Alex Ribeiro | De Brasília
Acusado de excesso de conservadorismo na condução da política monetária, o Banco Central está se socorrendo da literatura econômica para provar que não é culpado pela queda da inflação a patamares perigosamente próximos do piso da meta em 2017.
O presidente da instituição, Ilan Goldfajn, passou a citar nos seus discursos três trabalhos acadêmicos para sustentar a tese de que, sem uma política austera de Juros em fins do ano passado, a recessão sozinha não teria sido capaz de controlar a inflação. A estabilização e retomada gradual da economia, sustenta, talvez nem tivesse ocorrido.
O argumento do chefe do BC é que, apesar de uma recessão acumulada de 7% em dois anos, a inflação inicialmente recuou muito pouco e devagar, passando de 10,7% em 2015 para 9% no período de 12 meses até agosto de 2016. Depois de o BC ancorar as expectativas, afirma ele, a inflação passou a cair mais significativamente. Um ano depois, porém, em agosto de 2017, havia chegado a apenas 2,46%, ameaçando furar o piso da meta, de 3%, estabelecido para este ano.
“Apesar de a recessão ter se iniciado há mais de dois anos, a inflação resistiu até o terceiro trimestre do ano passado”, vem repetindo Ilan. “A estratégia de política monetária de ancorar [as expectativas de inflação] antes de flexibilizar [a política de Juros] pode ter contribuído para mudar o binômio inflação e recessão para o de desinflação e recuperação.”
Para racionalizar essa mudança de cenário, Ilan destaca um trabalho acadêmico de três economistas do Federal Reserve (Fed, o Banco Central americano) de Atlanta que mostra como, num ambiente de incertezas sobre o controle da inflação, as empresas tendem a elevar os preços mesmo com a perspectiva de perder vendas com a recessão.
O Fed de Atlanta publica, desde 2011, uma pesquisa de expectativas de inflação de empresas, uma das raras no mundo todo. Por falta de dados como esses, normalmente os BCs usam as expectativas de inflação dos analistas do mercado em seus modelos de previsão de inflação. Mas, em geral, reconhecem que as expectativas que realmente importam são as das empresas – que, afinal, tomam as decisões sobre preços.
Para entender como as incertezas sobre o futuro podem levar à inflação alta, portanto, é preciso investigar como as empresas formam suas expectativas e definem preços. Os economistas Michael Bryan, Brent Meyer e Nicholas Parker examinaram os dados da pesquisa do Fed de Atlanta e concluíram que as firmas definem preços a partir dos custos esperados, aos quais acrescentam uma margem.
Os economistas também constataram que, quando a incerteza sobre o futuro é grande, as empresas costumam superestimar as projeções de custos – o que leva a fixação de preços maiores.
O estudo se chama “The Inflation Expectations of Firms: What Do They Look Like, Are They Accurate, and Do They Matter?” (em uma tradução livre, “As expectativas de inflação das empresas: o que elas são, elas são precisas e elas importam?”).
“As firmas evitam baixar seus preços (ou o ritmo de sua elevação) mesmo num contexto recessivo, devido ao risco de seus custos subirem rapidamente, o que levaria a prejuízos”, afirmou Ilan em um discurso recente. Esse temor é mais forte, em particular, entre as pequenas e médias empresas.
Segundo o chefe do BC, num ambiente de incertezas sobre o futuro da inflação, o medo de tomar prejuízos leva as empresas a manter os preços altos, perdendo vendas. “Esse comportamento defensivo aprofunda a recessão sem que haja queda da inflação”, afirmou.
Além de citar os textos acadêmicos, o BC tem divulgado estudos que mostram que uma boa parte da desaceleração da inflação abaixo da meta em 2017 se deve à inesperada deflação de alimentos.
Ilan vem mencionando outros dois textos acadêmicos nos seus discursos. Um deles (“Price-Setting Behavior in Brazil: survey evidence”, ou “Comportamento da fixação de preços no Brasil: evidências de uma pesquisa”) é de autoria de três economistas do BC brasileiro (Arnildo Correa, Myrian Petrassi e Rafael Santos). O estudo detalha uma pesquisa com 7 mil empresas sobre como são fixados os preços dentro do país. Numa conclusão muito parecida com a do estudo do Fed de Atlanta, eles constatam que no Brasil os fatores levados em conta na definição dos preços são os custos de produzir e a inflação.
Um terceiro estudo citado por Ilan (“Still Minding the Gap – Inflation Dynamics during Episodes of Persistent Large Output Gaps”, que numa tradução livre significa “Dinâmica da inflação em episódios de hiatos do produto grandes e persistentes”), elaborado pelo economista André Meier, do Fundo Monetário Internacional (FMI), é uma ampla investigação sobre o que aconteceu com a inflação em 25 episódios de grande desaceleração econômica em 14 países desenvolvidos.
Essa pesquisa, porém, contém argumentos que sustentam a tese de quem acha que a recessão era tão forte que, em algum momento, iria baixar a inflação.
“Esses episódios geralmente levaram a uma significativa desinflação, apoiada por fracos mercados de trabalho, desaceleração de reajustes salariais e, em muitos casos, preços de petróleo em queda”, afirma o estudo. “Altas temporárias de inflação nesses períodos estavam sistematicamente relacionadas a desvalorizações cambiais ou alta nas cotações de petróleo.”
Mas esse trabalho também constata que, para a inflação de fato ficar sob controle, é preciso que as expectativas de inflação estejam bem ancoradas. Nos países avançados, a ancoragem das expectativas impediu a deflação; no Brasil, para o Banco Central, teriam permitido baixar a inflação.
O ponto de Ilan é que, embora o BC insistisse desde meados de 2016 que o cumprimento da meta de inflação de 2018 era um objetivo crível, o mercado só passou a acreditar rigorosamente nessa hipótese bem mais tarde.
Quando Ilan assumiu o cargo, em junho de 2016, o mercado previa uma inflação de 5,5% para 2017, acima da meta, de 4,5%. Quando o BC começou a cortar os Juros, em outubro de 2016, as projeções de mercado seguiam altas, em 5,03%. Apenas em 9 de fevereiro de 2017 as expectativas ficaram ancoradas na meta. Nessa época, o Banco Central já cortava os Juros num ritmo de 0,75 ponto percentual.
Fonte: Valor Econômico