Em uma substancial mudança de rota, a presidente Dilma Rousseff anuncia, esta semana, os ministros que vão conduzir a inflexão da política econômica em direção ao reforço do tripé macroeconômico – superávit primário das contas pública, meta de inflação de 4,5% a ser obtida até 2016 e regime de taxas de câmbio flutuantes.
A primeira tarefa de Joaquim Levy no Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa no Planejamento e ALEXANDRE TOMBINI no Banco CENTRALserá viabilizar a política fiscal para 2015.
Com um rombo nas contas do governo, os novos ministros terão que apresentar um conjunto de medidas para transformar o déficit gradualmente em superávits crescentes. O objetivo é reestabelecer a confiança do governo, apresentar um horizonte de recuperação das contas públicas para estabilizar e reduzir a relação dívida/PIB (Produto Interno Bruto). A tarefa mais imediata do trio será afastar o risco de perda do grau de investimento.
Guido Mantega, ministro da Fazenda, já vinha trabalhando em um pacote de cortes de gastos na área social – com regras mais restritivas de acesso ao seguro desemprego, abono salarial, pensões por morte. Abono e seguro desemprego sozinhos acumulam gastos de cerca de R$ 45 bilhões. Só nessa conta seria possível economizar 0,7% do PIB nos próximos quatro anos. Os investimentos para 2015 também devem ter redução, até porque em todo o começo de governo isso ocorre. Mantega, segundo fontes oficiais, deixará sugestões de “medidas duras”, para deixar claro que se as contas descarrilharam, não foi por iniciativa dele.
Em uma projeção preliminar, seria possível um programa incremental de superávit primário na base de 1 ponto percentual do PIB nos próximos anos. Mas a política econômica do segundo mandato precisa ser mais abrangente do que cortes de gastos para recuperar as condições de crescimento do país. Nesse sentido, precisará uma nova abordagem para a indústria que está em retração há tempos, e mais foco nas exportações.
Na sexta-feira, os nomes de Levy e Barbosa seriam oficializados pela presidente em uma solenidade que foi, inexplicavelmente, adiada. Dilma não teria gostado do vazamento de informações para os jornais, cujos serviços de tempo real publicaram, antes da confirmação oficial, a escolha de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda, de Nelson Barbosa para o Planejamento e a permanência de ALEXANDRE TOMBINI na presidência do Banco CENTRAL.
O adiamento para esta semana – provavelmente quinta feira – teve, porém, motivos menos triviais.
A indicação de Levy para comandar a principal pasta da economia e uma das mais importantes do governo, estaria na raiz da insatisfação de uma facção do PT.
Desde 2003 o cargo de ministro da Fazenda é ocupado por nomes vinculados ao Partido dos Trabalhadores – Antônio Palocci e Guido Mantega – e o escolhido para os próximos quatro anos, que foi secretário do Tesouro Nacional nos primeiros anos do governo Lula e é presidente da Bradesco Asset Managment, é um economista de sólida formação neoclássica e em nada se assemelha ao que, para dirigentes petistas, teria sido ditado pelas urnas.
Levy na Fazenda representa o enterro definitivo do que um dia se chamou de “nova matriz macroeconômica”, representada por expansão fiscal, redução dos juros e câmbio desvalorizado de forma artificial e que levou o país à estagnação.
Outra razão, alegada no fim de semana, é que os novos nomes teriam que ser anunciados já com um programa fiscal de curto e médio prazos. O governo quer, também, que a apresentação da equipe ocorra com as mudanças na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deste ano aprovadas no Congresso, apagando a meta de superávit que não será atingida.
Aos ministros do segundo mandato cabe rearrumar o orçamento de 2015, dando-lhe credibilidade e transparência.
A mera expectativa do anúncio, na sexta feira, provocou uma mudança súbita e positiva nos preços dos ativos (a bolsa de valores subiu, os juros longos despencaram e a taxa de câmbio se valorizou). Levy já foi testado e bem sucedido na gestão rigorosa das contas públicas tanto da União quanto do Estado do Rio.
Quando o aviso do adiamento chegou às redações, os assessores da presidência já haviam preparado o palco para a apresentação dos novos ministros após o fechamento dos mercados. Uma mesa, dezenas de cadeiras e três microfones estavam arrumados no Salão Leste do palácio, localizado no segundo andar.
Ali seriam anunciados também os ministros do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (Mdic), senador Armando Monteiro (PTB-PE), ex-presidente da Confederação Nacional da Indústria CNI) e candidato derrotado ao governo de Pernambuco; e a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) para a Agricultura.
A indicação da presidente de Kátia Abreu para assumir o Ministério da Agricultura ainda enfrenta oposição dos movimentos sociais – setor da sociedade civil que foi decisivo na reeleição de Dilma no segundo turno -, mas tem o aval da cúpula do PT.
Em sua página oficial na internet, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) não se posiciona formalmente, mas afirma, textualmente, que “diversos setores da sociedade se dizem abismados” com a possibilidade de um “governo do PT abrigá-la num ministério”.
Em contrapartida, a direção petista tem convicção de que a senadora dará sequência à política conduzida por Dilma no primeiro mandato, que implica a modernização do agronegócio, mas, simultaneamente, o fortalecimento da agricultura familiar.
“A senadora vai dar continuidade à política agrícola do governo Dilma”, disse ao Valor o presidente do PT, Rui Falcão.
Uma fonte graduada do governo ressaltou que, apesar da oposição dos movimentos sociais, Kátia aproximou-se do governo ao trocar o PSD pelo PMDB em 2013, já com vistas à aliança com o PT no pleito deste ano. Esta fonte afirma que Kátia não se elegeria sem o apoio dos petistas no Tocantins.
De fato, foi uma eleição apertada, em que ela venceu o deputado Eduardo Gomes (SD) na disputa ao Senado com menos de 1% de vantagem, equivalente a 6 mil votos. Observa que políticas sociais sensíveis, como reforma agrária e demarcação de terras indígenas não estarão sob a tutela de Kátia, porque atrelam-se a outras pastas: Desenvolvimento Agrário e Justiça, respectivamente.
Outro trunfo para o governo é que com a nomeação de Kátia, o PT aumenta a bancada no Senado, com a chegada do primeiro suplente de Kátia, Donizeti Nogueira, filiado ao partido. O Planalto está preocupado com a bancada oposicionista no Senado, que chega com lideranças de peso da oposição, como José Serra (SP) e Tasso Jereissati (CE), ambos do PSDB, reforçando o time de Aécio Neves (PSDB-MG).
A combinação de Nelson Barbosa no Planejamento e Levy na Fazenda – um estruturalista pós keynesiano e o outro oriundo da escola de Chicago – pode ser prenúncio de encrenca no governo, mas ambos podem ser vistos, também, como profissionais complementares. Mantidas as diferenças de personalidade, de formação e de época, seria uma reedição da dupla Mário Henrique Simonsen e João Paulo dos Reis Velloso, no governo Geisel, o primeiro encarregado da estabilidade econômica e o segundo, dos ambiciosos PNDs (Plano Nacional de Desenvolvimento).
Levy seria o responsável por uma política fiscal conservadora e austera e a Barbosa caberia alguma dose de ousadia.
TOMBINI, que surpreendeu ao elevar (no âmbito do Copom) a taxa de juros três dias após o segundo turno – até agora a única medida voltada ao controle da inflação do novo governo – chegou a ser cogitado para assumir a Fazenda. No entanto, disse à presidente Dilma que preferia permanecer na presidência do BC.
Os nomes de Levy, TOMBINI e Barbosa representam uma importante mudança de rumos da política econômica conduzida até aqui pelo trioGuido Mantega, Arno Augustin e Márcio Holland (secretários do Tesouro e de Política Econômica, respectivamente).
Trata-se de uma equipe técnica de alto nível que, com o apoio da presidente, tem condições de montar um programa fiscal responsável para endireitar as contas públicas e preparar o terreno para uma futura redução sustentável da taxa de juros, permitindo que a economia brasileira volte a crescer.
Levy, segundo fontes, pode levar para a secretaria do Tesouro Nacional Tarcísio Godoy, que foi secretário-Adjunto do Tesouro Nacional na gestão de Levy e atualmente é diretor da Bradesco Seguros e Previdência.
Dilma deve escolher nesta semana os nomes para as presidências do Banco do Brasil e do BNDES que vão substituir Aldemir Bendini e Luciano Coutinho.
Assessores da presidente informaram ao Valor que ambos não serão reconduzidos aos respectivos cargos no segundo mandato.
Paulo Caffarelli, secretário- Executivo do Ministério da Fazenda, e Alexandre Abreu, vice presidente do BB, são cotados para a presidência dos bancos federais. (Colaborou Ribamar Oliveira)
Fonte: Valor Econômico