Instabilidade política afeta taxa de empréstimo pessoal

    Sérgio Tauhata | De São Paulo

    A volatilidade chegou ao crédito ao consumidor. Embora não se movimentem com tanta velocidade e amplitude quanto os Juros no mercado futuro, as taxas finais para pessoas físicas passaram a oscilar ao sabor do noticiário político e econômico, atestam especialistas. Dados do Banco Central mostram que os custos de linhas para pessoa física com recursos livres subiram nos momentos de maior incerteza no ano mesmo em meio a um ciclo de afrouxamento monetário que já levou a taxa básica Selic ao menor patamar da história.

    No curto prazo, a influência das turbulências políticas fica nítida. O mercado futuro de Juros, uma espécie de termômetro da percepção de risco entre investidores, tem apresentado grande volatilidade. No dia seguinte ao Banco Central ter cortado a Selic para o menor patamar da história, a 7% ao ano, os Juros dos contratos futuros mais longos subiram. As incertezas sobre as chances de aprovação da reforma previdenciária na Câmara dos Deputados levou as taxas com vencimentos em janeiro de 2023, 2021 e 2020 a uma alta de 20 pontos-base nas máximas da sessão, no pior desempenho diário em um mês.

    Segundo escreveu o presidente da Canepa Asset, Alexandre Póvoa, em artigo publicado pelo Valor em 5 de dezembro, desde a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) em outubro, a curva de Juros tem vivido um “empinamento”, ou seja, as taxas longas registram alta acentuada em relação aos Juros curtos. O gestor cita como causas prováveis a possibilidade de a taxa historicamente baixa provocar inflação mais à frente, o comprometimento da situação fiscal do país sem reformas e as incertezas políticas da eleição de 2018.

    “Estamos muito dependentes do sistema de crenças”, afirma o economista-chefe do Santander, Maurício Molon. Até as eleições, pondera o especialista, as expectativas tendem a oscilar conforme o noticiário. A volta da confiança está atrelada “não só à vontade, como também à capacidade de [um novo governo] fazer as reformas, pois não depende só do presidente, mas também do novo Congresso eleito”.

    O assessor econômico da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio-SP), Altamiro Carvalho, faz avaliação semelhante. “A taxa de [crédito com] recursos livres não tem ligação tão direta com [o movimento da] Selic, pois esse custo reflete as condições de crédito naquele momento”, considera. De acordo com o economista, “a curva da demanda e oferta tem, muitas vezes, prevalecido sobre a taxa básica nessa formação de preços do crédito com recursos livres”.

    Mesmo em meio a um ciclo de cortes pelo Banco Central que levou a Selic a recuar 7,25 pontos percentuais e a alcançar a mínima histórica em dezembro, o clima de insegurança às vezes atinge tal intensidade que chega a influenciar até o volume de concessões de crédito para a pessoa física neste ano. “Tem um fator de incertezas que está associado ao ciclo político”, diz Molon, do Santander.

    De acordo com dados do BC, a concessão de crédito com recursos livres para pessoa física recuou 16% de dezembro de 2016 a fevereiro deste ano, quando desacelerou de R$ 139,6 bilhões para R$ 117,5 bilhões. O período foi marcado pelo recesso do Congresso. Em fevereiro, com a retomada dos trabalhos legislativos, a Câmara dos Deputados reelegeu Rodrigo Maia (DEM) como presidente e o Senado apontou Eunício Oliveira (PMDB) para o comando da mesa diretora da casa, o que reforçou os sinais de continuidade das reformas. Em março, o saldo saltou para R$ 148,3 bilhões. Em maio, o volume atingiu R$ 150 bilhões.

    A partir de junho, com a deterioração do clima político após a delação do empresário Joesley Batista, da JBS, as concessões caíram para R$ 142,7 bilhões e continuaram a recuar no mês seguinte a R$ 140,8 bilhões. Com o arrefecimento do impacto das revelações, o crédito com recursos livres voltou a crescer, embora com momentos de volatilidade. Em outubro, as concessões voltaram para perto da máxima do ano, aos R$ 149,6 bilhões.

    As taxas para pessoa física com recursos livres apresentaram comportamento semelhante. Os Juros recuaram gradualmente de março até junho. Em julho, porém, a taxa subiu 0,4 ponto percentual ante o mês anterior. O custo voltou a baixar até setembro. E, em outubro, elevou-se novamente em 0,3 ponto percentual, conforme o BC.

    Se a política tem atuado como o catalisador mais visível de volatilidade dos Juros no curto prazo, o pano de fundo para a resistência das taxas finais em cair é a longeva crise econômica. O cenário ainda deteriorado e cercado de incertezas mantém pressionada a disposição das Instituições Financeiras em emprestar.

    Para Molon, do Santander, embora exista uma defasagem de cerca de seis meses a até um ano para um corte da Selic ser transmitido às taxas finais, a conjuntura tem desacelerado as reduções de custos do crédito para o tomador. “Sempre tem essa desconfiança de que a queda não está chegando ao consumidor, mas as incertezas do cenário aumentam significativamente esse atraso e podem explicar a menor intensidade de redução da taxa final”, afirma.

    Na análise do economista-chefe do banco Fator, José Francisco Lima Gonçalves, “historicamente temos um spread [diferença entre o custo de captação e de empréstimo dos recursos] grande, mas isso ocorre devido à alta inadimplência e a um provisionamento muito forte [pelas Instituições Financeiras], um efeito cíclico, porque estamos saindo da pior recessão que conhecemos, que faz com que os custos dos bancos também subam”.

    Gonçalves explica que o spread, na verdade, tem se mantido estável. “Ninguém capta recursos na mesma taxa da meta Selic, é bem mais do que isso”, diz. Com a oscilação dos prêmios exigidos, “para manter o mesmo spread, a taxa de empréstimo tem de subir”, afirma. Para o especialista, “as taxas de financiamentos vão cair conforme os bancos façam a digestão dos prejuízos e das provisões feitas por conta da inadimplência”.

    “À medida que os bancos começarem a atender à demanda crescente, o preço do crédito vai reduzir, mas muito devagar”, afirma Ernani Teixeira Torres Filho, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ex-superintendente do BNDES. Para o economista, se a Selic permanecer perto de 7% ao ano no médio prazo, “o impacto sobre as taxas finais vai demorar dois anos para ocorrer”.

    De acordo com Torres Filho, as Instituições Financeiras reduziram muito a oferta de crédito e esse é o principal fator por trás da resistência das altas taxas finais. “Os bancos têm ainda uma política muito restritiva de crédito e a transmissão [dos cortes da Selic] não é mecânica, vai depender do nó de inadimplemento dentro das instituições se dissolvendo aos pouquinhos”, pondera.

    Os números do BC mostram que ainda há um caminho considerável para quedas das taxas finais. Antes do atual ciclo, a Selic havia caído pela última vez abaixo de 8% no fim de agosto de 2012, quando o Copom cortou o juro para 7,5%. Na ocasião, a taxa média de crédito com recursos livres para famílias se encontrava em 42,4% ao ano, ou seja, mais de 17 pontos percentuais abaixo do nível de outubro de 2017, quando a Selic estava nos mesmos 7,5% anuais.

    Apesar de os Juros médios com recursos livres para pessoa física terem recuado 14,9 pontos percentuais desde outubro de 2016, quando o Copom iniciou o ciclo de cortes, os 59,47% anuais de outubro deste ano equivalem ao nível visto em julho de 2015, quando a Selic estava perto de 14% ao ano.

     

    Selic em um dígito estende queda de Juros ao médio prazo
    Sérgio Tauhata | De São Paulo

    Se a volatilidade pontual apresentada na trajetória das taxas finais restringe-se ao curtíssimo prazo, em um período de alguns anos, as perspectivas mudam completamente. “O cenário principal é que a gente volte a entrar num processo longo de redução de taxas finais e, mesmo se a Selic passar a subir em alguns anos, o juro final talvez não suba”, afirma o economista-chefe do Santander, Maurício Molon. O cenário base do banco considera a permanência da taxa básica entre 6,5% e 7% ao ano até 2019.

    De acordo com o economista-chefe do Santander, quando se observam os comportamentos históricos da Selic e do juro ao consumidor há, pelo menos desde 2006, uma correlação forte entre os dois. Molon explica que, se a curva da taxa básica for deslocada seis meses para frente, a aderência é grande para a das linhas para famílias. “Essa é a tendência geral da curva das taxas para pessoa física”, afirma.

    Conforme a economista-chefe da Rosenberg, Thais Zara, a situação do emprego formal deve apresentar progresso ao longo do próximo ano e, com isso, o cenário macroeconômico pode até mesmo se sobrepor à volatilidade esperada com as eleições.

    “Ao longo do ano que vem a melhora no mercado de trabalho deve continuar a se intensificar e, com isso, a gente vai ter impactos positivos para as taxas de Juros, mais do que algum aumento de risco por conta de eleições.” Na análise da economista, “parte dessa queda da Selic a gente ainda vai ver sendo refletida nas taxas do crédito livre nos próximos meses e, mesmo se houver um encerramento da flexibilização da taxa básica, a queda vai continuar por algum tempo”.

    O professor de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFR), Ernani Teixeira Torres Filho, traça cenário semelhante para a taxa básica. “Todo mundo acha, inclusive eu, surpreendente a inflação ter caído tanto e que a redução da taxa de Juros do BC seja um processo que veio para ficar e vai se manter a despeito das eleições e, desse modo, uma taxa nominal de um dígito, que perdure em um prazo, por exemplo, de três anos é uma revolução no Brasil”, diz.

    Além das crises econômicas e política, explicam os especialistas, há outros fatores, alguns estruturais, que pressionam as taxas de mercado para cima. Conforme o assessor econômico da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), Altamiro Carvalho, a necessidade de financiamento do governo impacta diretamente a oferta de crédito.

    O crescimento acelerado da dívida pública drena recursos do mercado, que seriam direcionados aos empréstimos. “O governo recorreu mais intensamente ao mercado nos últimos anos e tirou recursos, tanto que o saldo de financiamentos caiu violentamente entre 2015 e 2016”, afirma.

    A concentração bancária é outro fator a atuar contra uma queda mais rápida das taxas. Segundo o economista da LCA, Vitor Velho, “a concentração do setor é muito grande e essa falta de concorrência entra muito na questão da composição do spread no Brasil”, diz.

    “No Brasil são apenas cinco grandes bancos”, ressalta Torres Filho, da UFRJ. Para o economista, a concorrência fora do grupo de instituições dominantes do mercado começa a reduzir os “spreads” e, aos poucos, os maiores passam a reduzir esse custo. Mas trata-se de um processo lento. “Foi assim nos 2000 e vai ser agora”, diz.

    Fonte: Valor Econômico

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