Levy defende ajuste. Meirelles, privatização

    Ministro da Fazenda e possível sucessor ficam cara a cara. Empresários se posicionam a favor de ex-presidente do Banco Central, que tem apoio de Lula para chefiar a equipe econômica. Ele prega redução do tamanho do Estado em vez de elevação de tributos

    Alvos de grande especulação dentro do governo e no mercado financeiro, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e seu possível sucessor, Henrique Meirelles, ficaram frente a frente ontem. Convidados a participarem do Encontro Nacional da Indústria (Enai), tudo estava programado para que não se encontrassem. Mas uma mudança repentina na agenda de Levy, que falaria pela manhã, acabou por confrontá-los, dando munição aos que pregam mudanças nos rumos da política econômica.

    Levy e Meirelles, que chegaram a almoçar juntos, procuraram mostrar cordialidade, mas o constrangimento foi enorme, sobretudo porque a maior parte dos empresários presentes se mostrou francamente favorável ao ex-presidente do Banco Central, escolhido pelo ex-presidente Lula como sucessor do ministro. A troca só depende do aval da presidente Dilma Rousseff e pode ocorrer ainda no fim deste ano. Lula alega que Levy fracassou na promessa de resgatar o crescimento do país, ao se fixar apenas no ajuste fiscal.

    Antes que fosse questionado, Levy avisou que concordava com todas as ideias de Meirelles. Mas usou a maior parte do discurso para se defender. Para ele, antes de se falar em crescimento econômico, como pregam seus detratores, é preciso arrumar as contas públicas, que correm o risco de registrarem três anos seguidos de deficit. Sem isso, alegou, não haverá confiança suficiente para destravar o consumo e os investimentos produtivos.

    Ambições

    Dando claros sinais de fragilidade, o ministro não se furtou a defender sua chefe, apesar de, até agora, ela não ter esboçado qualquer reação para pôr fim aos rumores de que o subordinado está com os dias contados. Segundo ele, Dilma concordou com todas as ações que foram tomadas desde o início do segundo mandato para mudar os rumos da economia, como, por exemplo, os aumentos das tarifas de ENERGIA ELÉTRICA e dos preços dos combustíveis. “Essas mudanças tiveram um preço político. E a presidente está pagando esse preço. Mas precisamos avançar para sermos vitoriosos”, assinalou.

    Meirelles reconheceu a importância do ajuste fiscal, que, segundo ele, deve ser completo. Mas, em vez de a arrumação das contas se dar majoritariamente pelo aumento de impostos, como defende Levy, que propôs a recriação da CPMF, ele defendeu a retomada das privatizações, palavra que causa ojeriza no PT de Lula. Numa clara cutucada no ministro da Fazenda, disse que o país não pode ficar refém de uma agenda de curto prazo. “O que precisamos, de fato, é construir cenários para assegurar um crescimento sustentável nas próximas décadas”, afirmou.

    Questionado sobre a possibilidade de assumir o Ministério da Fazenda, o ex-presidente do BC disse que ainda não recebeu um “convite concreto”. Mas não descartou que, caso esse convite venha, aceitará. “Sobre a questão se eu aceitaria ou não aceitaria, tenho uma postura há muito tempo: não trabalho, não penso nem falo sobre hipótese. Só trabalho com situação concreta. Acho que o importante hoje é definirmos o que precisa ser feito no Brasil”, destacou. Meirelles sabe que Dilma não gosta dele, especialmente por impor condições, como a de nomear o ministro do Planejamento e o presidente do BC. Mas tem ambições políticas, inclusive a de ser presidente do Brasil. Para isso, vale tudo.

    “O que precisamos, de fato, é construir cenários para assegurar um crescimento sustentável nas próximas décadas. Sem reformas, o PIB crescerá 1,2% ao ano”

    Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central

    “Sem a segurança fiscal, que diminui os temores das pessoas e dá visibilidade ao futuro, não haverá base para as ações que visam o desenvolvimento”

    Joaquim Levy, ministro da Fazenda

    Pessimismo atual compromete o futuro

    Em meio às especulações de que será ministro da Fazenda, Henrique Meirelles retornou ontem a Brasília com propostas para tirar o país do atoleiro. Sob aplausos de empresários, defendeu a venda de empresas públicas para reforçar o caixa do governo em vez de aumento de impostos, e pregou cortes mais profundos nos gastos públicos. Na avaliação de Meirelles, que tem o aval de Lula para substituir Joaquim Levy na chefia da equipe econômica, não há como se falar em crescimento econômica sem estimular o setor privado.

    Para o ex-presidente do Banco Central, não se deve olhar o Brasil apenas a curto prazo. É preciso adotar medidas que garantam o crescimento sustentado, por décadas. Para Meirelles, as decisões de longo prazo estão sendo contaminadas pela visão de que tudo está muito ruim, que o país teria entrado em uma rota de declínio. Segundo ele, o Brasil se encontra em posição melhor do que há 20 anos e tem um mercado consumidor do tamanho da França ou da Inglaterra, com empresas fortes.

    “Temos hoje uma estrutura econômica mais forte, sem subestimar os problemas que estamos enfrentando, com perspectiva de queda de 3% do Produto Interno Bruto (PIB). Um outro lado da questão é que a desvalorização do real reabriu o mercado internacional. Evidentemente que a retomada das exportações não acontece do dia para a noite. É um processo relativamente demorado, mas está em curso”, frisou.

    Com um discurso preparado para marcar posição e destravar o caminho para o principal cargo da Esplanada, Meirelles assinalou a força do Poder Judiciário e a liberdade de imprensa como amadurecimento das instituições brasileiras. No entender dele, a inflação controlada, as reservas internacionais de US$ 370 bilhões e o ajuste nas contas externas devem ser levados em consideração como exemplos de que a economia é sólida.

    Ele não perdeu a oportunidade de provocar Levy, que vem defendendo o aumento de impostos como forma de fazer o ajuste fiscal. Para ele, a tributação no Brasil é elevada e equivalente à de países mais amadurecidos. “Então, como é que se resolve a questão fiscal? Com corte de despesas públicas. Se olharmos para um prazo mais longo, teremos que enfrentar essa questão” disse. “A boa notícia é que enfrentamos situações difíceis no passado”, emendou. Na avaliação dele, com reformas estruturais, o PIB poderá crescer a uma média de 4% ao ano ao longo da próxima década, mas, sem isso, o avanço será de apenas 1,2%. (RC)

    Fonte: Correio Braziliense

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