Ilse Salazar Andriotti, Helena Sanseverino Dillenburg e Vanessa Kerpel Chincoli
Análise dos aspectos práticos da ação e seus desdobramentos.
Atualmente, vigora em nosso país a obrigatoriedade do recolhimento de imposto de renda sobre os valores percebidos a título de pensão alimentícia.1 Isso porque a Receita Federal do Brasil entende que toda e qualquer pensão – instituída por acordo ou sentença – está sujeita à incidência do imposto de renda, por serem compreendidos como acrescimento patrimonial.
Dessa forma, todos aqueles que recebem pensão alimentícia (vitalícia ou apenas por um determinado período), cujos valores estejam acima da faixa de isenção, devem, obrigatoriamente, recolher imposto sobre a “renda” auferida, sendo esses, geralmente, os ex-cônjuge ou ex-companheiros, bem como os filhos – inclusive menores de idade, tais como crianças e adolescentes -, e demais dependentes, como netos e ascendentes (pais e avós).
A obrigatoriedade do recolhimento do imposto por aquele que recebe pensão tem causado, desde muito tempo, uma grande inquietude na Doutrina, tendo em vista a grande incongruência da legislação. Diante esse problema, em 25/11/2015, o IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família ajuizou a ADIn – Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.422/DF com o objetivo de questionar referida incongruência e obter a declaração da inconstitucionalidade da incidência do imposto de renda sobre valores percebidos a título de alimentos ou de pensão alimentícia, tendo como alicerce o caráter humanístico da verba alimentar – que não permitiria que ela pudesse ser tributada.
Cabe salientar que as principais críticas referentes a esta incidência versam sobre a inexistência de acréscimo patrimonial com o recebimento da pensão alimentícia, uma vez que é verba destinada à subsistência do ser humano, possuindo, inclusive, um caráter de não enriquecimento para o alimentando. Ainda que, dentro da realidade de cada família, possam ser vislumbrados exemplos em que a pensão atinge patamares mais elevados, na grande maioria das situações, o valor da pensão é composto exclusivamente para custear as despesas com moradia, alimentação, estudos, vestuário, dentre outros, que compõe o mínimo existencial do indivíduo.
Além da inexistência de acréscimo patrimonial, defende-se a inconstitucionalidade da incidência do imposto de renda sobre as pensões na medida em que caracterizam uma dupla tributação, uma vez que já há a incidência quando do ingresso da renda no patrimônio do alimentante. Posteriormente, ao ser repassada a título de pensão após um acordo ou fixação judicial, sofre uma nova incidência. Assim, estaria configurado um bis in idem, na medida em que o ente federal tributa duplamente sobre a mesma renda, o que é absolutamente vedado pela Constituição Federal.
No julgamento da ADIn nº 5.422, iniciado em 4/2/22 pelo Supremo Tribunal Federal, a maioria dos ministros demonstrou ser favorável à declaração de inconstitucionalidade ao externar a posição de que a pensão alimentícia não se consubstancia em renda de quem a recebe, mas, sim, uma simples entrada de valor destinado a suprir as suas necessidades básicas de sobrevivência. Esse entendimento foi o voto do ministro relator, Dias Toffoli, tendo sido seguido pelo ministro Roberto Barroso, que, por sua vez, destacou que a Constituição Federal só autoriza a incidência do IRPF sobre valores que configurem manifestação de riqueza, o que, com clareza solar, não se verifica daqueles que recebem somente valores para atendimento de suas necessidades básicas (consoante o padrão de vida que mantinham, sempre observando o binômio possibilidade x necessidade).
O julgamento acerca da declaração de inconstitucionalidade da tributação dos valores recebidos a título de pensão alimentícia vinha sendo realizado pelo plenário virtual e contava com os votos favoráveis dos ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e das ministras Rosa Weber e Carmem Lúcia. Todavia, na contramão da urgência da qual o referido tema faz jus, o ministro Gilmar Mendes havia requerido que o julgamento fosse encaminhado ao plenário físico, o que implica o reinício da votação pelos ministros da Corte. Contudo, felizmente, ocorreu nova pauta da ação para julgamento virtual, agendado para ocorrer de 27/5/22 a 3/6/22, diante do cancelamento do pedido de destaque feito pelo ministro Gilmar Mendes, sendo retomada a votação do ponto em que havia parado, de modo que se entende que a maioria dos ministros já foi formada no sentido de considerar inconstitucional a incidência tributária.
Enquanto a discussão não é finalizada, a doutrina discute os impactos práticos da declaração de inconstitucionalidade da tributação dos valores recebidos a título de pensão alimentícia. O que tal inconstitucionalidade significará na vida dos brasileiros? Além disso, pergunta-se se referida declaração atingirá também os chamados alimentos compensatórios.
Em relação à pensão alimentícia propriamente dita, entende-se que não haverá grandes dificuldades de compreensão sobre a inconstitucionalidade em si, uma vez que o julgamento trata expressamente sobre as pensões alimentícias tradicionais. Nesse sentido, com os votos que já foram proferidos no julgamento, podem-se depreender algumas de suas consequências imediatas e mediatas.
Em sendo declarada a inconstitucionalidade de tal cobrança, o alimentando não mais terá de recolher IRPF sobre os valores recebidos a título de pensões alimentícias tradicionais. Esse entendimento não deve alterar em nada o benefício fiscal conferido ao alimentante pelo art. 4º, II, da lei nº 9.250/95, que permite a dedução dos valores pagos a título de pensão alimentícia. Os montantes passíveis de dedução do IRPF são estipulados por lei, podendo ser revogados ou alterados também por lei, não influenciando o julgamento realizado na ADIn nº 5.422, nem sendo influenciado por este, conforme destacado no voto do próprio ministro relator da ação.
Os alimentandos, até então contribuintes do IRPF sobre as pensões alimentícias recebidas, podem ir a juízo para requerer a restituição dos valores indevidamente pagos à União nos últimos cinco anos, que é o prazo prescricional tributário para a repetição de indébito. De acordo com os votos já exarados, espera-se que a decisão do STF seja favorável aos contribuintes, porém, é possível que a Corte realize a modulação dos efeitos da decisão, de modo que a decisão proferida terá efeitos ex tunc.
Por essa razão, seria importante o ingresso de ação anterior à finalização da decisão, haja vista que o STF costuma também admitir que os efeitos se apliquem em favor de quem ingressou em juízo antes da conclusão do julgamento. É possível que a modulação de efeitos seja arbitrada a partir de qualquer marco temporal que os ministros do Supremo Tribunal Federal julguem válido, como a data do início do julgamento da ADI, data da publicação da ata de julgamento ou publicação do acórdão, entre outros. Caso a modulação de efeitos não ocorra a partir da data de início do julgamento da ADI, o ajuizamento de ação judicial, neste momento, ainda previne eventual restrição temporal à repetição do indébito pelo alimentando.
No caso de contribuintes que possuam discussão administrativa em andamento sobre o tema, destaca-se que o CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais deve observar as decisões definitivas do STF que reconheçam a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, nos termos do art. 62, § 1º, I, do regimento interno do CARF (portaria MF nº 343/15). Assim, após a finalização do julgamento de mérito da ADIn nº 5.422, o entendimento do STF deve ser reproduzido pelo órgão administrativo (CARF).
No tocante aos alimentos compensatórios, por sua vez, cumpre salientar que tais alimentos são compreendidos como uma “compensação econômica”, que será devida ao cônjuge que vier a sofrer os efeitos de um manifesto desequilíbrio econômico com a ruptura do seu vínculo matrimonial, podendo ser paga em dinheiro, em uma única prestação, por prazo determinado ou indeterminado, com o usufruto de determinados bens ou de qualquer outro modo no qual as partes estejam de acordo ou decida o juiz.2
Dessa forma, quando tais alimentos forem acordados em prestações pagas em dinheiro de forma mensal, por um determinado período de tempo, entende a maioria da Doutrina que sobre tal verba não deve recair tributação, uma vez que a pensão compensatória não tem, em realidade, um caráter alimentar, pois ela justamente se aplica para restabelecer um desequilíbrio produzido como consequência da dissolução do casamento3.
Cabe frisar que se defende uma natureza indenizatória na prestação de alimentos compensatórios, uma vez que se destinam exatamente a uma compensação pelo desequilíbrio econômico após a dissolução do vínculo conjugal. Todavia, esta definição da natureza dos alimentos compensatórios é complexa e controversa, até mesmo porque sequer há concordância doutrinária e jurisprudencial para a sua fixação. Porém, se postos na mesma categoria das pensões alimentícias, há a incidência de imposto de renda, dependendo-se do resultado da mencionada Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Em suma, os alimentos compensatórios possuem natureza controvertida, o que traz impactos no âmbito tributário. Se forem entendidos como indenização, não há possibilidade de tributação, visto que as indenizações não constituem renda tributável. Por fim, acaso sejam equiparados com as pensões alimentícias, estão atualmente sujeitos à tributação pelo Imposto de Renda, que poderá ser declarada inconstitucional ao fim da ADIn nº 5.422.
De qualquer forma, em ambos os casos, na pensão alimentícia e nos alimentos compensatórios, entendemos que o alimentando não está recebendo nenhum acréscimo patrimonial, esse que seria a ratio que justificaria a cobrança do imposto de renda – assemelhando-a ao pagamento de salários e aposentadorias -, uma vez que a verba recebida a título de pensão alimentícia se destina à garantia da dignidade da pessoa que recebe, fundamentada na solidariedade familiar.
Fonte: Migalhas