Na disputa de 2014, mas já pensando em 2018

    Por Renato Janine Ribeiro

    Não importa que as sondagens de opinião hoje deem vitória a Dilma Rousseff já no primeiro turno. Muita coisa pode mudar até outubro. Temos pela frente uma Copa que, parece, ensejará protestos de quem está descontente com o que o Estado brasileiro – União, governos estaduais e municípios – devolve dos impostos que pagamos. O “padrão FIFA” virou um ideal popular para os serviços públicos. Já os analistas têm discutido por que a maioria está descontente com a situação do país, quer que ela mude e, ao mesmo tempo, se dispõe a manter o PT no Palácio do Planalto. Vou tentar uma interpretação.

    A insatisfação é vaga. Não tem propostas substantivas. É uma espécie, me perdoem a palavra, de “saco cheio”. Gente mais velha quase se desanima, de ver que tantos esforços para melhorar o Brasil, desde a luta contra a ditadura, vão trazendo seus frutos tão devagar; alguns acham, até, que tudo o que foi feito deu em nada. (Eu não concordo com essa avaliação pessimista. O país varreu a ditadura, a inflação e está baixando a iniquidade social). Gente moça quer tudo, já. Não quer esperar. Não faz parte da cultura dos jovens a paciência, a tolerância com o que consideram – e o que está – errado.

    Daí que muitos, para usar a frase de Cromwell sobre os começos da Revolução Inglesa, “saibam o que não querem, mas não saibam o que querem”. O descontentamento com o status quo se volta contra todos os governos, federal, estaduais e municipais, dos mais diversos partidos. Aliás, o que mais foi questionado em 2013 foram assuntos de responsabilidade municipal e estadual (transporte e polícia) ou repartidos entre as três instâncias de governo. A oposição foi hábil em explorar as manifestações contra o governo federal, mas o eleitorado questiona todos, sem exceção, pelo que aconteceu, ou melhor, pela melhoria de serviços que não aconteceu nem acontece.

    O grande problema, neste começo – ainda – de 2014, é que muito pouco do prometido foi entregue. Os serviços prestados à população continuam aquém do desejado. A paciência popular está se esgotando. Explosões alegres, como a dos rolezinhos, ou agressivas, como a dos black blocs, se dão nesse quadro de desapontamento, talvez decepção. O Brasil tem uma cultura política pobre. Não estamos acostumados a pensar os problemas da sociedade em termos políticos. Basta ver que a explicação majoritária, na sociedade e na imprensa, para nossas deficiências, é moral e não política – a corrupção.

    Então, passadas a festa das ruas, a indignação exultante de junho de 2013 e a politização quase instantânea de nossos problemas sociais, o fato de que eles não tenham sido resolvidos faz uma sociedade pouco politizada voltar a seus canais habituais de expressão – a festa e a violência, o rolê e a destruição. Ou seja, há uma insatisfação ampla, mas que não se expressa em alternativa política.

    Eleições de 2014 parece que não vão entusiasmar

    Este panorama baliza – e banaliza – as eleições deste ano. Houve forte emoção política nas Diretas-Já (1984), no impeachment de Collor (1992) e na campanha e posse de Lula (2002-3). Isso não mais se repetiu; mas provavelmente chegaremos, este ano, ao grau mais baixo de entusiasmo político constatado neste jovem século. Dilma pode bem se reeleger, mas com menor adesão emocional do que em 2010. Não falo em quantidade de votos, falo na sua qualidade, isto é, na carga de esperança que terá cada voto que receber. Pode ser que ela vença mais pela insuficiência dos competidores do que por real apoio social e popular.

    Resumindo, precisamos revigorar a política. O PT perdeu o DNA de oposição. No governo, restam-lhe poucas das qualidades que, justamente, o levaram até lá. O que a oposição chama de aparelhamento dos cargos de confiança tem este aspecto adicional: quem pôde, foi para o poder. Quem ficou no partido virou um sem-poder. O partido hoje é fraco, em face do governo. Tarso Genro foi o único presidente do PT a mostrar real iniciativa, em dez anos de governo petista (Genoíno, antes mesmo de ter a carreira política ceifada pela condenação judicial, já se contentara com uma posição menor, justamente porque ficou no partido e no legislativo, em vez de ir para o ministério). Ser ministro é mais do que ser líder do governo no Parlamento.

    Hoje, eu diria que o verdadeiro embate em 2014 é o que já tem 2018 na mira. Começa pela questão de quem será o segundo colocado, chefe da oposição nos próximos anos, candidato favorito para o pleito seguinte (supondo a reeleição de Dilma). Se Eduardo Campos superar Aécio Neves, o que pode acontecer, é provável que boa parte do PSDB migre para o PSB. Assim, não se disputa apenas a presidência, mas a liderança da oposição. E isso tudo faz que a eleição de 2018 pareça mais interessante – agora, em 2014 – do que o pleito deste ano. Eduardo, Aécio e Marina Silva podem disputar 2018, contra um PT possivelmente enfraquecido. O PT pode perder agora ou em 2018, o que não espanta, pois terá passado 12 ou 16 anos no poder. Mas voltar à oposição será difícil para o PT, mais ainda do que, hoje, é para o PSDB. E olhem que os tucanos nasceram como uma agremiação, dizia-se na época, de muito cacique e pouco índio: com a vontade de entrar no Palácio por cima, como por sinal fizeram aos seis anos de idade, enquanto o PT fez, durante mais de duas décadas, um paciente trabalho de base. O poder apenas completou o que o PSDB era, mas mudou por completo o PT.

    Este ano poderemos ter uma campanha pobre, enfadonha, com alguns factoides como o aborto em 2010 e a Copa agora, mas os sinais lançados para 2018 serão decisivos.

    Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. Escreve às segundas-feiras

    E-mail: rjanine@usp.br

     

    Fonte: Valor Econômico

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