Não é de hoje que o BC faz algum tipo de controle do câmbio

    O mundo atravessa um momento de descrédito muito grande em relação à capacidade dos formuladores de política monetária para tratar riscos relacionados a preços e atividade econômica. O que se vê hoje no Brasil – inflação alta em meio a uma profunda recessão – é parte desse contexto geral, apesar de muito influenciado por questões domésticas, segundo a economista Mônica de Bolle, pesquisadora brasileira do Peterson Institute for International Economics e professora da Universidade Johns Hopkins.

    “Mas há uma diferença muito clara entre os diversos BCs. O americano, por exemplo, sabe o que quer, sabe onde quer chegar. O brasileiro, não. E isso faz toda diferença”, disse a economista em entrevista ao Valor.

    Para Mônica, há uma “mão pesada” do Banco Central no câmbio, o que limitaria pressões sobre a inflação, uma vez que o potencial dapolítica monetária está enfraquecido. Ainda segundo a economista, apesar de a função dos bancos públicos ser importante, não existe solução para o país que não passe por uma reavaliação do papel de BNDES, Caixa e Banco do Brasil na economia. Leia os principais trechos da entrevista.

    Valor: O governo está adotando novamente uma âncora cambial?

    Mônica de Bolle: Acho que é importante frisar que, de um lado, o movimento mais recente de queda do dólar no Brasil esteve muito relacionado ao exterior, especialmente após o banco central do Japão ter adotado taxas de juros negativas. Isso foi muito relevante. Mas acredito que não é de hoje que o Banco Central está fazendo algum tipo de controle do câmbio, algo voltado mais para controlar taxa do que exatamente suavizar oscilações mais bruscas. O BC tem feito continuamente as operações de swap cambial, mesmo em momentos de queda expressiva do dólar. A sensação que isso passa é que há uma mão pesada no câmbio, com o objetivo de evitar uma desancoragem ainda maior da inflação.

    Valor: Isso é um sintoma de quais outros problemas do Brasil hoje?

    Mônica: Você tem uma situação no Brasil em que não há âncora fiscal e agora uma política monetária comprometida, porque o BC se depara com uma recessão muito forte na economia que faz com que ele relute em subir os juros. E também tem a questão da dominância fiscal.

    Valor: O país está em dominância fiscal?

    Mônica: Acho que a dominância fiscal, ou pelo menos a dúvida se estamos ou não nela, influenciou a decisão do BC de não subir os juros. Mas ele jamais vai admitir isso. E sem a âncora fiscal, a inflação não encontra nenhum obstáculo. Isso só reforça a ideia de que a luta contra a inflação no Brasil não pode ser baseada em fórmulas contidas em livro-texto.

    Valor: Você poderia discorrer mais sobre isso?

    Mônica: Os padrões de estudo macroeconômico partem de um princípio básico de que em algum momento os preços, as variáveis, os ativos, vão convergir a um ponto de equilíbrio. Entre essas variáveis, podemos citar taxa natural de desemprego, taxa natural de juros e PIB potencial. Mas chegou-se a um ponto em que não conseguimos mais determinar esses níveis de equilíbrio com base nos princípios de antes. O que seria hoje o PIB potencial do Brasil? É uma pergunta a que poucos arriscam responder. E mesmo quando respondem é com grande incerteza. O mesmo vale para os Estados Unidos. A verdade é que ninguém sabe o que está acontecendo com esses parâmetros estruturais, e isso causa tamanha incerteza que você tem situações improváveis como expectativa de inflação em alta no Brasil mesmo com ambiente recessivo e inflação dormente nos Estados Unidos a despeito da recuperação da economia.

    Valor: Como os formuladores de política monetária estão se saindo com essas situações?

    Mônica: Existe um descrédito muito grande com a capacidade dos formuladores de lidar com essa nova configuração. Nenhum formulador depolítica monetária sabe responder às questões que se colocam. E, na tentativa de tentar achar respostas, acabam utilizando os mesmos parâmetros de antes, apesar da mudança pela qual a economia mundial passou. Isso gera uma desconfiança com esses formuladores que não é exclusiva do Brasil. Dessa forma, o que se tem é uma total falta de conexão entre os modelos utilizados e a realidade, já que você não sabe quais os parâmetros. Mas há uma diferença muito clara entre os diversos BCs. O americano, por exemplo, sabe o que quer, sabe onde quer chegar. O brasileiro, não. E isso faz toda diferença.

    Valor: Qual a saída para a falta de chão na economia brasileira?

    Mônica: Você tem que dar certezas. E essas certezas só se constroem com estratégias corretas de política econômica e agenda de reformas. Só é possível quebrar a dinâmica perversa da inflação no Brasil com um plano crível de ajuste fiscal, que inclua uma revisão mais profunda dos gastos do governo, algo que passe a sensação de que o governo está comprometido em arrumar o Orçamento. É claro que medidas drásticas de ajuste fiscal neste momento são contraproducentes, mas é preciso entender que esse ajuste profundo das contas é necessário porque trata-se de um problema estrutural e não cíclico. Um segundo ponto é uma reforma no sistema financeiro. Regredimos quase 20 anos em termos de funcionamento do sistema financeiro, que hoje é extremamente segmentado, com uma participação dos bancos públicos muito além da desejada. Isso impede que você crie mecanismos de financiamento de longo prazo de que a economia brasileira tanto precisa. Claro que o papel dos bancos públicos é importante, mas a questão é que o foco não pode ser apenas neles. Para mim, não existe solução para o Brasil que não passe por uma reavaliação do papel do BNDES, da Caixa e do Banco do Brasil na economia.

    Valor: Como o estrangeiro tem observado o Brasil nesse contexto doméstico e também global?

    Mônica: Trabalho mais com empresários aqui nos Estados Unidos e o que percebo é que aqueles que já têm operações no Brasil e tinham planos de ampliação frearam todos os investimentos. Mas é importante dizer que ninguém pensa em sair do Brasil, apesar do sentimento de perplexidade que existe, piorado agora por questões que extrapolam as análises centrais de economia, como a disseminação do vírus zika.

     

    Fonte: Valor Econômico

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