Inflação dispara e pode passar de 9% no ano

    Alimentos e energia elétrica fazem com que o custo de vida recupere o fôlego e suba 0,74% em maio, para desespero do governo. No acumulado de 12 meses, a taxa está em 8,47%, o nível mais elevado desde 2003. Carestia empurra a economia para o buraco

    A inflação não dá trégua e continua castigando os brasileiros, que assistem o poder de compra encolher cada vez mais. Em maio, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) cravou alta de 0,74% e surpreendeu o governo e o mercado, que esperavam elevação próxima de 0,60%. No acumulado de 12 meses, a carestia bateu em 8,47%, o pior resultado desde 2003, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Alimentação e energia elétrica foram os principais responsáveis pela disparada do custo de vida. O aumento dos preços dos alimentos respondeu por quase metade da inflação, e o tomate voltou a ser o vilão do supermercado, com alta de 80,42% no ano. Com a inflação nesse nível, o consumo cai e a produção empaca, enfraquecendo ainda mais a economia do país. 

    Ao ver o preço do tomate, a enfermeira Alvina de Freitas, 40 anos, desistiu da compra. “Está um absurdo. Vou esperar aparecer alguma promoção para comprar”, disse. Só com alimentos, os gastos dela já aumentaram pelo menos R$ 100 por mês, em comparação com o ano passado. Com aumentos da conta de energia elétrica e da gasolina, ela está sendo obrigada a repensar algumas compras e avaliar as marcas dos produtos, para levar os mais baratos. De fato, a conta de luz de Alvina e dos brasileiros subiu, em média, 2,77% em maio e 41,94% em 2015. Se considerar os últimos 12 meses, as tarifas de energia dispararam 58,47%.

     

    Serviços e loteria 

    A saída encontrada pela enfermeira é a mesma usada pelo dentista André Luís Lucas, 45. Além de procurar itens mais baratos, ele deixou de supérfluos para casa, como geleias, biscoitos, e algumas bebidas, como cerveja e vinho. Mesmo assim, as faturas do supermercado ficaram 30% mais caras em comparação com o ano passado. Os preços que mais o assustam são os da cebola e do tomate. “Mesmo esta sendo a melhor época do ano para comprar tomate, quando geralmente está mais barato, neste ano o preço só sobe”, lamentou. Para tentar fugir dos reajustes, ele pesquisa preços nos lugares próximos. “Comprei tomate na feira, porque estava mais em conta”, contou. 

    Lucas tem razão em desconfiar do aumento dos alimentos nesta época do ano. O economista-chefe da SulAmérica Investimentos, Newton Rosa, explicou que a elevação de produtos in natura, como cebola e tomate, está fora dos padrões sazonais. “Esperava-se recuo nos preços dos alimentos, mas eles continuaram subindo”, comentou. A analista da Tendências Consultoria Adriana Molinari também se surpreendeu com a persistência da inflação dos alimentos. “Deve ocorrer uma devolução dessas altas nos próximos meses”, estimou. 

    Gerente da coordenação de Índices de Preços do IBGE, Eulina Nunes explicou que o grupo alimentação respondeu por 46% da inflação de maio, sendo que o peso do item no IPCA é de 24,93%. “Houve menor oferta de produtos in natura devido a problemas de lavoura”, argumentou. A aceleração dos preços das carnes, de 0,63% em abril para 2,32% em maio, também influenciou. Com maior demanda internacional, a oferta de carne no mercado interno caiu. “Nesse caso, não deve haver devolução de aumento e a tendência é de o preço continuar subindo”, observou Adriana, da Tendências. 

    Para o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves,o IPCA quase dois pontos acima do teto da meta, de 6,5%, reflete os reajustes de preços administrados no começo deste ano e sua propagação para os demais custos da economia. “O alto patamar segue mantido pelos preços dos alimentos por reajustes dos jogos de loteria e também de serviços”, disse. A inflação de serviços acumulada no ano até maio ficou em 3,49%, e foi a primeira vez, desde 2008, situou-se abaixo do resultado do IPCA, de 5,24%. Segundo Eulina, do IBGE, isso não significa uma tendência e sim um resultado pontual. “Há anos, a inflação de serviços oscila entre 8% e 8,5% em 12 meses”, ressaltou. 

    Na avaliação do economista-chefe da Opus Investimentos, José Márcio Camargo, a inflação de serviços não vai ceder dos 8,5% ao ano enquanto o desemprego estiver na casa de um dígito. “Se cair, será muito lentamente, mantendo a inflação em alta”, estimou. Para Gonçalves, do Fator, o quadro é gravíssimo para a inflação neste ano. “Nossa projeção, antes em 8,49%, foi revista para 8,95%. E o viés é de alta”, disse. A Tendências Consultoria também revisou sua previsão, de 8,3% para 8,9% este ano. A projeção preliminar do Itaú para o IPCA de junho aponta variação de 0,65%, resultado acima do registrado no mesmo mês do ano passado (0,40%), o que levará a taxa em 12 meses para 8,7%. 

    Se esses índices se confirmarem vão enterrar de vez o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Segundo Luiz Alberto Machado, do Conselho Federal de Economia, a situação está complicada porque a receita para conter a inflação é o aumento dos juros. “Isso faz com que o setor produtivo restrinja a atividade econômica”, disse. A própria alta dos preços já inibe o consumo o que também afeta a produção. Em Brasília, a carestia deu uma trégua em maio. O IPCA ficou em apenas 0,25%, a menor taxa registrada entre as 13 capitais pesquisadas pelo IBGE.

     

    Fórmula mágica 

    O ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles afirmou ontem que não existe “fórmula mágica” para trazer a inflação para o centro da meta, de 4,5% ao ano, mas que será melhor para o Brasil que isso ocorra logo. “No mundo atual pós-crise, termos a inflação na meta e as expectativas de inflação ancoradas continuam sendo necessidades como sempre foram, e os conceitos de política monetária não foram alterados. É importante que isso seja mais cedo do que mais tarde. Quanto antes a expectativa de inflação convergir em direção à meta, melhor para o Brasil”, disse ao participar de um seminário  promovido pelo BC.

     

    Fonte: Correio Braziliense

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