Incerteza deixa o país à beira da depressão

    Deterioração política e falta de medidas para corrigir problemas fundamentais da economia, como o desequilíbrio das contas públicas, ameaçam levar o Brasil para uma situação de queda ainda mais profunda e prolongada da atividade econômica
    O Brasil mergulhou de cabeça em uma recessão sem precedentes, mas corre o risco de enfrentar uma situação ainda mais tenebrosa, de depressão econômica, dependendo da evolução da crise política. Os economistas observam que é difícil fazer projeções nesse momento, mas são unânimes em reconhecer que o país nunca atravessou uma crise tão grave e que, se 2015 foi um ano ruim, com a economia encolhendo 3,8%, 2016 pode ser ainda pior. As estimativas de queda do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano variam de 3,5% até 6%. Em 2017, o nível de atividade poderá ter uma redução adicional de 1%, ou seja, serão três períodos consecutivos de queda, algo nunca antes visto na história do país. Durante a Grande Depressão da economia mundial que se seguiu à quebra da Bolsa de Nova York, no início do século passado, a produção brasileira se retraiu por dois anos seguidos – 2,1%, em 1930, e 3,1%, em 1931, conforme dados da Austin Rating.

    Estimativas da Tendências Consultoria apontam que, de 2015 a 2020, o país poderá registrar uma taxa média negativa de 1,2% do PIB, desempenho abaixo do registrado nos anos 1980, a década perdida, quando houve queda em apenas dois anos. A economista Alessandra Ribeiro adianta que a equipe da consultoria, além do cenário base de queda de 4% neste ano, trabalha com uma versão pessimista, que considera uma retração de 6%. O quadro poderá ser melhor ou pior dependendo da situação política projetada. Dada a baixa credibilidade da presidente entre os agentes econômicos, a manutenção dela no Planalto e a possível entrada do ex-presidente Lula no governo reforçam as previsões mais desanimadoras.

    “Nossa estimativa é que existe 70% de probabilidade de ocorrer o impeachment”, diz Alessandra. O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, trabalha com o mesmo percentual. “Contamos que isso aconteça até metade do ano, e aí o PIB cairia “apenas” 3,8% este ano. Caso ela permaneça, nossa expectativa é de que a economia encolha 4,9%”, destaca.

    Tombo profundo

    Os especialistas costumam caracterizar uma recessão a partir do momento em que a produção de bens e serviços cai por três trimestres consecutivos – com dois trimestres de queda, ocorre o que se chama de recessão técnica. A depressão é um tombo mais profundo e prolongado na atividade econômica, em que a falta de confiança de empresários e consumidores é generalizada, o desemprego atinge níveis alarmantes, os preços caem e a recuperação se torna muito mais difícil.

    A economista Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics (PIIE), em Washington, avalia que o Brasil está entrando em uma crise de características ainda piores. Um quadro de depressão econômica não costuma conviver com inflação, já que a demanda cai a níveis tão baixos que não há espaço para aumento de preços. Pelas contas dela, no entanto, é provável que a carestia, no país, permaneça entre 10% e 20% até 2018. “Com uma inflação elevada e PIB despencando, o país não se encaixa em nenhum desses dois termos. Nunca se viu uma situação dessas na história mundial”, afirma.

    Monica avalia que, ao chamar para o governo o ex-presidente Lula, que está sendo investigado pela Operação Lava-Jato, Dilma piorou as expectativas para a economia e praticamente contratou uma recessão de 5% neste ano. Ela adverte ainda para os efeitos negativos de medidas que tem sido discutidas no governo para reanimar a economia a qualquer preço, como o uso de reservas internacionais. “Seria um tiro no pé. Tudo o trabalho de equilibrar as contas públicas, que permitiu ao país conquistar o grau de investimento no passado, foi desfeito”, observa.

    O economista e especialista em contas públicas Felipe Salto também critica o uso das reservas, que pode ser anunciado até a próxima terça-feira. “Essa ideia é uma maluquice. O país sofrerá outro rebaixamento das agências de classificação de risco”, alerta.

    Guinada

    Para o economista e professor da Fundação Getulio Vargas em São Paulo (FGV-SP), Ernesto Lozardo, o desemprego vai superar 11% neste ano e 12% no ano que vem. “As alternâncias na política macroeconômica estão levando o país para uma depressão. Cada ano muda, e isso só piora o quadro. O país não consegue colocar de pé uma política sequer porque não tem uma âncora fiscal”, critica. Segundo ele, sem um ajuste nas contas públicas, a economia poderá entrar em uma depressão rapidamente, sem data para sair.

    Lozardo alerta que a sinalização do governo de que pode dar uma guinada à esquerda, aumentar os gastos públicos e estimular o crédito subsidiado para elevar o consumo só agravam o quadro. “O país está à deriva. Tentar crescer via crédito neste momento é uma falácia. A sociedade não vai se endividar novamente porque aprendeu, em 2012, que perdeu o que não conseguiu pagar. Muitos já estão sem emprego e outros vão ser demitidos”, alerta.

    Alessandra, da Tendências, também vê com preocupação a possibilidade de aumento do desequilíbrio fiscal.  Se o governo  quiser elevar os gastos com o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e com crédito subsidiado, a dívida pública vai facilmente chegar a 80% do PIB e o encolhimento da economia será muito maior do que estávamos projetando no cenário base”, destaca. Pela mediana das projeções levantadas pelo Ministério da Fazenda para o boletim Prisma Fiscal, divulgado na última quinta-feira, a dívida pública bruta deve encostar em 80% até o fim de 2017. É um nível insustentável para um país emergente com as características do Brasil.

    Cada vez pior

    A deterioração da economia e da política tem levado especialistas a revisarem as estimativas para o desempenho econômico brasileiro. A equipe do Credit Suisse, liderada por Nilson Teixeira, subiu de 3,5%, para 4,2% a expectativa de retração do PIB neste ano, e de 0,5% para 1%, a previsão de queda em 2017. Neil Shearing, economista-chefe para mercados emergentes da consultoria britânica Capital Economics, informou que ainda mantém a previsão de queda de 3,5% no PIB brasileiro este ano, com inflação de 9%. No entanto, devido ao elevado nível de incertezas políticas, ele avisa que o país não deverá se recuperar antes de 2017. “Um agravamento nessa crise política pode lançar uma longa sombra sobre tudo”, diz Shearing.

    O diretor para a América Latina do Eurasia Group em Washington, João Augusto de Castro Neves, não vê recuperação da economia brasileira enquanto não for definida a situação de Dilma no poder. “A nomeação de Lula para ministro da Casa Civil é um sinal de desespero”, avalia . No entender de Neves, o ex-presidente carrega um passivo tão pesado, com a investigação da Lava-Jato, que pode ajudar a afundar de vez o barco do governo. “Se Lula começar a tentar agradar a esquerda, tomando medidas populistas, engavetando a reforma da Previdência, por exemplo, ele daria um tiro no pé. Mas ele é capaz de fazer jogo duplo, flertar no início com a esquerda, mas se articular com o centro, tentando trazer de volta o PMDB para a base”, explica. “A solução seria por aí, mas, na conjuntura atual, a capacidade de articulação dele está reduzida”, completou.

    “O país está à deriva. Tentar crescer via crédito neste momento é uma falácia. A sociedade não vai se endividar novamente. Muitos já estão sem emprego e outros vão ser demitidos”

    Ernesto Lozardo,

    Professor da Fundação Getulio Vargas

    “Um agravamento nessa crise política pode lançar uma longa sombra sobre tudo”

    Neil Shearing,

    economista-chefe para mercados emergentes da Capital Economics

     

    Fonte: Correio Braziliense

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