Inflação de março será a maior em 11 anos

    Governo já prepara discurso para explicar o aumento do custo de vida: vai difundir a ideia de que a culpa é dos alimentos in natura e que a alta não se repetirá nos meses seguintes. Na mesma linha, Banco Central considera que juros de 11% são suficientes para conter a carestia

    » ROSANA HESSEL

    O forte aumento da taxa básica de juros (Selic), de 7,25% para 11% ao ano, desde abril de 2013, não impedirá que a inflação de março, que será divulgada na próxima semana pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dê um susto nos consumidores. Se as projeções dos especialistas estiverem corretas, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) cravará alta entre 0,80% e 0,86% – mediana de 0,82% -, o pior resultado para o mês desde 2003.

    Ciente do barulho que o IPCA fará, sobretudo diante do crescente descontentamento da população com a alta do custo de vida, o Palácio do Planalto já preparou o discurso. A ordem é difundir a ideia de que o índice foi puxado pelos alimentos in natura (frutas, legumes e hortaliças) e que não se repetirá nos meses seguintes. O governo também insistirá que o IPCA não estourará o teto da meta deste ano.

    O discurso positivo do Planalto não esconde, porém, o temor da presidente Dilma Rousseff com o impacto da inflação na decisão dos votos dos eleitores na disputa presidencial de outubro próximo. Pesquisas internas do governo indicam que a carestia será uma pedra no caminho à reeleição da candidata do PT. Mas o tema será amenizado à medida que o IPCA reagir ao aperto monetário. Na visão de assessores da presidente, os juros, de 11%, são suficientes para evitar uma disseminação de reajustes. Eles também acreditam que o Banco CENTRALencerrou o ciclo de aumento da Selic.

    Culpa do clima

    “De fato, o IPCA de março virá salgado. Mas isso não nos preocupa porque já está no nosso radar. Obviamente, esse resultado não agrada ao governo, que tem consciência de que está fazendo o seu trabalho tanto na política fiscal quanto monetária e aposta que haverá uma reversão do aumento dos preços nos próximos meses”, disse uma fonte da equipe econômica.

    A contínua alta da inflação, na avaliação do governo, está relacionada aos choques nos preços dos alimentos desde o início do ano por conta do clima. Outro ingrediente para manter o IPCA nas alturas é o custo dos serviços, que avança a um ritmo de 8% a 9% ao ano e deverá aumentar ainda mais durante a Copa do Mundo. Por isso, nos cálculos dos especialistas, a inflação estourará o teto da meta, de 6,5% ao ano, entre junho e setembro.

    Excesso de ruídos

    No mercado, a preocupação é geral. “Os alimentos têm um peso grande no IPCA, em torno de 25%. A alta deles deve passar de 0,56%, em fevereiro, para 1,51%, em março, um salto expressivo. Logo, a inflação ficará acima de 6% no acumulado em 12 meses, podendo estourar o teto da meta até junho, durante a Copa, puxados por gastos, como passagens aéreas e refeição fora de casa”, explicou o economista Étore Sanchez, da LCA Consultores, que espera alta de 0,86% no IPCA de março e de 6,10% no acumulado em 12 meses.

    Para o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas Gomes, a carestia pode não ser temporária, como defende o governo, o que exigirá a continuidade do aperto monetário promovido pelo BC em maio. “Se o dólar voltar a subir e a gasolina for reajustada, a inflação avançará além do previsto e do desejado”, frisou. A divisa norte-americana teve alta de 0,54% ontem, cotada

    R$ 2,282 para venda. No ano, porém, acumula queda de 3,7%.

    Na avaliação do economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luis Otávio de Souza Leal, que prevê alta de 0,80% no IPCA de março, o quadro só não ficará pior porque o país está crescendo pouco, com o consumo mais fraco. “O problema é que os preços administrados estão represados. No ano passado, subiram apenas 1,5%, algo irreal, devido ao congelamento dos preços dos combustíveis e da redução forçada das tarifas de energia elétrica. Se o BC não estivesse atuando desde abril do ano passado, a situação seria assustadora”, explicou, lembrando que o impacto do aumento dos juros no IPCA demora de seis a 12 meses. “Talvez, agora, o efeito dos juros apareça.”

    Segundo o economista-chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito, o IPCA subiu 0,82% em março. “Estamos diante de uma situação muito peculiar. A alta dos preços tem a ver com a ascensão social das classes C e D. Elas ampliaram o mercado de consumo. O BC vive um dilema: dar um choque monetário maior e prejudicar quem está endividado, mandando muita gente de volta às classes das quais saíram, ou promover um ajuste nos juros em doses homeopáticas. Essa decisão não é simples”, comentou. ” E tudo fica muito mais complicado devido aos ruídos de comunicação do governo com os mercados”, emendou.

     

    Fonte: Correio Braziliense

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