Inflação ditará a disputa eleitoral

    Alívio do custo de vida foi determinante para a recente recuperação da popularidade de Dilma. De olho nas urnas, a presidente já autorizou o BC a seguir com alta de juros como forma de pôr freio à disparada dos preços

    DECO BANCILLON
    VICTOR MARTINS

    Em 2014, no périplo que fará para tentar manter Dilma Rousseff no Palácio Planalto por mais quatro anos, o PT terá de encarar uma série de desafios. Se, no campo político, a recuperação da popularidade da presidente nas pesquisas de intenção de voto já vem sendo parcialmente conquistada, no econômico, a missão é mais espinhosa. A começar pela inflação. Na opinião de assessores presidenciais, a recente desaceleração verificada entre junho e julho, quando o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) variou apenas 0,03%, foi decisiva para que Dilma recuperasse seis dos 35 pontos que havia perdido da aprovação pessoal.

    Mas a avaliação desses mesmos governistas é que, apesar de favorável, a redução no custo de vida pode não se sustentar até o fim do ano que vem. Em outras palavras, o que hoje tem servido para angariar votos para o governo, o alívio na carestia, pode ser se tornar justamente uma arma de campanha da oposição em 2014.

    Após três anos seguidos de leniência com a disparada nos preços, a inflação oficial vem se mantendo, em 12 meses, sistematicamente no teto da meta perseguida pelo Banco Central (BC), de 6,5%. Poucos acreditam em um recuo mais forte do IPCA nos próximos meses, em razão da recente alta do dólar. Os mais pessimistas projetam inflação superior a 6% em 2014. O recrudescimento da alta dos preços se daria, sobretudo a partir do segundo semestre do ano que vem, justamente quando a campanha eleitoral estará na reta final.

    Para evitar que esse quadro perigoso à reeleição da presidente se confirme, o BC vem aumentando os juros básicos da economia desde abril. A taxa de referência dos empréstimos bancários, a Selic, já foi elevada em 1,25 ponto percentual, para 8,5% ao ano. Na avaliação de economistas ouvidos pelo Correio, ainda é preciso pelo menos mais duas altas dos juros para que a autoridade monetária recobre parte da confiança perdida. No fim deste mês, a Selic deve chegar a 9% ao ano, um salto de mais 0,5 ponto.

    Bandeira
    Até o fim de 2013, a previsão é de que os juros cheguem, no melhor cenário, a 9,25% ao ano, na hipótese de o repasse do dólar para os preços seja mais moderado, como prevê o BC. Caso a inflação mantenha o fôlego, em 2014, quando Dilma e os seus principais adversários políticos estarão percorrendo o país em busca de votos, a taxa poderá bater na casa dos 11% ao ano, enterrando de vez uma das maiores bandeiras do governo, a de ter derrubado os juros ao menor patamar histórico: 7,25% ao ano. Apesar de amargo, o remédio da alta dos juros agora, antes de a corrida eleitoral ser sacramentada, é defendido dentro do Palácio do Planalto.

    Ao Correio, duas graduadas fontes da equipe econômica disseram que o presidente do BC, Alexandre Tombini, ganhou de Dilma autorização para elevar a Selic até onde for necessário para que, em 2014, a inflação esteja mais próxima do centro da meta, de 4,5%. A avaliação é que a Selic de 8,5% ao ano ainda está abaixo do que seria considerado o juro neutro, ou seja, o percentual que permitiria a economia crescer dentro do potencial sem pressionar o custo de vida. “O nível atual de juros ainda pode ser considerado de política monetária expansionista”, ponderou uma das fontes, sob condição de anonimato.

    A fala reflete uma mudança de posicionamento do governo, que se viu obrigado a mudar a estratégia de ação da política econômica, até mesmo em virtude das manifestações que ganharam o Brasil em junho e julho. Desde então, a Presidência da República e o Ministério da Fazenda têm recebido empresários, representantes de trabalhadores e líderes de movimentos populares para ouvir seus pleitos e, especialmente, retomar a credibilidade perdida, o mal que está minando os investimentos produtivos e, por tabela, o crescimento econômico.

    O ministro da Fazenda, Guido Mantega, e sua equipe deram início a uma agenda intensa de reuniões com o setor privado. A intenção é clara: sinalizar que “o governo não é contra o lucro” e que está disposto a dialogar para mudar o ambiente de pessimismo que se instalou de Norte a Sul no país. Além de reforçar o compromisso com o combate à inflação, há o objetivo prático de reanimar o letárgico crescimento da economia para manter firme o mercado de trabalho, o único trunfo do Palácio do Planalto que ainda não foi abalado.

    Nos dois primeiros anos da gestão de Dilma, o Produto Interno Bruto (PIB) acumulou alta média de 1,8% — o pior desempenho desde o governo Collor, de 1990 a 1992. Para este ano, a avaliação de grandes instituições financeiras, como Itaú Unibanco, é que a expansão será de, no máximo, 2,1%. Em 2014, o cenário é ainda mais pessimista: alta de 1,7%. Mesmo assim, o dedesemprego está na casa de 6%, média historicamente baixa.

    Mercado de trabalho preocupa
    Na avaliação do estrategista-chefe para o Brasil do banco japonês Mizuho, Luciano Rostagno, o que vai determinar o voto dos eleitores em 2014 será o nível do emprego no país. “Após vários anos em que o mercado de trabalho esteve muito aquecido, já surgem sinais de que as empresas começarão a demitir”, disse. Para o ano que vem, a projeção do banco espanhol Santander é de que o desemprego, que chegou a ser de apenas 4,6%, alcançará 6,5% da população economicamente ativa.

    Aposta na infraestrutura
    Após dois anos de baixo crescimento econômico, o governo aposta todas as fichas no programa de concessões em logística, que deve atrair, ao longo de 30 anos, cerca de R$ 270 bilhões em investimentos. Serão concedidos à iniciativa privada vários projetos de construção, ampliação e reforma de estradas, portos, ferrovias e aeroportos. Os primeiros leilões estão previstos para ocorrer em setembro, começando pelas rodovias federais. Em paralelo, ainda está indefinido o calendário proposto para o polêmico projeto do Trem de Alta Velocidade (TAV), previsto para outubro. O mercado acompanha também com atenção a primeira licitação para a área do pré-sal, dentro do novo marco regulatório, no campo de Libra.

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