Levy fica. Por enquanto

    Para mostrar que o ministro da Fazenda mantém prestígio, Dilma o chamou para uma reunião no Planalto da qual só participaria Mercadante, titular da Casa Civil. Barbosa, do Planejamento, também compareceu

    O governo fez uma operação de guerra para segurar no cargo o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e acalmar o mercado diante da ameaça de que ele poderia deixar a equipe da presidente Dilma Rousseff. Ela foi alertada por várias pessoas sobre os riscos da saída de Levy e os estragos para a economia brasileira, como uma disparada ainda maior do dólar, que já está encostando em R$ 4. Um dos que fizeram esse aviso, de acordo com fontes palacianas, foi o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, que jantou com a chefe do Executivo na semana passada, em um compromisso excluído da agenda oficial. 

    O ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom), Edinho Silva, teve que ir a público para garantir que o titular da Fazenda continua no cargo. “Levy fica porque nunca saiu. Sempre ficou. Ele é reconhecido pela presidente Dilma e pelo conjunto do governo. Trata-se de um ministro sério, trabalhador, comprometido não só com este governo, mas com o nosso país”, afirmou Edinho. 

    Para analistas de mercado, o ministro está isolado do governo, sendo ignorado nas decisões sobre política fiscal. O Orçamento de 2016 foi anunciado no último dia 31 com deficit de R$ 30,5 bilhões, contra a vontade do ministro – o único economista ortodoxo dentro da equipe de desenvolvimentistas. 

    Um dia depois de elogiar Levy, Dilma, que tinha apenas o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, na sua agenda da tarde, resolveu transformar o encontro em uma reunião da Junta Orçamentária, convocando Levy e Nelson Barbosa, do Planejamento – ele vem se engalfinhando com o titular da Fazenda, cujo cargo ambiciona. A possibilidade de subsituição de Levy por Barbosa é vista no mercado, porém, como retrocesso.

     

    Viagem adiada

    Com esse compromisso de última hora, Levy teve que adiar sua ida a Ancara, na Turquia, para participar do encontro ministerial do G20, grupo das 19 maiores economias emergentes e desenvolvidas, mais a União Europeia. A viagem foi remarcada para a madrugada de hoje. Depois da reunião ministerial com Dilma, Levy voltou ao seu gabinete e não fez declarações. Barbosa fez a mesma coisa. 

    O escalado para falar com a imprensa foi Mercadante. Ele reforçou que não há divergências na equipe econômica e negou a saída do titular da Fazenda. “É evidente que fica. Ele (Levy) tem um compromisso com esse projeto. Sabe a importância do trabalho que ele tem para a 7ª maior economia do mundo como ministro da Fazenda. Já disse isso. Estamos reafirmando aqui. Não foi tratado esse assunto na reunião. Tratamos de coisas objetivas e de uma agenda construtiva”, afirmou o chefe da Casa Civil. 

    Ele chamou de especulador quem está propagando os boatos das divergências no governo. “Em um momento de instabilidade tem uma aliança entre os mal-informados e os mal-intencionados. Tem gente especulando e tentando ganhar dinheiro com a turbulência. Mas pode ter certeza de que isso não está na pauta do governo. Ele está na equipe, ajuda muito e vai continuar ajudando o Brasil”, afirmou, acrescendo que “quem apostar o contrário vai perder dinheiro”. 

    Após a reunião ministerial que terminou pouco antes das 17h, Dilma deixou o Palácio do Planalto e foi para o Alvorada, onde se reuniu com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. 

    Para a economista Monica Baumgarten de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics, de Washington, Levy é “o único pilar de confiança dos investidores”. Sua saída resultaria no rebaixamentodo do país pelas agências de classificação de risco. “A credibilidade da política econômica está atrelada a uma pessoa. Se não tivesse o Levy na equipe econômica, a economia estaria muito pior, o capital estrangeiro já teria saído e o país já não teria o grau de investimento”, afirmou. 

    Na avaliação dela, o orçamento deficitário apresentado pelo governo mostra precisamente os limites e a “falta de massa de manobra para os cortes de gastos”. “O país vai atravessar três anos com deficit fiscal, e isso é motivo de sobra para o país perder o grau de investimento”, completou. 

    O economista Otto Nogami, professor do Insper, também destacou a importância da presença de Levy no governo para garantir credibilidade junto ao mercado. “Nessa equipe econômica, o único que tem uma posição mais austera com relação ao ajuste fiscal é justamente o Levy. Ele é o único fio de esperança na atual conjuntura. Há um consenso no mercado de que, se ele sair, a farra fiscal será tamanha que correremos o risco de descontrole total das contas públicas”, disse. 

    Mercadante informou que a Junta Orçamentária está trabalhando para elaborar novas propostas de cortes nos gastos obrigatórios, que somam R$ 1,081 trilhão, porque já não há mais espaço nas despesas discricionárias, que somam R$ 250 bilhões. “No primeiro semestre, nas despesas obrigatórias, conseguimos reduzir com várias iniciativas. E, de outro lado nós precisamos melhorar a receita”, disse ele, sinalizando que será inevitável o aumento de impostos.

     

    Aumento de impostos

    Em meio a todo esse ambiente, em um evento com empresários em São Paulo, o vice-presidente Michel Temer defendeu a permanência do ministro da Fazenda no cargo. “Eu disse ao Levy que ele tem o apoio do PMDB. A saída dele agora seria muito prejudicial para o país.”   

    Temer também argumentou que o aumento temporário das alíquotas de alguns impostos poderia reequilibrar as contas públicas. 

    O relator do Orçamento de 2016, o deputado federal Ricardo Rocha (PP-PR), informou que, neste fim de semana, deverá trabalhar com uma equipe de cinco técnicos para buscar uma solução para o “equilíbrio orçamentário”, ou seja, sem deficit. Mas ele reconhece que há muitas despesas que não foram incluídas no Orçamento, o que pode deixar o rombo ainda maior. 

    “Ele (Levy) tem um compromisso com esse projeto. Sabe a importância do trabalho que ele tem para a 7ª maior economia do mundo como ministro da Fazenda.”

    Aloizio Mercadante, ministro-chefe da Casa Civil

     

    FMI: retração é profunda 

    Washington – A atividade econômica do Brasil se contraiu em intensidade mais profunda do que a esperada por causa da contínua queda da confiança de empresários e consumidores e da piora do ambiente político, afirma o Fundo Monetário Internacional (FMI) em análise preparada para a reunião do G20, o grupo dos países mais ricos do mundo, que acontece hoje e amanhã na Turquia.  

    O documento, intitulado Perspectivas Globais e Desafios de Política Econômica, observa que, nesse cenário, o ajuste fiscal e monetário conduzido pela equipe econômica, apesar de necessário, deve continuar enfraquecendo a demanda doméstica, afetando o investimento, que tem declinado de forma rápida. O FMI destaca ainda que a manutenção da queda do preço das commodities no mercado internacional, provocada pela moderação do ritmo de crescimento da China, também está afetando o Brasil e outros países da América Latina. Segundo o organismo internacional, a região pode ter o quinto ano consecutivo de crescimento decepcionante.  

    Esses fatores negativos explicam a forte desvalorização do real que, entre julho e agosto, foi a terceira moeda que mais perdeu valor, atrás das divisas da Rússia e da Turquia. Uma das recomendações do FMI para o Brasil voltar a crescer é que o governo tome medidas para melhorar o ambiente de negócios, o que ajudaria a recuperar a confiança dos agentes na economia. O fundo voltou a sugerir ainda que o Brasil faça reformas na educação e no mercado de trabalho, para aumentar a competitividade e a produtividade.  

    O FMI deve atualizar as projeções para a economia mundial em 6 de outubro, durante sua reunião anual, que, desta vez, será em Lima (Peru). Em julho passado, a instituição previa que o PIB brasileiro fosse recuar 1,5% neste ano e ter expansão de 0,7% em 2016. 

     

    Caminho insustentável 

    O ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga disse ontem, no Rio, que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, é, hoje, uma pessoa “importantíssima” para o Brasil. Segundo ele, o país segue um “caminho insustentável”, que começou no segundo mandato do ex-presidente Lula, com a perda de transparência nos gastos públicos. Fraga avalia que o Brasil enfrenta uma crise “política e policial”, em que os desdobramentos da Operação Lava-Jato têm efeito paralisante sobre a economia.

     

    The Economist  vê mau presságio 

    A edição da revista britânica The Economist deste fim de semana destaca o enfraquecimento do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e os riscos que o Brasil enfrenta com a decisão da presidente Dilma Rousseff de entregar ao Congresso a responsabilidade de resolver os problemas fiscais. Para a revista, a perda de espaço e prestígio de Levy nas recentes negociações sobre o tema “é um mau presságio”.  

    Com o título “Tempos desesperados, movimentos desesperados”, a reportagem nota que Dilma não tem conseguido bons resultados econômicos desde 2010. “Se o governo fosse forte e confiante, poderia reconhecer a necessidade de aumentar a dívida a curto prazo. Mas, para empurrar as reformas para o Congresso seria preciso capital político, e isso não foi feito durante os anos do boom do Brasil, quando teria sido mais fácil.”  

    O Brasil também foi tema de matéria do diário londrino Financial Times, o qual lembra que, em uma passagem anterior pelo governo, Levy ganhou o apelido de “Edward Mãos de Tesoura”, em referência ao filme de 1990, por causa de sua capacidade de cortar gastos. Mas nota que, após oito meses no cargo atual, o ministro luta para fazer progressos em meio a uma economia fraca e a uma crise política que destruiu a capacidade do governo de aprovar qualquer coisa no Congresso.

     

    Fonte: Correio Braziliense

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