Por Tainara Machado e Flavia Lima | De São Paulo
Élson Teles, do Itaú: o Banco revisou projeções para inflação em 2014 e 2015, que deve ficar no teto da meta nos 2 anos
Nos 48 meses que completam o atual mandato da presidente Dilma Rousseff, a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deve ficar acima de 6% em 30 meses, o equivalente a 62,5% do período, considerando as expectativas dos economistas consultados pelo Boletim Focus do Banco CENTRAL para os nove meses restantes de 2014. Nos quatro anos anteriores, o IPCA só superou esse patamar durante seis meses, entre junho e novembro de 2008, levado por um choque global de preços de alimentos.
Embora a perspectiva não seja de descontrole dos preços, esses mesmos analistas não veem cenário muito favorável mais à frente. A depender de projeções de mais longo prazo contidas no sistema de expectativas do BC, o mais próximo que devemos chegar do centro da meta atual, de 4,5%, será em 2018, quando a inflação medida pelo IPCA deve alcançar 5,19%.
Em um quadro de piora das expectativas, que não foi amenizado pela surpresa positiva com o IPCA-15 de abril, boa parte dos economistas já espera que o indicador termine 2014 acima do teto da meta, de 6,5% – algo mostrado pelo boletim Focus desta semana pela primeira vez no ano. O choque de preços de alimentos em razão da seca que atingiu o país é apenas parte do problema inflacionário enfrentando hoje, afirmam especialistas ouvidos pelo Valor. José Carlos Hausknetch, sócio da consultoria MB Agro, estima que os preços de grãos seguirão pressionados até metade do ano, enquanto carnes e leite devem mostrar fôlego maior pelo menos até o fim de 2014. Preocupam ainda outros componentes com potencial para manter o indicador sob pressão.
Economistas avaliam que a defasagem das tarifas de itens monitorados por contrato, a resistência da inflação de serviços e a desvalorização do câmbio no último ano devem sustentar IPCA acima de 6% em 2014 e em 2015. Marcela Rocha, economista da gestora de recursos Claritas Investimentos, estima que o IPCA vai superar o teto da meta em julho e só voltará para o intervalo permitido pelo regime de bandas em dezembro. A economista, que reajustou as projeções para o IPCA em 2014 de 6,1% para 6,4%, afirma que a deterioração das expectativas para este ano tem basicamente três fontes: alimentos, energia e serviços. “Vemos reversão dos preços dos alimentos in natura em maio ou junho, mas carnes e leite devem continuar pressionados”, diz Marcela. “E o item serviços deve vir acima do que esperávamos”.
Na área de energia, a partir do momento em que ficou mais claro que o consumidor deve arcar com aumentos dos preços das distribuidoras, as projeções da Claritas para esse item avançaram de uma alta de 6% em 2014 para 13,5%. “Com o reajuste dado a Cemig, ficou claro que o governo permitirá o repasse para o consumidor final”, diz Marcela.
A equipe de economistas do Credit Suisse também avalia que um maior aumento dos preços da energia elétrica neste ano representa um risco ascendente para a inflação. Segundo a equipe, no ano passado, devido ao plano de redução de tarifas, o item energia registrou deflação de 15,7%, retirando 0,52 ponto percentual da inflação medida pelo IPCA em 2013. Já neste ano, considerando que as tarifas de eletricidade terão aumento médio de 15% (próximo da média obtida pela Cemig e pela CPFL), o impacto total sobre a inflação seria de um acréscimo de 0,42 ponto – colocando mais pressão sobre um cenário já bem complicado. No dia 8 deste mês, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) autorizou reajuste de 14,24% para os consumidores residenciais da Cemig. Desde então, foram autorizados aumentos na conta de luz em Salvador, Fortaleza e Porto Alegre.
O Itaú também revisou para cima suas projeções para inflação em 2014 e 2015, que deve ficar no teto da meta, em 6,5%, nos dois anos. O aumento da incerteza em função do desalinhamento dos preços administrados foi o principal fator por trás da revisão para o ano que vem. OBanco estima que o conjunto de preços monitorados por contrato, que tem peso de cerca de 30% no índice, vai subir 8% no próximo ano, caso ocorra a recomposição das tarifas de transporte urbano, energia elétrica e combustíveis em 2015.
“Claro que este ajuste pode ocorrer de forma mais gradual, mas como não sabemos como essa recomposição de preços vai ser distribuída, preferimos incorporar tudo ao primeiro ano após as eleições”, afirma o economista do Itaú, Élson Teles. Em 2013, os preços administrados subiram apenas 1,5% e para este ano a projeção do Itaú foi ajustada de 4,8% para 5,1%.
Álvaro Bandeira, economista-chefe da gestora Órama, também considera que a recomposição dos preços administrados virá em 2015 e de uma vez, o que deve trazer mais pressão sobre a inflação. “A inflação só vai atingir o centro da meta a longuíssimo prazo. Se for essa for a política econômica, em 2016 não vai dar”, diz o economista.
A MB Associados estima inflação de 6,5% para este ano, mas avalia que o risco de que o IPCA encerro o ano acima do teto da meta é cada vez maior. Para o economista-chefe da consultoria, Sergio Vale, a confluência de três choques simultâneos – de preços de alimentos, de energia e do câmbio – torna o cenário inflacionária para 2014 bastante arriscado. O economista também projeta inflação de 6,5% para 2015, mas avalia que facilmente o IPCA pode furar o teto da meta caso sejam concedidos reajustes de combustíveis e de energia. Para Vale, a taxa de câmbio, que recentemente se valorizou, não deve seguir no patamar de R$ 2,20 pelo restante do ano, o que também tende a pressionar o IPCA no segundo semestre.
Para Vale, em outros momentos de choques na economia, o Banco CENTRAL atuou e não permitiu a contaminação de preços secundários. Mas, nos últimos anos, afirma, a autoridade monetária tem sido mais leniente com o avanço da inflação. “O exemplo mais concreto é que há risco de o IPCA superar o teto da meta em 2014 e o Banco CENTRAL tem sinalizado que vai parar de subir juros, enfatizando os efeitos defasados da política monetária. É condizente com um governo que está aceitando a inflação no teto neste e no próximo ano”.
No curto prazo, as projeções da Votorantim Corretora para inflação aumentaram – basicamente por conta do choque de alimentos. A alta projetada para o IPCA em 2014 era de 5,5% passou para 6% e agora está em 6,5%. No longo prazo, porém, não há previsão de que os preços convirjam para o centro da meta, por razões estruturais. Roberto Padovani, economista-chefe da Votorantim Corretora, enxerga uma inflação ao redor dos 5% ao ano ao longo dos próximos dez anos, alimentada pelos impactos de um mercado de trabalho apertado sobre os preços de serviços.
Para Marcela, da Claritas, em seu atual ciclo econômico, o Brasil é um país com uma inflação não inferior a 5,5% ao ano. Para a economista, um PIB potencial baixo (ao redor de 2,5%) torna complexa a tarefa de se ter uma inflação mais bem comportada. “Qualquer crescimento mais próximo do potencial gera inflação”. Para Marcela, o país vai passar certo tempo com uma inflação um pouco mais alta para, em um prazo mais longo, voltar à meta. Mas isso, só diante de um esforço fiscal mais forte e de uma taxa de investimento que passe de 20% do PIB, diz ela.
Fonte: Valor Econômico