Os mercados financeiros reagiram sem surpresa ao rebaixamento da dívida de longo prazo em moeda estrangeira e local do Brasil pela empresa de classificação de risco Standard & Poor s. Os investidores já haviam readequado os preços dos ativos brasileiros a essa perspectiva, gradativamente, desde que em junho a S&P havia colocado em perspectiva negativa o país. A ausência de surpresas, longe de ser uma boa nova, apenas indica que o Brasil ficou mais perto de perder a chancela de grau de investimento. O comunicado da S&P deixa claro que a piora da posição brasileira é uma possibilidade desse cenário, embora tenha mantido a perspectiva estável, após a reclassificação. O governo brasileiro ganha tempo precioso para consertar o que está errado e evitar um novo e mais rude golpe.
O fato de o prestígio das empresas de classificação de riscos ter ido à lona na crise financeira de 2008, ao conferirem as melhores notas para ativos que eram um lixo, não significa que seus vereditos continuam pesando na alocação de recursos globais e têm de ser levados em conta – apesar de tudo e com ressalvas.
A nota da empresa para o rationale de sua decisão mistura alhos e bugalhos. Depois de apontar dois fatores negativos com os quais grande parte dos analistas domésticos concordam – a derrapagem fiscal e execução fiscal fraca, em meio a crescimento baixo -, a S&P elenca a restrita habilidade do governo para ajustar sua política antes das eleições presidenciais de outubro . Ajustes fiscais sempre são difíceis em ano eleitoral em qualquer lugar e apontar um fator de curto prazo para rebaixar uma dívida de longo prazo não parece algo sensato.
Dois parágrafos à frente, a avaliação ganha uma nuance e se complica mais. A política para conter a derrapagem fiscal antes da eleição presidencial emite sinais confusos , da mesma forma que as perspectivas de ajustes após as eleições . Aparentemente, a S&P já sabe quem vencerá a eleição.
O arrazoado da S&P ganha densidade no diagnóstico fiscal, a verdadeira razão de ser do rebaixamento da classificação. A deterioração nessa área vem de anos, como resultado de superávits primários cadentes e contínuas atividades extra-orçamentárias , uma maneira educada de designar a contabilidade criativa . A credibilidade do governo foi diminuindo com a retirada de despesas da meta fiscal, além da redução da própria meta, e com o uso de dinheiro do Tesouro para financiar bancos públicos. Segundo a empresa de rating, a execução fiscal tornou-se dependente de receitas não recorrentes e do timing dos gastos para se adequar às metas prometidas.
A S&P não compra nem a virtude nem as promessas do governo na área fiscal. Será difícil atingir a meta de 1,9% do PIB de superávit primário sem recursos não recorrentes, dado o baixo crescimento e a continuidade de algumas isenções de impostos . Dificultam ainda mais o cumprimento do compromisso fiscal o expediente para compensar as perdas do setor elétrico, com alta limitada das tarifas de energia em ano eleitoral. Não só eles: o julgamento das perdas da poupança nos planos econômicos ameaça jogar uma conta pesada ao governo em socorro dos bancos federais e houve deterioração da performance fiscal de Estados e municípios.
O governo ignorou as advertências da S&P em junho e continuou a apelar para truques. Os resultados de janeiro foram piores em função de despesas postergadas de 2013. As receitas extraordinárias nos dois últimos meses do ano salvaram um desempenho medíocre no controle de gastos. A confusão gestada no setor elétrico criou uma conta salgada, parte dela espetada no Tesouro. Além disso, o Ministério da Fazendaampliou os subsídios decorrentes dos repasses de recursos do Tesouro ao BNDES e seus clientes, ao trocar pela TJLP (5% ao ano) a taxa des juros incidentes sobre R$ 238 bilhões, que pagavam taxas mais elevadas. Os efeitos desses atos, que elevam a dívida bruta e a longo prazo complicarão ainda mais a execução fiscal no futuro, não são pequenos.
Decisões como essa foram tomadas às vésperas das visitas da S&P aos gabinetes ministeriais de Brasília. Há dúvidas generalizadas se o governo será capaz de cumprir até suas mitigadas metas de contenção fiscal. O fiscalismo frouxo alimentou a inflação e não resultou em mais crescimento. É importante que se retome o rumo fiscal não por causa da S&P, mas sim porque isso amplia as perspectivas de um futuro melhor para os brasileiros.
Fonte: Valor Econômico