Apesar do alívio temporário com a suspensão do processo de impeachment na Câmara, o Palácio do Planalto teme que discussões prolongadas ou um pedido de vista arraste para o ano que vem o desfecho, no Supremo Tribunal Federal (STF), do julgamento que definirá os ritos para o andamento do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff. A avaliação do governo é que, se isso ocorrer, as pressões sobre a presidente tendem a aumentar, com possíveis manifestações de rua e o agravamento da crise política.
O julgamento do STF está marcado para quarta-feira que vem. O plenário da corte, composto por 11 ministros, vai analisar uma arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) proposta pelo PCdoB. O partido pede que o Supremo declare quais trechos da Lei do Impeachment (Lei 1.079, de 1950) estão ou não de acordo com a Constituição. A ação é longa, com 74 páginas e questionamentos de vários artigos da lei. Por isso, pode demandar mais de um dia de julgamento. Após as sessões da semana que vem, o Supremo entrará em recesso, voltando aos trabalhos em fevereiro. O governo avalia que o melhor seria concluir o assunto rapidamente.
Relator da ADPF proposta pelo PCdoB, o ministro do STF Edson Fachin adiantou ontem que vai propor, no julgamento de quarta-feira, um rito para o processo que pede o impedimento da presidente Dilma Rousseff. Na terça-feira à noite, Fachin suspendeu a instalação da comissão especial responsável por analisar o processo de impeachment.
O ministro atendeu um pedido urgente feito pelo PCdoB dentro da própria ADPF. A sigla argumentou que a votação para escolha dos membros da comissão não poderia ter sido secreta, e sim aberta. Também defendeu que as indicações deveriam ser feitas pelas lideranças das legendas, e não por blocos partidários. Fachin considerou que o argumento sobre a votação secreta é “plausível”. Segundo ele, o regimento interno da Câmara prevê esse tipo de votação oculta apenas para eleger o presidente e o vice-presidente das comissões, mas não todos os integrantes. Segundo ele, o assunto tem que ser analisado pelo plenário para evitar novos questionamentos, que podem levar inclusive à invalidação de atos no futuro.
Fachin justificou que apresentará um rito para o impeachment com o objetivo de evitar que cada passo seja objeto de uma profusão de medidas judiciais. “Vou propor em relação ao exame da constitucionalidade e da recepção, no todo ou em parte, da lei de 1950 [a Lei do Impeachment], um rito que vai do começo até o final do julgamento do Senado”, explicou.
Ao suspender a instalação da comissão especial do impeachment, Fachin determinou que o procedimento e todos os prazos relacionados ao processo fiquem suspensos até a conclusão do julgamento pelo plenário do STF. Ontem, ele negou que o congelamento desses atos possa influenciar no resultado da decisão do Congresso. “O lapso temporal de alguns dias, cinco úteis e oito corridos, em um processo dessa magnitude, que pode ter os efeitos que a denúncia almeja, ou seja, a inabilitação do exercício da função pela presidente, creio que um lapso temporal desse é relativamente compatível com a relevância dessa matéria”, avaliou.
O ministro também explicou que proporá um conjunto de procedimentos derivados do exame, pelo Supremo, dos passos previstos na Lei do Impeachment, para saber se estão ou não adequados à Constituição. “Disso resultará um procedimento que permitirá que o impeachment seja desenvolvido e processado sem nenhuma arguição de mácula”, explicou.
Em conversas reservadas nos últimos dias, alguns ministros do STF se disseram “chocados” com as imagens da sessão da Câmara de terça-feira, marcada por brigas entre parlamentares e até urnas quebradas durante a eleição dos membros da comissão especial. Um integrante da corte chegou a apontar um clima de “barbárie”, segundo interlocutores. Nesse contexto, a decisão de Fachin de colocar um freio no processo foi bem vista por parte do tribunal. Alguns ministros avaliaram que “as regras estão sendo definidas durante o jogo”, o que traria insegurança e confusão.
Os ministros Marco Aurélio Mello e Luís Roberto Barroso saíram ontem em defesa de Fachin. “Se há alguma dúvida e algum questionamento, é melhor parar o jogo um minutinho e acertar isso”, declarou Barroso. De acordo com ele, “as regras do jogo”, no caso, são aquelas exigidas pela Constituição e pela lei. Ele negou que a decisão de Fachin seja uma interferência do Judiciário sobre o Legislativo. “Acho que não é interferência. Até porque a decisão dele foi motivada por membros do próprio Congresso ou por partidos políticos”.
Barroso ressaltou que o STF “não fará juízo de mérito” sobre o processo de impeachment, mas sim uma avaliação sobre o cumprimento dos procedimentos legais. “Melhor que, no procedimento dessa gravidade, se deixar pairando as dúvidas, é atrasar uma semana e já se cumprirem regras adequadas”, concluiu.
Marco Aurélio também rejeitou que o STF tenha interferido em assuntos do Congresso. Ele declarou que “é tempo de observar-se o império da lei” e que a premissa da decisão de Fachin é que os parlamentares não estariam respeitando o “figurino legal” na escolha da comissão especial do impeachment.
Por outro lado, o ministro Gilmar Mendes defendeu uma intervenção “moderada” do Judiciário no processo e ironizou: “Se depender de liminar para ficar no cargo, melhor colocar o presidente do STF [para governar o país].” Ele acrescentou que, “se o chefe do Executivo tem dificuldade para obter 171 votos [para impedir a abertura do impeachment], terá uma “enorme dificuldade de governar” e “não será mantido por liminar do Supremo”.
Fonte: Valor Econômico