Autor: Edna Simão
O uso do lucro contábil do Banco Central (BC) com reservas internacionais para amortizar dívida pública tem ajudado significativamente no cumprimento chamada “regra de ouro” fiscal e vem abrindo espaço para que o governo emita títulos para pagamento de gasto corrente.
A avaliação é do especialista em contas públicas Leonardo Ribeiro, assessor econômico do Senado. “A utilização de fontes que não sejam aumento de imposto ou venda de ativos para pagar despesa de capital é uma forma de driblar a regra de ouro”, afirma Ribeiro.
A “regra de ouro” está prevista no Artigo 167 da Constituição e proíbe o governo de emitir dívida em valor superior às despesas de capital (principalmente investimentos) do exercício. Mas, também pela Constituição, a amortização de dívida pode ser considerada investimento, ou seja, permite novas emissões ou financia a cobertura do Déficit.
Uma vez acionada a “regra de ouro”, o governo estará impedido de financiar o funcionamento da máquina pública com recursos oriundos da emissão de títulos da dívida, a não ser que peça a autorização do Congresso. Na avaliação de Ribeiro, a amortização de dívida para cumprimento da “regra de ouro” deveria considerar apenas recursos oriundos, por exemplo, de venda de ativos ou aumento de impostos. “O ideal seria aumentar investimento e não emitir para pagamento de gasto corrente.”
O Tesouro informou ao Valor que “em momentos como o atual, nos quais o governo se defronta com sucessivos déficits fiscais, as receitas financeiras tradicionalmente arrecadadas – tais como o retorno de empréstimos e refinanciamentos (ao BNDES e aos demais entes da federação), a remuneração da Conta Única e os resultados positivos do BC – são fontes legitimas para a cobertura de despesas correntes, auxiliando no cumprimento da regra de ouro”.
Ainda segundo o Tesouro, o cumprimento dessa regra no médio e longo prazos depende da aprovação de reformas estruturais, que permitam adequar as despesas correntes às receitas correntes.
A preocupação do governo com o descumprimento da “regra de ouro”, principalmente no exercício de 2019, como antecipado pelo Valor, tornou-se mais evidente devido aos elevados déficits fiscais apurados nos últimos anos. Diante desse cenário, a antecipação de pagamento de empréstimos feitos pelo BNDES ajudaria na redução de dívida e, com isso, no atendimento à “regra de ouro” com maior facilidade. No ano passado, houve antecipação de R$ 100 bilhões do BNDES para a União. O Tesouro ainda tem outros R$ 443 bilhões em créditos juntos ao banco.
Segundo Ribeiro, o abatimento de lucro contábil do BC da despesa de capital – assim como o uso de antecipação de pagamento de empréstimos pelo BNDES – é legal, embora não considere uma redução efetiva de dívida, porque a margem que se abre é aplicada em pagamento de salários, Previdência, seguro-desemprego, e não para elevar investimentos. O Tesouro explicou, em nota, que considera a “regra de ouro” parte fundamental do arcabouço de regras fiscais que asseguram a sustentabilidade das contas públicas no longo prazo.
Em 2016, o governo cumpriu a “regra de ouro” com margem de mais de R$ 80 bilhões. Com o dólar recuando, o Tesouro teve de repassar ao BC cerca de R$ 250 bilhões. No primeiro semestre de 2017, o BC registrou resultado positivo de R$ 11,3 bilhões. (Colaborou Eduardo Campos, de Brasília)
Fonte: VALOR ECONÔMICO