‘Não está claro se o corte de fevereiro será o último’

    O comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central divulgado ontem claramente aponta na direção de redução da magnitude do afrouxamento monetário a partir de agora, diz Mario Mesquita, economista-chefe do Itaú Unibanco. Diante disso, Mesquita, que também é ex-diretor do Banco Central, passou a ver declínio de 0,25 ponto percentual da Selic em fevereiro – e não mais de 0,50 ponto.

    A previsão para o fim de 2018, contudo, segue em 6,50%, com o corte derradeiro ocorrendo no encontro do Copom previsto para março. “Mas vamos esperar a ata do Copom e os desdobramentos da agenda fiscal para avaliar a manutenção da expectativa desse corte de março”, afirmou o economista ao Valor.

    Mesquita considera que notícias positivas do lado da inflação e o ambiente internacional – bem como uma atividade econômica mais fraca – também chancelam a Selic de 6,5% no fim de 2018. Por outro lado, atribui a capacidade de manter os Juros nesse patamar ao longo de um ano eleitoral a progressos não só na Reforma da Previdência, mas nos esforços de ajustes das contas públicas de forma geral. Leia os principais trechos da entrevista.

    Valor: O que esperar da decisão do Copom de fevereiro? O Itaú ainda espera redução de 0,50 ponto percentual?

    Mario Mesquita: Estamos revisando nossa estimativa para corte de 0,25 ponto. Ou seja, a Selic vai terminar fevereiro em 6,75%. Mas ainda vemos o juro em 6,5% no fim de 2018 e a diferença de 0,25 ponto estará no encontro do Copom de março. O comunicado de ontem claramente vai na direção de uma redução do ritmo de flexibilização monetária. O que de fato não está claro é se o corte de fevereiro será o último ou se o Banco Central fará mais um pouco em março. Eu acho que dependerá de várias questões.

    Valor: Qual questão seria a principal?

    Mesquita: Sem dúvida é o progresso na agenda de reformas de uma forma geral, agora concentrada na da Previdência. Apesar de os efeitos da reforma nas contas públicas serem mais de médio e longo prazo, a aprovação neste momento tenderia a contribuir para um comportamento benigno da taxa de Câmbio. E nós consideramos que em 2018 o Câmbio pode vir a ser um risco inflacionário importante, muito mais até que uma recuperação do mercado de trabalho. Para além da reforma, claro, se a atividade econômica se mostrar mais fraca, se a inflação surpreender para baixo e se o cenário externo continuar muito favorável, então o BC pode ver nesses pontos mais argumentos para estender o ciclo a março. Porém, a importância do progresso na agenda de ajuste fiscal vai além do corte do juro em março e inclui ainda a capacidade de o BC manter o juro baixo por mais tempo.

    Valor: O BC consegue manter o juro no atual patamar por muito tempo?

    Mesquita: Por ora, vemos a Selic em 6,5% para o fim de 2018. Mas tenho de falar que, em reuniões com investidores lá fora, percebi ceticismo quanto à perspectiva do Brasil de manter esse juro reduzido por mais tempo sem que haja o devido ajuste fiscal, sem que se complete a tarefa de correção das contas públicas.

    Valor: Sem a reforma agora, qual o potencial de piora para os ativos financeiros domésticos?

    Mesquita: Há risco de piora, sim. O pior dos cenários seria aquele em que a reforma é rejeitada em votação. Se isso acontecer o mercado tende a piorar sensivelmente. Um outro cenário é aquele no qual o governo não consegue votar agora, mas tem perspectiva de aprovação para o ano que vem. Ainda assim haveria piora, mas seria mais modesta, porque o mercado teria a expectativa de votação ao longo do primeiro trimestre do ano que vem. Um outro cenário seria a aprovação da reforma agora, mesmo que mais diluída. A reação do mercado, nesse caso, tenderia a ser mais positiva. Haveria assimetria de reação quando se consideram as alternativas aprovação neste ano e rejeição em votação.

    Valor: Os contratos de Juros na BM&F projetam elevação de mais de 100 pontos-base da Selic ao longo do ano que vem. Dada a sinalização do Copom, é o momento de aplicar em taxas?

    Mesquita: Acho que há prêmio de risco excessivo na curva, especialmente olhando o segundo semestre de 2018. É como se o mercado estivesse considerando um cenário eleitoral nervoso, que pode, sim, acontecer, mas estamos longe de alguma certeza nesse sentido. Em última instância esse prêmio reflete a incerteza da continuidade do ajuste fiscal diante da mudança de governo prevista para o ano que vem. A impressão que tenho é que, quem montar posição otimista a partir de agora, o fará assumindo uma aposta contra esse prêmio de risco excessivo.

    Valor: O Itaú acredita que haverá Reforma da Previdência?

    Mesquita: Achamos que haverá, sim, aprovação da reforma até 2019. Se aprovada, teremos um cenário mais benigno especialmente para a taxa de Câmbio. Nossa avaliação é que a chance de aprovação da reforma com certeza aumentou nas últimas semanas. Se vai ou não ser aprovada depende de fatos e eventos que podem estar mudando enquanto falamos. Alguns analistas veem chances menores que 50% de aprovação, mas isso pode estar mudando.

    Valor: Em que medida o cenário externo deve ser encarado como uma fonte de preocupação para a política monetária em 2018?

    Mesquita: Temos que olhar as políticas monetárias das economias mais avançadas. Acreditamos que o Federal Reserve (Fed, BC americano) elevará o juro quatro vezes de hoje até o fim do ano que vem – uma agora em dezembro e três ao longo de 2018. Com isso esperamos taxa de Câmbio na faixa de R$ 3,50 por dólar no ano que vem. Claro que se a economia americana mostrar pressões inflacionárias mais intensas, o Fed terá de ajustar seu plano de voo e subir as taxas de forma mais intensa. É a esse tipo de cenário que o Banco Centraldo Brasil se refere em seus documentos. Em linhas gerais, a gente vai ver um estreitamento do hiato do produto na economia mundial – especialmente nos mercados mais maduros. Consequentemente isso levará a um aumento da inflação. O cenário base é que o processo de normalização monetária tende a ser mais generalizado no mundo a partir do ano que vem.

    Apesar de tom de cautela, fim do ciclo está em aberto
    Análise
    Alex Ribeiro | De Brasília

    O comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central tem um tom geral bastante cauteloso, mas deixa em aberto como será conduzido o fim do ciclo de distensão monetária, que já levou a taxa básica para o menor percentual do regime de metas de inflação.

    O cenário mais provável é um corte final de 0,25 ponto percentual na taxa Selic na reunião de fevereiro, já que a autoridade monetária avisa que “vê, neste momento, como adequada uma nova redução moderada na magnitude de flexibilização”. Nas duas últimas vezes em que deu recados semelhantes, o BC levou a sério a sua sinalização. Desacelerou o ritmo de corte de Juros primeiro de 1 ponto percentual para 0,75 ponto em novembro; e, agora, de 0,75 ponto para 0,5 ponto percentual.

    Mas, desta vez, o Copom coloca mais dúvidas se vai, de fato, levar a cabo em fevereiro a sinalização de reduzir de forma moderada o ritmo de cortes, ao destacar que “essa visão para a próxima reunião é mais suscetível a mudanças na evolução do cenário e seus riscos que nas reuniões anteriores”.

    Como os novos dados econômicos são imprevisíveis e o balanço de riscos tem pontos equilibrados dos lados positivo e negativo, as possibilidades são muitas. Em tese, esse aviso significa que o BC pode manter o ritmo de corte de 0,5 ponto, reduzir para 0,25 ponto ou mesmo não cortar nada.

    A grande questão, até ser divulgada a ata do Copom, é se há alguma assimetria nesse último recado. Uma leitura mais conservadora do comunicado daria um peso mais forte para o trecho seguinte, que avisa que, depois de fevereiro, o BC vai agir com cautela: “Para frente, o Comitê entende que o atual estágio do ciclo recomenda cautela na condução da política monetária”. No conjunto, a mensagem parece conservadora.

    A leitura mais “dovish”, porém, enfatizaria o fato de que as projeções de inflação e a leitura geral do quadro inflacionário se tornaram mais favoráveis. A projeção de inflação para 2018 caiu de 4,3% para 4,2%, assumindo que a Selic fique em 7% ao ano. Em tese, há espaço para juro ainda mais baixo que os 7%, pois a diferença já é representativa em relação à meta, de 4,5%.

    A projeção para 2019, de 4,2%, está na meta, definida em 4,25%. Mas a prioridade do Copom agora é a meta de 2018.

    O BC diz que “em boa medida” o quadro inflacionário evoluiu como o esperado. Ou seja, reconhece que, pelo menos em parte, a evolução foi mais favorável do que o esperado, o que significa que estão se materializando alguns riscos do lado mais positivo. Nas reuniões passadas, o Copom havia dito apenas que o cenário havia evoluído como o esperado, sem usar a expressão “em boa medida”.

    Ao se referir aos núcleos de inflação, o BC voltou a qualificá-los como “baixos”. Lembrando: em setembro, o BC dizia que os núcleos estavam baixos. Em outubro, passou a dizer que estavam “confortáveis”. Agora, diz que estão “confortáveis ou baixos”.

    O BC também não fechou a porta para cortes de Juros depois de fevereiro. Disse apenas que deve agir com cautela. Será preciso esperar a ata do Copom para avaliar se a mensagem do BC pende mais para um lado ou para o outro. Mas, a rigor, pelo comunicado, todas as portas estão abertas para a reunião de fevereiro e para as seguintes.

    Fonte: VALOR ECONÔMICO

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