Mantega descarta crise e vê sinais de retomada no segundo semestre

    Por Claudia Safatle, Edna Simão, Fernando Exman e Leandra Peres | De Brasília

    Guido Mantega, ministro da Fazenda: “As nossas contas estão muito bem ajustadas e muito bem fiscalizadas”

     

    Otimista até por dever de ofício, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, rechaçou ontem a tese de que há uma crise na economia e avaliou que fará pouca diferença se, na semana que vem, o IBGE anunciar retração da atividade econômica no segundo trimestre, o que pode configurar uma recessão no primeiro semestre do ano. O importante, argumentou o ministro, é que o segundo semestre já dá sinais de retomada do crescimento e, se a economia internacional se recuperar um pouco mais, 2015 trará também o aquecimento da indústria. Ele recomendou para o próximo ano uma política fiscal mais apertada e uma monetária mais flexível, caso a presidente Dilma Rousseff seja reeleita.

    Em entrevista exclusiva ao Valor PRO, serviço de informações em tempo real do Valor, o ministro disse que não pretende aumentar a taxa de juros de Longo Prazo (TJLP), que deve continuar em 5% ao ano para apoiar o investimento, mesmo com a Selic a 11% ao ano. Presidente do Conselho de Administração da Petrobras, Mantega defendeu Graça Foster à frente a estatal. Com um calhamaço de papéis à mão sobre o desempenho da economia, o primeiro tema que o ministro abordou na conversa foi o aumento da produção da Petrobras.

    “Deixa eu dar uma notícia para vocês: a produção de petróleo e gás da Petrobras, em julho, chegou a 2,479 milhões de barris de petróleo equivalente dia. É recorde histórico.”

    A seguir, os principais trechos da entrevista.

    Valor: O governo, em caso de reeleição, poderia automatizar o reajuste dos combustíveis?

    Guido Mantega: Não se pode automatizar porque não pode dar previsibilidade de aumento de preços. Isso influi no mercado. Nenhum governo fez isso. Agora, não tem um ano sem aumento.

    Valor: No passado se discutiu uma fórmula considerando os preços externos…

    Mantega: Uma fórmula de indexação? É ruim. A tendência é eliminarmos a defasagem, que decorreu da desvalorização cambial em 2012 e 2013 e dificultou atingir a paridade. De 2011 para cá, o preço da gasolina na refinaria subiu mais que a inflação. Não subiu para o consumidor, porque nós baixamos a Cide.

    Valor: Não seria preciso aumentar a Cide para ajustar o fiscal em 2015?

    Mantega: Depende do cenário. Eu trabalho com um cenário de recuperação do crescimento neste segundo semestre.

    Valor: Por quê?

    Mantega: Vários problemas que ocorreram no primeiro semestre estão sendo superados. A seca, a inflação que acelerou até março e de abril para cá está em queda. Chegamos a zero de inflação no mês passado, o que mostra que ela está sob controle e nessa inflação tem o aumento da energia. Então o que vejo é uma economia saudável, estruturalmente sólida e que se defronta com problemas conjunturais. Combater a inflação – e é bom dizer que nós somos sempre muito rigorosos com isso – é prioritário. Isso fez com que mesmo em um ano eleitoral tivéssemos uma das políticas monetárias mais restritivas que já tivemos. O governo não brinca em serviço com inflação, mesmo num ano eleitoral. Agora que a inflação chegou em um ponto satisfatório…

    Valor: Mas ainda está no teto.

    Mantega: Será satisfatória quando chegar a 4% ou 4,5%. Mas, diante da circunstância de que o IPCA de julho chegou próximo a zero, o Banco CENTRAL iniciou uma distensão da política monetária. Mantida a inflação sob controle, e ela vai se manter, a distensão deve se ampliar.

    Valor: Como?

    Mantega: Um dos fatores importantes que determina o nível de atividade é o crédito. A economia está rodando sem crédito.

    Valor: Mas não é por falta de demanda?

    Mantega: A demanda é definida pelas condições do crédito.

    “O que vejo é uma economia saudável, estruturalmente sólida e que se defronta com problemas conjunturais”

    Valor: O sr. previu a convergência da inflação para 4,5% até 2018 e que o ideal seria discutir uma margem de tolerância menor. Por que não uma meta menor?

    Mantega: Acho que até teremos um dia uma meta menor. Atualmente, não é possível, dadas as pressões que temos tido.

    Valor: Qual seria o momento?

    Mantega: Vejo uma tendência de moderação nos preços das commodities. A oferta de infraestrutura vai aumentar no Brasil. O custo dos transportes vai diminuir. Certamente em 2016, 2017 já estaremos colhendo esses frutos. Portanto, se os preços estiverem mais comportados, em 2015 teremos uma política monetária menos apertada, que é um dos dinamizadores da economia. Se você reativar o crédito a partir do controle absoluto da inflação, você vai ter uma retomada da economia. E aí também vai ter uma ajuda fiscal.

    Valor: O realinhamento de preços ajuda na gestão fiscal?

    Mantega: Todos os preços administrados que tinham que ser reajustados estão sendo. Ainda não teve reajuste de gasolina.

    Valor: E a política fiscal em 2015?

    Mantega: Estamos saindo da política anticíclica e passando para a normalização. Durante a política anticíclica, você dá mais estímulo, se permite que o superávit primário, embora sempre tenha um patamar mínimo, seja menor do que em períodos de política não anticíclica. Estamos saindo dessa fase e vamos ter uma recomposição fiscal que vai ajudar a flexibilizar a política monetária, como fizemos em 2011. Basta uma política fiscal mais restritiva e uma política monetária mais expansiva. É claro que isso é uma decisão do Banco CENTRAL. Mas as condições estabelecem isso.

    Valor: A política fiscal sai da fase anticíclica dizimada, ministro.

    Mantega: Dizimada? Não interrompa meu raciocínio… Já interrompeu… A recomposição fiscal… Isso é o que eu queria dizer: em 2011 nós fizemos isso. Nós tivemos que fazer uma política fiscal restritiva e uma política monetária também restritiva. No próximo ano não precisará ser assim. Basta uma política fiscal mais restritiva e uma política monetária mais expansiva. É claro que isso é uma decisão do Banco CENTRAL, é bom deixar claro. Mas o que eu estou dizendo é que as condições estabelecem isso.

    Valor: O sr. não acha que o próximo governo assumirá com as contas públicas no mínimo desorganizadas?

    Mantega: As nossas contas públicas estão absolutamente organizadas. O superávit primário, embora menor do que em 2008, é um dos maiores do mundo. Dizer que há uma desorganização fiscal é um absurdo.

    Valor: O Tesouro está atrasando os pagamentos aos bancos federais.

    Mantega: Nós estamos pagando as contas absolutamente em dia. O governo federal é o único que paga precatório todo ano. As nossas contas estão muito bem ajustadas e muito bem fiscalizadas. Se tivesse alguma coisa fora do lugar, o TCU não aprovaria as nossas contas, estaríamos sendo imputados de algum equívoco, algum erro, o que não ocorre.

    Valor: O sr. autorizou os atrasos nos repasses à Caixa e ao Banco do Brasil? Teve conhecimento?

    Mantega: Os fluxos de pagamento são normais, como sempre foram. Não há um fluxo perfeito, porque você faz pagamentos todo dia. É bom lembrar que as instituições financeiras têm vantagem quando transferem recursos ao setor público. Elas têm um saldo de caixa financeiro que é conveniente. Então, você pode ter durante um mês ou dois momentos em que a conta fica devedora. Mas é momentaneamente. Hoje, por exemplo, os fluxos estão perfeitamente ajustados. Se você pegar na década de 90 e olhar os fluxos do Tesouro, você vai encontrar isso.

    Valor: Mas a Caixa mandou documento para a AGU perguntando se o que ela estava fazendo é correto.

    Mantega: O Banco estatal procura trabalhar 100% de acordo com a legislação. E ele pode consultar um órgão de controle, a instância jurídica máxima da União, que é a AGU, para saber se o procedimento que ele está fazendo é correto ou não.

    Valor: O sr. sabia desses atrasos do Tesouro?

    Mantega: Eu vi no jornal. Esse não é um detalhe que cabe ao ministro da Fazenda. Isso é uma rotina. Há pareceres da AGU do passado que dizem que isso é correto.

    Valor: O procedimento não configura operação de crédito ou antecipação de receita?

    Mantega: Não é nada disso. Não há nenhuma indicação de algum descumprimento de lei. Eu desafio alguém aqui a me mostrar que houve, que a gente faz na política fiscal algum descumprimento legal.

    Valor: O artigo 36 da LRF diz que um Banco público não pode financiar seu controlador. A Caixa e o BB não estão momentaneamente financiando o Tesouro?

    Mantega: Veja os pareceres jurídicos. Os pareceres são mais importantes que a minha opinião.

    Valor: O mercado trabalha hoje com uma meta de superávit primário bem menor do que 1,9% do PIB. O sr. recomendaria a redução da meta oficial para este ano?

    Mantega: O que eu recomendo é o esforço máximo para cumprir metas. A nossa obrigação é fazer um esforço. Está mais difícil? Nós estamos acostumados a enfrentar desafios difíceis.

    Valor: O sr. sugere para 2015 uma política fiscal mais dura e a monetária menos restritiva, com queda dos juros. Considerando que o governo vai decidir a meta de superávit primário para o ano que vem, vai propor algum ajuste na LDO?

    Mantega: Não vou propor nenhum ajuste na meta. Em 2015 acho que você vai ter que repetir o que fizemos em 2011. Uma das razões é que nós não temos mais que fazer política anticíclica. Estabelecemos a meta na LDO, que é de 2% a 2,5% do PIB.

    Valor: O sr. propõe repetir em 2015 o que se fez em 2011. Está se referindo a exatamente a quê?

    Mantega: Eu recomendo que em 2015 se faça uma política fiscal um pouco mais apertada, dando espaço para uma política monetária mais flexível. Estamos discutindo até qual vai ser a taxa de expansão da economia em 2015. Tem gente dizendo que não vai crescer. A economia brasileira não está em crise. Ela enfrenta problemas e tem desafios, mas não está em crise.

    Valor: Há a possibilidade de o país estar em recessão…

    Mantega: Mas a economia não se resume a isso. A economia é um conjunto de dados. Se você me disser que a economia está em crise com pleno emprego, é uma contradição. A economia está em crise com a bolsa subindo há vários meses consecutivos? A economia está em crise com grande fluxo de investimento externo direto? Bom, que raio de crise é essa? Ela poderia estar crescendo mais, mas isso não é tudo. É preciso olhar o conjunto da situação. Um dos pilares da economia é a demanda. Esse pilar está resguardado. A inadimplência foi saneada. A indústria automobilística está íntegra.

    Valor: Mas temos problemas no fiscal, o câmbio está estável à custa de quase US$ 100 bilhões em contratos de swap, o país não cresce, o investimento está parado, não?

    Mantega: [O país] não gastou um tostão das reservas cambiais [nas operações de swap]. Quem está ganhando a aposta? O Banco CENTRAL.

    Valor: Qual seria o impacto para o Brasil de um ajuste mais rápido na taxa de juros americana?

    Mantega: As declarações têm sido contraditórias. Qual vai ser o impacto? Eu não sei. O fato é que seja qual for nós estamos muito bem preparados para qualquer impacto e ele será passageiro. Nós podemos ter alguma instabilidade momentânea, mas teremos mais mercados para exportar. É tudo o que eu desejo. Um dos setores que está com mais dificuldades hoje é a indústria porque falta de mercado. O mercado interno não cresceu por causa da falta de crédito e o mercado externo também não está crescendo.

    “A TJLP não pode ser tratada como uma sanfona. A Selic é uma taxa de curto prazo e tem que ter flexibilidade”

    Valor: Na semana que vem, o IBGE anuncia se no primeiro semestre a economia cresceu, estagnou ou está em recessão. Recessão lhe surpreenderia?

    Mantega: A Alemanha está em recessão técnica. O Japão teve menos 1,7% no segundo trimestre e todo mundo estava achando que o Japão estava uma maravilha. O PIB da Europa foi zero. A Alemanha menos 0,2%. No ano passado, crescemos 2,5%. Num período de crise não é desprezível. Então que diferença fará? Não muda a nossa trajetória de recuperação do crescimento. A Copa do Mundo tirou dias úteis e, portanto, isso teve um impacto. Agora estamos voltando. A indústria levou um tombo em junho e em julho já voltou. Agora (com as medidas recentes) vai ter mais crédito, as vendas vão aumentar.

    Valor: Tem alguém da equipe da presidente pensando o pós-eleição?

    Mantega: Quando você está no governo, você sempre pensa no médio e longo prazos.

    Valor: O sr. acha que a situação da presidente da Petrobras, Graça Foster, está se tornando complicada à frente da companhia devido ao noticiário recente?

    Mantega: A Graça Foster é uma excelente executiva, uma excelente presidente da Petrobras. A conduta dela sempre foi irreprovável. Em todas as empresas você pode ter um mal feito, não é? Em uma empresa desse tamanho não é diferente.

    Valor: A segunda rodada de estímulo ao crédito terá impacto este ano?

    Mantega: As medidas de [liberação de] compulsório têm efeito imediato. As medidas que têm um efeito de médio e longo prazos são aquelas de melhoria na regulação. A mudança no requerimento de capital também é muito importante porque o Banco vai ter mais disponibilidade para fazer novos empréstimos.

    A medida que fizemos para o crédito consignado libera R$ 7 bilhões de capital que pode virar R$ 70 bilhões de crédito, se o Banco achar que deve.

    Valor: A transição para o crescimento sustentado no investimento não está ocorrendo

    Mantega: Nós estamos fazendo um grande esforço. O problema é que o investimento tem muito a ver com a indústria.

    Valor: Mas aí entra a questão da confiança….

    Mantega: O consumidor estava com uma atitude mais prudente em relação ao crédito, talvez por causa da inflação. Agora vê a inflação sob controle e que pode voltar a comprar a crédito. A confiança da indústria vem depois. Essa questão de confiança é uma questão geral. Na Alemanha está há sete meses consecutivos em queda. Na Alemanha não tem eleição agora, é uma economia muito bem arrumada, que tem alta produtividade. As empresas no Brasil mantêm o trabalhador, não demitem, porque confiam que a economia brasileira vai se recuperar. Para mim, esse é um indicador de confiança.

    Valor: Dá para aumentar PIS-Cofins, como se previu no passado?

    Mantega: Não há previsão de aumento. Agora, quando vocês falam de bebidas, tem que lembrar que não se trata de nenhum aumento.

    Valor: Não é necessário um ajuste na TJLP (5%) que ficou muito distante da taxa Selic (11%)?

    Mantega: Não. Neste momento, não acho. A TJLP tinha encostado na Selic. A TJLP não pode ser tratada que nem sanfona. A Selic é uma taxa de curto prazo e tem que ter flexibilidade por causa da política monetária. A TJLP é taxa de juros de longo prazo. Se você tratar a TJLP como uma taxa de curto prazo, você está perdido, porque aí o longo prazo ficará turbulento. Se a Selic ficar muito tempo num patamar elevado, aí sim teremos que ajustar a TJLP, como já fizemos em outras ocasiões.

    Valor: O sr. faria uma análise desse novo cenário eleitoral com a entrada da Marina Silva?

    Mantega: Não, não faria. O meu trabalho é tentar deixar a economia fora da questão política. É trabalhar a economia de forma a deixá-la fora das interferências políticas, porque não é bom para a economia. A economia tem que seguir o seu curso e ter mais estabilidade que a política. O cenário político se move, mas a economia tem que ser estável.

    Valor: O sr. ficaria em um eventual segundo mandato da presidente Dilma?

    Mantega: Não posso olhar também para um segundo mandato. Eu tenho que olhar para o presente e até o final deste mandato. A minha missão é conduzir a economia da melhor forma possível até o fim do mandato.

     

    Fonte: Valor Econômico

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