federais está “aquém dos patamares desejados”, segundo palavras do chefe do Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros, Claudemir Malaquias. Ontem, o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, em reunião com parlamentares na Câmara dos Deputados, também enfatizou os resultados ruins da arrecadação.
Alguns ficaram com a impressão de que Rachid colocou um tempero a mais no prato, com o objetivo de convencer os deputados da necessidade do ajuste fiscal. O fato, no entanto, é que a receita do primeiro bimestre deste ano está realmente abaixo das previsões iniciais, principalmente porque o governo trabalhava com a perspectiva de algum crescimento da economia em 2015. O consenso do mercado, expresso no boletim Focus editado pelo Banco CENTRAL, é de uma queda da atividade econômica próxima de 1%.
O cenário da própria Receita para os próximos meses, portanto, é de piora da arrecadação, embora as medidas tributárias já adotadas pelo governo, como o aumento do PIS/Cofins sobre os combustíveis, começarão a surtir efeitos a partir de março. A piora da arrecadação tende a ocorrer porque, em um quadro recessivo, a primeira vítima é sempre o pagamento do tributo. A recessão eleva o nível de inadimplência das empresas. Os especialistas em tributação dizem que quando o PIB cai, a receita dos impostos despenca em velocidade ainda maior.
O ajuste nas contas públicas que o governo pretende realizar é muito grande, pois parte de um déficit de 0,63% do Produto Interno Bruto (PIB) registrado em 2014 para uma meta de superávit primário de todo o setor público de 1,2% do PIB neste ano – um esforço de 1,83% do PIB. No caso da União, o esforço será de 1,4% do PIB, pois o governo central (que compreende o Tesouro, a Previdência e o Banco CENTRAL) parte de um déficit primário de 0,4% do PIB no ano passado para uma meta de superávit primário de 1% do PIB.
O feito é comparado com aquele realizado em 1999. No ano anterior, o governo central tinha registrado um superávit primário de 0,6% do PIB e terminou 1999 com 2,3% do PIB – um esforço fiscal de 1,7% do PIB. Para alcançar isso, o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel conseguiu elevar a arrecadação da União em 0,5 ponto percentual do PIB. A receita total aumentou 14,8% em termos nominais. A inflação daquele ano, medida pelo IPCA, foi de 8,9%. Houve, portanto, uma forte elevação real da receita. Naquela época, o governo também reduziu as despesas do Tesouro, que caíram um ponto percentual do PIB em relação às realizadas em 1998.
O problema deste ano é que a receita de tributos federais está em queda, tendo registrado uma redução real de 3,07% no primeiro bimestre, na comparação com igual período de 2014. O dado mais preocupante é a queda real da arrecadação da Previdência Social em janeiro e fevereiro, refletindo não apenas a desaceleração da economia, mas também a perda com a desoneração da folha, que tende a aumentar com a redução do faturamento das empresas.
Nunca ocorreu um ajuste fiscal no Brasil sem aumento expressivo da receita. Em outras palavras, desde 1999 nenhum governo conseguiu reequilibrar suas contas apenas com o corte de despesas. Um exercício feito pelo Valor, com a ajuda de alguns especialistas em finanças públicas, mostra que se o governo conseguir alcançar neste ano, em termos reais, a mesma receita líquida total em 2014, mesmo assim terá que fazer um contingenciamento superior a
R$ 100 bilhões no Orçamento aprovado pelo Congresso Nacional para cumprir sua meta de superávit primário de R$ 55 bilhões. Isto porque a nova versão do Orçamento aprovada na semana passada elevou as despesas discricionárias em R$ 22 bilhões.
Os investimentos seriam reduzidos à terça parte do que estão orçados, considerando ser possível cortar as despesas projetadas para educação e saúde e outras áreas sociais. Como uma redução dessa magnitude do Orçamento é politicamente quase impossível de ser realizada, a meta fiscal deste ano só poderá ser alcançada se a arrecadação de 2015 for muito superior à de 2014, o que pressupõe mais um pacote de elevação de impostos.
As propostas que começam a ser ventiladas dizem respeito à harmonização da tributação do mercado financeiro e a recriação da famosa CPMF, o imposto dos cheques. Resta saber se há condições política para a aprovação do pacote.
Ribamar Oliveira é repórter especial e escreve às quintas-feiras
E-mail: ribamar.oliveira@valor.com.br
Fonte: Valor Econômico