Mercados querem acreditar em Dilma

    Claudia Safatle

     

    Investidores e analistas do mercado financeiro nacional e externo querem acreditar no Brasil; olham para as ações do ministro Joaquim Levy com grande esperança e começam a colocar as novas expectativas nos preços dos ativos. 

    “O Brasil pode ser a Índia de 2014”, animou-se um investidor estrangeiro, referindo-se aos impactos positivos das reformas conduzidas pelo governo liberal de Narendra Modi, eleito primeiro ministro em maio do ano passado. Para ele, com a confiança voltando, os juros podem cair para um dígito em 2016. “O que o Levy fez em menos de um mês o PSDB talvez fizesse em um ano”, especulou um outro participante do mercado, que viu nas medidas de ajuste fiscal já anunciadas um ato de coragem do ministro da Fazenda.

    O setor real, que fará diferença na taxa de investimento e na expansão da oferta para viabilizar a recuperação do crescimento doméstico está, porém, bem menos otimista. 

    Particularmente a deprimida indústria paulista, que, depois de amargar um câmbio valorizado e aumentos reais de salários sem correspondente ganho de produtividade, se vê, agora, diante do risco de racionamento de água e de energia.

    Segundo relato de um participante das reuniões semanais da Fiesp, os empresários estão comprando geradores de energia e furando poços artesianos. “Daqui, nessa situação, não sairá um real de investimento novo”, comentou. 

    O governo nega o racionamento, tergiversa na explicação do apagão e mantém a incerteza no ar.

    No campo da indústria, a situação complica-se mais ainda com a desintegração do setor de construção pesada, por causa das denúncias do “Petrolão”, a consequente constrição do crédito bancário para as empresas e a demora do governo em decidir se elas continuam idôneas ou não para prosseguir as obras licitadas.

    O mercado financeiro antecipa, para o bem e para o mal, as tendências da economia. 

    A queda moderada dos juros futuros indica um ganho de confiança do governo a partir da escolha de Levy para conduzir a pasta da Fazenda. Em Davos, o ministro foi aplaudido e elogiado. 

    Em menos de um mês, ele conseguiu cortar em R$ 18 bilhões os benefícios previdenciários e trabalhistas e elevar em R$ 20,6 bilhões os impostos, perfazendo um ajuste de R$ 38,6 bilhões. 

    Falta, contudo, muito a fazer para viabilizar a meta de superávit primário de R$ 66 bilhões (1,2% do PIB). O ex-secretário do Tesouro Nacional Arno Augustin, em uma gestão fiscal devastadora, deixou como herança um “buraco” de cerca de R$ 20 bilhões nas contas do Tesouro Nacional em 2014.

    Confirmada a magnitude do déficit primário do ano passado, o esforço necessário para cumprir a meta de superávit este ano sobe para R$ 86 bilhões.

    Boa parte das medidas anunciadas pela nova equipe econômica foi deixada como sugestão tardia pelo antecessor, Guido Mantega, em um texto de pouco mais de 30 páginas escrito antes de ele deixar a Fazenda. Falta a revisão das desonerações de folha de salários que foi ampla, onerosa e sem os efeitos esperados pelo governo. Levy poderá reduzir as desonerações, garantidas em lei antes das eleições presidenciais. 

    Basta editar uma medida provisória, disse uma fonte. 

    Aperto fiscal, elevação dos juros e correção dos preços represados formam uma combinação politicamente insalubre que terá que ser enfrentada pela presidente Dilma Rousseff. Os efeitos são: possível recessão, inflação na faixa dos 7,5% e algum desemprego no curto prazo. 

    Nada que já não estivesse no cenário em 2014, amplamente alertado pelas candidaturas da oposição e negado três vezes pelo PT. O PIB de 2014 ficou estagnado. Pode ter havido contração no último trimestre do ano e o primeiro trimestre de 2015 não será melhor. 

    Portanto, a recessão é uma possibilidade concreta. 

    A inflação estimada em mais de 1% em janeiro e fevereiro é a que deveria ter ocorrido no início de 2013, quando o governo decidiu adiar os aumentos dos transportes coletivos, antecipar a redução das tarifas de energia e prosseguir no congelamento da gasolina. Não é legítima, portanto, a tentativa de imputar a eventual recessão como consequência da gestão Levy.

    O conserto dos erros cometidos nos últimos três anos, na busca de atalhos, custará menos crescimento e demandará tempo. Nesse contexto, uma pergunta continua sem resposta: se Dilma dará suporte à equipe econômica para fazer os ajustes dos gastos públicos, de impostos, de preços e de salários necessários para repor a macroeconomia em equilíbrio, resgatar a estabilidade econômica e preparar o país para o crescimento futuro. 

    No cronograma do governo, a economia pode voltar a crescer de forma modesta a partir de meados do ano. Nada muito além de 1% a 1,5% em 12 meses. Os prognósticos mais realistas são de um crescimento de não mais do que 2% até 2018.

    No mercado há desde projeções semelhantes até recessão (contração de 1% da atividade econômica) para este ano. O futuro vai depender muito da longevidade de Levy no Ministério da Fazenda e da extensão das mudanças macro para ações na microeconomia. 

    Volta-se, assim, à dúvida sobre a convicção de Dilma em relação à política econômica em curso. A presidente tanto pode se arrepender no meio do caminho e, de novo, se fiar em atalhos pouco ortodoxos, como pode manter a linha liberal até o fim do mandato, pagar o preço do ajuste e deixar o país mais arrumado. Ela ainda não pronunciou uma só palavra para convencer os céticos. 

    Os novos integrantes da área econômica do governo estão cautelosamente animados. 

    Acreditam que a presidente tem perfeita noção de que quase perdeu a reeleição e entendeu muito bem o recado das urnas. E uma olhada ao redor mostra o desfecho dramático de governos vizinhos, amigos do PT, na Argentina e na Venezuela.

    Levy não tem ambições políticas. Dilma não é mais candidata a nada. Isso deixa uma réstia de esperança.

    Claudia Safatle é diretora adjunta de Redação e escreve às sextas-feiras E-mail claudia.safatle@valor.com.br 

    Há uma réstia de esperança de que governo vai acertar

     

    Fonte: Valor Econômico

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