Nova lei da leniência não blinda colaborador

    QUEM ACEITAR CONFESSAR CRIMES E ENTREGAR OUTROS ENVOLVIDOS PODE TER DE RESPONDER A AÇÕES NA ESFERA CRIMINAL
    Para especialistas, legislação, no fim, vai influenciar infratores a ganhar tempo para retardar processo

    RICARDO BALTHAZAR
    DE SÃO PAULO

    O governo federal ganhou novos poderes para investigar bancos e empresas, mas os riscos para quem aceita colaborar com as autoridades continuam tão altos que podem inibir o uso dos instrumentos criados pela legislação.

    Uma lei aprovada pelo Congresso na semana passada reforçou as multas que o BC (Banco Central) e a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) podem aplicar e autorizou as duas instituições a negociar acordos de leniência com infratores.

    Com isso, elas poderão obter mais rapidamente informações sobre irregularidades ocorridas no setor financeiro e no mercado de capitais, oferecendo redução de multas e outros benefícios a bancos e empresas que aceitarem cooperar com a Justiça.

    Mas a lei não garante aos colaboradores do Banco Central e da CVM proteção contra processos na área criminal e ações para reparação de prejuízos causados aos cofres públicos e a investidores, o que poderá tornar os novos acordos de leniência pouco atrativos, afirmam especialistas ouvidos pela reportagem.

    Muitas infrações de caráter administrativo que o Banco Central e a CVM têm a missão de coibir se confundem com crimes. No entanto, os colaboradores precisarão reconhecer as irregularidades para receber os benefícios oferecidos pelos novos acordos de leniência.

    “A nova lei pode dar agilidade a processos administrativos e à obtenção de provas, mas muitos infratores vão preferir ganhar tempo para evitar riscos maiores”, diz o ex-ministro Valdir Simão, que chefiou a CGU (Controlado-ria-Geral da União), hoje Ministério da Transparência, no ano de em 2015.

    Um banco pode perder a confiança do mercado e quebrar se seus donos admitirem responsabilidade por infrações e se tornarem réus de processos criminais.

    Em casos menos extremos, em que os responsáveis forem funcionários de escalões inferiores, um acordo de leniência pode ajudar um banco a limpar a reputação e continuar de pé.

    Com a nova lei, chegam a quatro os órgãos do governo federal com poderes para negociar acordos de leniência com empresas envolvidas em irregularidades. Além do Banco Central e da CVM, a CGU e o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) também podem fazer isso.

    A CGU investiga casos de corrupção e fraudes em licitações públicas e contratos do governo. A atuação do Cade é restrita a cartéis, em que empresas concorrentes combinam preços ou dividem mercados, e outros crimes contra a ordem econômica.

    Assim como no caso do Banco Central e da CVM, os acordos feitos pela CGU não garantem às empresas imunidade contra ações do Ministério Público na área criminal. No caso do Cade, a imunidade é restrita aos crimes que são investigados pelo órgão.

    RISCOS

    Nenhum dos acordos previstos pela lei livra as empresas do risco representado pelas ações de reparação de danos, que podem ser iniciadas pelo próprio governo, pelo Ministério Público ou pelo TCU (Tribunal de Contas da União).

    “A única maneira de evitar esses riscos seria coordenar a atuação dos vários órgãos e estabelecer regras mais claras para os acordos”, diz a procuradora Samantha Sobrowolski, de um grupo criado pelo Ministério Público Federal para estudar o assunto.

    A articulação é muito difícil por causa das diferentes atribuições de cada instituição e da autonomia do Ministério Público, o único ator envolvido nas negociações dos acordos de leniência que tem poderes para investigar crimes e acusar os responsáveis na Justiça.

    Empresas como a Odebrecht e a J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, que negociaram leniência com os procuradores e cujos executivos também fecharam acordos de delação premiada, tiveram bens bloqueados, perderam acesso a crédito oficial e ainda discutem a reparação dos danos que causaram.

    A empreiteira UTC, única que fechou acordo com a CGU, ainda enfrenta problemas com o TCU e o Cade.

    “Confessar um crime sem garantia de imunidade penal, sem que o Ministério Público seja parte do acordo, cria uma situação de alto risco para qualquer empresa”, diz Viviane Muller Prado, professora da FGV Direito de São Paulo.

    Fonte: Folha de S. Paulo

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