O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, reconheceu o que raramente autoridades do governo admitem em público: “A inflação não é ruim para o setor público consolidado, é positiva”, disse ele, sobre a ajuda que a alta de preços está dando para o ajuste fiscal.
Como a situação das contas públicas é muito grave, a inflação não resolve o problema inteiro. E o expediente não é sustentável no médio e longo prazos. Mas Tombini, em depoimento terça-feira, na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, foi ao cerne da equação inflacionária, em que quase todos perdem, com exceção basicamente do governo e bancos.
O presidente do BC citou apenas um dos ganhos do governo com a inflação: o aumento da arrecadação nominal da Receita Federal. Mas há outros, como o inflacionamento do Produto Interno Bruto (PIB) nominal, que contribui para segurar o aumento da dívida pública; o financiamento do governo com a emissão de moeda pelo BC; e a queda dos juros reais pagos pelo Tesouro nos seus títulos prefixados.
Numa conta rápida, Tombini lembrou que a inflação acumulada em 12 meses está acima de 9%, enquanto a economia está se contraindo em 2% em termos reais. O resultado disso é uma expansão de cerca de 7% no PIB nominal. “A arrecadação cresce a partir do PIB nominal”, disse.
A arrecadação teve crescimento nominal de 6,69% de janeiro a agosto de 2015, comparado ao mesmo período de 2014. É fato que a arrecadação nominal caiu 0,23% em agosto de 2015 ante agosto de 2014, mas, quando são excluídas receitas extraordinárias, há expansão nominal.
Para Tombini, a arrecadação só não está melhor por causa de fatores como o escândalo da Lava-Jato, que ele chama de “eventos não econômicos”, que fez com que o recolhimento de tributos caísse mais do que era esperado pelo encolhimento do PIB.
Diferentemente da arrecadação, os gastos do governo crescem com maior defasagem em relação ao PIB nominal, já que despesas como o salário do funcionalismo, benefícios previdenciários e contratos de prestação de serviço geralmente são reajustados uma vez por ano.
A inflação também tem impactos favoráveis no cálculo do endividamento do governo. Quanto maior a inflação, maior o PIB nominal; e, quanto maior o PIB nominal, menor a dívida pública em relação ao próprio PIB.
O PIB nominal estimado pelo Banco Central cresceu 3,32% de dezembro de 2014 a julho de 2015, apesar da queda real da economia apurada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nos dois primeiros trimestres deste ano.
Essa alta nominal do PIB, provocada apenas pela inflação, teve um impacto positivo para reduzir em 1,9 ponto percentual a dívida bruta. Embora no fim a dívida bruta tenha crescido por outros fatores, essa expansão foi atenuada pela inflação. Sem essa ajuda, a dívida bruta teria chegado a 66,5% do PIB em julho passado, em vez dos 64,6% do PIB efetivamente apurados nas estatísticas.
Os investidores que compram títulos do Tesouro perdem sobretudo quando há uma surpresa inflacionária. Quem comprou papéis prefixados com prazo de um ano em julho de 2015 recebeu um juro nominal de cerca de 11% ao ano, tomando como parâmetro os swaps de 360 dias negociados no mercado naquela época.
A expectativa desses investidores era receber um juro real de 4,86% ao ano, considerando que a expectativa de inflação 12 meses à frente estava em 5,85%. Mas, como a inflação efetivamente medida chegou a 9,56% no período, esses investidores receberam uma remuneração real bem menor, de apenas 1,31%.
O governo também lucra com a impressão de dinheiro. A inflação significa que as pessoas precisam de mais dinheiro para comprar os mesmos produtos. Assim, o volume de papel moeda em poder do público aumentou 6,2%, de R$ 154 bilhões para R$ 163 bilhões, entre agosto de 2014 e agosto de 2015.
A ajuda da inflação, porém, não foi suficiente para evitar a deterioração das contas públicas. O déficit nominal acumulado em 12 meses pelo setor público saltou de R$ 344 bilhões para R$ 503 bilhões entre dezembro de 2014 e julho de 2015.
Contar com ganhos inflacionários para fechar as contas públicas também não é uma estratégia sustentável. Na década de 80, ela levou o país à hiperinflação e baixo crescimento. Além disso, com o tempo, o estratagema perde eficácia. Uma parte relevante dos ganhos do governo ocorre pela surpresa inflacionária. Os investidores passaram a cobrar prêmios mais altos nos títulos federais justamente para cobrir o risco de a inflação corroer os rendimentos. Hoje, eles exigem juros reais de 8,78% ao ano para comprar títulos com prazo de um ano, levando em conta um swap de 360 dias de 15% ao ano e uma expectativa de inflação de 5,72% em 12 meses.
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Fonte: Valor Econômico