Audiências públicas nesta semana expõem visões distintas sobre a MP 784
O trâmite da Medida Provisória 784 uniu Banco Central e instituições financeiras em negociações sobre a redação do texto e a definição sobre os próximos passos regulatórios para tirar do papel um programa de leniência e termos de compromisso na autoridade monetária.
Na outra ponta, o Ministério Público Federal estuda a matéria e demonstrou publica e reservadamente preocupação com alguns pontos, em especial a criação da leniência por meio de medida provisória, a participação de procuradores nas negociações quando houver indícios de infração penal e o grau de sigilo nas conversas preliminares entre a autoridade monetária e as instituicões financeiras. Em nota técnica, a 5ª câmara de revisão do MPF considerou o texto da MP inconstitucional.
Procuradores e bancos vão expor seus argumentos nos próximos dias, quando a Comissão Especial formada no Legislativo para discutir a matéria realiza três audiências públicas (terça, quarta e quinta-feira). Os debates fazem parte do plano de trabalho da comissão, aprovado na semana passada (16/8), e terão ainda participação do BC, da CVM e de integrantes do Cade.
Negociações com o MPF
Diante desse quadro e da resistência do MP, o setor privado ainda mantém no balanço de riscos a possibilidade de a MP 784 deixar o Congresso Nacional sem a previsão de acordos de leniência no BC e na CVM.
O Banco Central tenta uma solução negociada.
Uma das saídas seria a definição clara sobre quem negocia acordos e em que situações. O BC admite, por exemplo, que acordos de leniência de bancos envolvendo matéria penal sejam tocados exclusivamente pelo Ministério Público – como lavagem de dinheiro, por exemplo. Ao mesmo tempo, quer cuidar isoladamente de negociações sobre infrações administrativas.
Nos casos em que há tanto uma quanto a outra, ou seja infrações administrativas e penais, haverá negociação conjunta. Há expectativa de definir os casos pontuais em que isso vai acontecer, tanto em ilícitos envolvendo o mercado de capitais – de responsabilidade da Comissão de Valores Mobiliários – como no setor bancário, de seguros e corretoras de valores.
As conversas entre Congresso e BC demoraram a começar. A autoridade monetária sugeriu encontros com diretores e técnicos, mas a relatora da matéria, senadora Lídice da Mata (PSB-BA), aceitou apenas iniciar os debates com o presidente da autarquia, Ilan Goldfajn.
Negociação BC e bancos
Está acertado entre as instituições financeiras e o Banco Central uma modificação no artigo 3º da Medida Provisória, de forma a definir de modo mais objetivo as infrações administrativas. Os ilícitos já constam de documentos do BC e do Conselho Monetário Nacional, além de ser objeto de jurisprudência do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN). A MP 784 apenas consolida as infrações.
A intenção é aperfeiçoar o texto para dar maior segurança jurídica e previsibilidade de regras para os bancos. Por outro lado, os critérios para dosimetria das multas serão descritos em regulamentação posterior da MP 784 pelo governo. O texto eleva para R$ 2 bilhões e R$ 500 milhões o valor máximo de punição que BC e CVM podem aplicar. Setores privado e público concordaram em manter estes valores.
O valor das multas é alvo de emendas à MP, que buscam elevar ainda mais o teto das sanções. A alteração das cifras, porém, não encontrará apoio e sim resistência da autoridade monetária, segundo apurou o JOTA.
Plano de trabalho
No plano aprovado, acontecerão três audiências públicas. Na primeira, prevista para esta terça-feira (22/8), foram seis os convidados a debater a medida provisória. Três confirmaram presença.
Pelo Cade, comparecerá a chefe de gabinete da superintendência-geral e professora de Direito Comercial da UnB Amanda Athayde. O presidente interino da CVM, Pablo Waldemar Renteria representará a entidade, enquanto o Ministério Público Federal terá Marcelo Muscogliati, da 5ª Câmara de Revisão.
Há convites também para BC, Ministério da Transparência e Controladoria-Geral e AGU.
Na quarta-feira, Febraban, Anbima, BNDES, Associação de Investidores no Mercado de Capitais, e os professores Valdir Simão, ex-ministro da CGU, e Gilson Dipp, ex-ministro do STJ, participarão da mesa.
Na quinta-feira, a comissão ouvirá representantes do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central – SINAL, do Sindicato dos Funcionários da CVM, SindCVM, do Sindicato dos funcionários da Susep, e os professores Heleno Torres, Walfrido Junior e Sérgio Eskenazé Pernidje.
O papel do Ministério Público no projeto é a grande incógnita da matéria. Se no texto do governo não há participação da instituição jurisdicional nos acordos, a sinalização de Lídice, que mantém contato constante com o Ministério Público, deve modificar a questão, ao menos no relatório da matéria.
Membros como o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), e os deputados Alfredo Kaefer (PSL-PR) e José Rocha (PR/BA) devem representar os interesses do Planalto na comissão mista. Além disso, os líderes partidários podem alterar a composição da comissão até o fim da discussão do parecer para garantir a vitória na votação. Os eventuais substitutos também atuam como defensores mais preparados para discursar e utilizar o regimento a seu favor.
A Medida Provisória
Negociada por anos entre o Banco Central (BC) e o setor privado, a medida modifica o processo administrativo sancionador na esfera do BC e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Entre as inovações, a mais chamativa encontra-se na permissão aos órgãos assinarem acordos de leniências com instituições do sistema financeiro.
A escolha da relatoria e da presidência da comissão mista obedeceu tradicional rodízio entre os partidos e entre as Casas Legislativas. O Partido Socialista Brasileiro (PSB) era o próximo a ser agraciado.
O nome que surgiu nas primeiras conversas para relatar a matéria, que obrigatoriamente seria do Senado, foi do senador Fernando Bezerra Coelho, pai do ministro de Minas e Energia do atual governo, Fernando Bezerra Coelho Filho. Contudo, Bezerra Coelho já possuía uma grande quantidade de comissões e matérias em que atua, e a incumbência ficou a cargo da baiana Lídice da Mata.
Se Fernando Bezerra é da ala do PSB alinhada ao governo Michel Temer, Lídice é declaradamente oposição ao presidente. A senadora votou contra a reforma trabalhista e já declarou ser contrária à reforma da previdência.
Já o presidente da Comissão, Fábio Garcia (PSB-MT) é da ala do partido que namora com o governo. Ligado a líder do PSB na Câmara, Tereza Cristina, Fábio votou a favor do parecer do deputado mineiro Paulo Abi-Ackel (PSDB) contra o recebimento de denúncia da PGR contra o presidente Michel Temer.
O nome do deputado consta na lista de insatisfeitos com o partido, e pode trocar de sigla na próxima janela partidária.
Fonte: JOTA.info