RAYMUNDO COSTA, RAPHAEL DI CUNTO E MARCELO RIBEIRO
Autor: Raymundo Costa, Raphael Di Cunto e Marcelo Ribeiro
Num duro discurso proferido no momento em que a Comissão de Constituição e Justiça discutia o pedido de licença para o Supremo Tribunal Federal investigar e processar o presidente Michel Temer, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, anunciou que não mais pautará a Medida Provisória 784 que institui os acordos de leniência com empresas do setor financeiro. Maia também anunciou que não votará mais MPs em tramitação e devolverá as novas que não atenderem ao requisito da urgência e relevância.
Se efetivamente cumprir a ameaça, Maia tumultua o ambiente de votação da denúncia e pode comprometer o calendário do governo, que pretende levar a cabo algumas medidas do ajuste por MPs, com vigência imediata e cujos efeitos podem se refletir já nas contas de 2018.). “Se não for por MP demora ainda mais para fazer efeito, economiza menos, provoca efeito nas contas deste ano”, afirmou. O Palácio do Planalto acionou os ministros da Casa para acalmar o deputado.
A manifestação de rebeldia de Maia preocupou o governo, pois se deu no momento em que a CCJ se reunia para votar a segunda denúncia contra Temer, após um dia em que vários aliados ameaçaram abandonar o presidente, mas não há indicação de que o deputado venha a trabalhar pelo afastamento do presidente Temer.
O ruído de insatisfação ontem era maior no PSC, PP e na ala governista do PSB. Alguns aliados tentaram novamente fatiar a votação da denúncia, de modo a pressionar a saída dos ministros Moreira Franco (Secretaria Geral) e Eliseu Padilha (Casa Civil), o que desencadearia a reforma ministerial. Estima-se que Temer pode perder até 20 votos na apreciação da nova denúncia.
Apesar da preocupação, Temer absorveu as críticas de Maia. Entende que o deputado precisa mostrar independência e isenção em relação ao seu julgamento. Além disso, considera que Rodrigo tem sido correto ao tratar da tramitação do pedido do ex-procurador – ele se posicionou contra o fatiamento da denúncia, a favor da manutenção do relator do pedido, deputado Bonifácio Andrada (PSDB-MG), apesar da pressão dos tucanos, e marcou a sessão do plenário para o dia 23, uma data que atende aos interesses do governo.
A questão das medidas provisórias é uma demanda crescente na relação do Congresso com o Executivo. Já houve casos de MPs devolvidas e agora os presidentes das duas Casas (Câmara e Senado) brigam por um prazo maior para que cada uma delas possa discutir as propostas. Maia responde à mesma pressão e aproveita para marcar um certo distanciamento em relação ao presidente da República. A chance de Maia virar presidente no lugar de Temer era maior na votação da primeira denúncia de Janot. A Presidência também inviabilizaria a candidatura de seu pai, Cesar Maia, ao governo do Rio.
Para evitar atropelos de última hora, Maia queria votar ontem mesmo a MP 784, mas o governo trabalhou contra, a fim de não interromper a sessão da CCJ que discutia a denúncia contra o presidente. Irritado, o deputado deu o ultimato: “Se o governo em cima da hora decide que não tem mais urgência, que comece a encaminhar suas propostas por projetos de lei. Nenhuma das antigas medidas provisórias será mais votada enquanto não aprovarmos aqui a emenda com a regulamentação das MPs”.
O governo trabalhou, ao longo do dia, para derrubar a MP e impedir a votação. A intenção era que a CCJ recebesse o parecer do deputado Bonifácio Andrada (PSDB-MG), mas isso não poderia ocorrer enquanto o plenário estivesse em funcionamento. Maia deixou aberta uma saída de emergência ao dizer que devolverá todas as novas MPs que não cumprirem o requisito constitucional. “Já pedi ao presidente e reitero: as próximas MPs que não tiverem relevância e urgência serão devolvidas quando chegarem à Câmara”.
Pela manhã, Maia recebeu Ilan Goldfajn, presidente do Banco Central, para negociar alterações na proposta. “Sei que o presidente do BC foi desrespeitado. Como tenho muito respeito pelo presidente do BC, não poderia deixar de fazer o máximo esforço para votar o projeto”, disse. O presidente da Câmara disse que não “poderia aceitar que a responsabilidade de deixar cair a MP fosse minha, numa área que eu conheço, onde trabalhei”.
O deputado também evitou dizer se a agenda do governo agora é unicamente a “salvação do presidente Michel Temer”, como fez em outras ocasiões, mas também não defendeu o pemedebista. “Não sei”, respondeu, quando questionado. Para ele, a CCJ da Câmara pode trabalhar em horários alternativos ao do plenário da Câmara para discutir a denúncia contra o presidente. O parlamentar do DEM cobrou ainda respeito do Executivo ao Legislativo. “Quando a gente tem uma pauta e o governo obstrui sem um motivo claro, necessário, a gente precisa dizer o seguinte: trabalhamos em harmonia, queremos respeito à Câmara”.
Fonte: Valor Econômico